01 outubro 2019

Na vida, na morte e eternamente

No meu primeiro ano de convertido ao Senhor eu escutava sempre uns amigos que repetiam constantemente o comecinho de uma música: “É bênção, sobre bênção, vivendo cada dia no Senhor”. É isto que temos, literalmente, nas perguntas 36 a 38 do Breve Catecismo. A pergunta 32 já havia estabelecido que os que são chamados eficazmente gozam nesta vida de três bênçãos, a justificação, a adoção e a santificação.

Agora temos três perguntas que tratam das bênçãos que acompanham estas bênçãos já citadas. A primeira delas ensina que “as bênçãos que nesta vida acompanham a justificação, a adoção e a santificação, ou delas procedem, são: certeza do amor de Deus, paz de consciência, gozo no Espírito Santo, aumento de graça e perseverança nela até o fim” (Resposta à “Pergunta 36 – Quais são as bênçãos que nesta vida acompanham a justificação, a adoção e a santificação, ou delas procedem?).

Isto é maravilhoso! Tem já nesta vida a certeza do amor de Deus. Ao crer naquilo que o Senhor Jesus fez na cruz do Calvário, temos uma demonstração maravilhosa deste amor. Paulo afirma que “Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). O amor de Deus não é mera declaração. Declarar o amor é fácil, se você percorrer as delegacias notará a quantidade de denúncias de mulheres que foram espancadas pelos companheiros que diziam amá-las. Deus não somente declara o amor, mas prova que ama. O apóstolo João, num dos textos mais conhecidos pelos cristãos, declara esse amor dizendo que “Deus amou o mundo” – e demonstra como ele fez isso, ao continuar – “de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).

É esse entendimento que levará você a experimentar paz de consciência. Saber que a sua dívida para com Deus já está paga, de uma vez por todas, pelo seu Redentor, levando você a se alegrar a despeito das circunstâncias adversas que possa enfrentar em sua vida. Levará você também a crescer em graça diante do Senhor, com a firme certeza que tinha Paulo “de que aquele que começou boa obra em vós há de completa-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6).

Mas as bênçãos não são somente para viver. “A alma dos fiéis, na hora da morte, é aperfeiçoada em santidade, e imediatamente entra na glória; e o corpo, que continua unido a Cristo, descansa na sepultura até a ressurreição”. Ao ser justificado, adotado e santificado, o cristão aprende e cresce a cada dia mais no conhecimento da Palavra e como disse o puritano John Flavel, “As Escrituras ensinam-nos a melhor maneira de viver, a mais nobre forma de sofrer e o modo mais confortável de morrer”[1].

Você consegue perceber esta verdade bíblica claramente quando Paulo escreve aos filipenses e afirma que para ele “o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fp 1.21) e que “partir e estar com Cristo [...] é incomparavelmente melhor” (Fp 1.23). O apóstolo estava bastante convicto que, para o crente, a morte não é o final. Como afirmou de forma maravilhosa outro puritano, Thomas Brooks, “a morte é outro Moisés: livra os crentes da escravidão e de fazer tijolos no Egito. É um dia ou um ano de jubileu para um espírito gracioso – o ano em que ele sai livre de todos os feitores cruéis que tinham há muito o feito gemer”[2].

Entretanto, a mesma convicção de Paulo e dos puritanos citados não está presente na vida de muitos cristãos. Estes, ao pensar na morte, a veem como um problema, como algo que os tirará a oportunidade de gozar das alegrias desta vida. Cristãos assim precisam estar convictos a respeito da verdade da ressurreição. Quando escreveu aos coríntios corrigindo os ensinos errados daqueles que afirmavam que não haveria ressurreição Paulo afirmou que “se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co 15.19). Os crentes precisam estar bem convictos de que o melhor que puderem experimentar nesta vida não se compara ao que teremos no porvir.

Na morte, o corpo dos crentes “descansa na sepultura até a ressurreição” e “na ressurreição, os fiéis, sendo ressuscitados em glória, serão publicamente reconhecidos e absolvidos no dia do juízo, e tornados perfeitamente felizes no pleno gozo de Deus por toda a eternidade” (Resposta à “Pergunta 38: Quais são as bênçãos que os crentes recebem de Cristo na ressurreição?”).

O que temos aqui é algo que, se bem entendido e assimilado, levará você a clamar como João, “vem Senhor Jesus!” (Ap 22.20). Ele é a razão de termos todas estas bênçãos e, diante disso, precisamos exaltá-lo a cada dia e ansiar pela consumação plena de sua obra. Tendo Cristo como o seu maior tesouro, você estará sempre seguro. Se Cristo é o seu maior anseio, como Paulo você pode estar certo de que Cristo será engrandecido em seu corpo, “quer pela vida, quer pela morte” (Fp 1.20).

Há bênçãos de Cristo na vida, na morte e eternamente. Que a sua convicção seja como a resposta à primeira pergunta do Catecismo de Heidelberg, “Qual o seu único conforto na vida e na morte?”, que inicia dizendo que “o meu único consolo é que – corpo e alma, na vida e na morte – não pertenço a mim mesmo, mas ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo, que, ao preço do seu próprio sangue pagou totalmente por todos os meus pecados e me libertou completamente do domínio do pecado”.

Que você, abençoado pelo Senhor, na vida, na morte e eternamente, engrandeça sempre o seu Redentor!


[1] Citado por John Blanchard em Pérolas para a vida

[2] Thomas Brooks no livro Sermões sobre a morte. Ed. Soli Deo Gloria. Ed. do Kindle, posição 313

27 abril 2019

Meu Pai trabalha até agora...

Não é incomum ver pessoas que sequer começaram a sua vida profissional e já pensam na aposentadoria. Apesar de nada terem produzido por meio do seu trabalho, já sonham com os dias em que só haverá viagens, belas praias, pores do sol esplendorosos, sombra e água fresca.

Além de esta ser uma realidade distante da maioria daqueles que se aposentam, há o fato de que, em se tratando de trabalho, são muitas as distorções. O trabalho é visto como maldição por causa do pecado de Adão, como um mal necessário, como o meio de subsistência, como o sentido da vida, como algo que traz dignidade, afinal, “o trabalho dignifica o homem”, etc.

Biblicamente o trabalho é um mandamento. Deus fez o homem para trabalhar e isto é visto de modo claro no livro de Gênesis, quando o Senhor coloca Adão no Jardim do Éden para cultivá-lo e guardá-lo (Gn 2.15). As coisas não poderiam ser diferentes, pois por ser criado à imagem e semelhança de Deus o homem é um reflexo do seu Criador. E o que você vê Deus fazendo no primeiro capítulo da Escritura? O Senhor está trabalhando, realizando a obra da criação.

No sexto dia ele cria o homem, ação descrita por Davi da seguinte maneira: “Fizeste-o por um pouco, menor do que Deus e de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão (Sl 8.5-6a). Ao cabo de sua obra, Moisés relata que “havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito (Gn 2.2).

Com a queda todas as relações do homem foram afetadas. Sua relação com Deus, com o próximo e também com o trabalho. A maldição dada por Deus após o pecado não foi o trabalho, mas a dificuldade e a penosidade de se ganhar o pão: “No suor do rosto comerá o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3.19). O trabalho, bênção do Senhor, se tornara penoso e assim seria até que o homem experimentasse a pior das consequências do seu pecado, a morte.

Entretanto, antes de amaldiçoar o homem o Senhor havia amaldiçoado a serpente, afirmando que da mulher nasceria aquele que iria esmagar a sua cabeça (Gn 3.15). A obra (trabalho) de Cristo estava anunciada. Haveria um dia em que o homem voltaria a encontrar vida e o verdadeiro descanso, prenunciado pela lei.

Quando o Senhor deu a Moisés o quarto mandamento, ordenou-o lembrar do padrão “seis para um” estabelecido na criação:

Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho [...] porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra [...] e, ao sétimo dia, descansou (Ex 20.8-9).

O descanso do Pai após a sua obra era o padrão para o descanso dos seus servos e apontava para o descanso do Filho, após terminar a sua obra de redenção. Esta é, inclusive, a razão de a igreja descansar no primeiro dia, dia da ressurreição do nosso Senhor.

Infelizmente, a lei dada para demonstrar ao homem que o Senhor era o seu cuidador e sustentador, prefigurando o descanso em Cristo, foi transformada pelos judeus em um dia cheio de ritos e proibições vazias que eles entendiam ser necessários à salvação.

Isto pode ser notado no episódio de João 5. Após ter sido curado por Jesus, o paralítico foi questionado pelos judeus, pois estava carregando o seu leito em dia de sábado. Ele respondeu que aquele que o havia curado (um claro sinal de que Jesus era o Messias) o havia mandado carregar o leito. Ao ser perseguido pelos judeus Jesus respondeu que, semelhante ao seu Pai que trabalhava até aquele momento, ele também trabalhava, razão de os judeus quererem matá-lo, pois além de “violar” o sábado se fazia igual a Deus.

Com isso Jesus demonstra que o sábado, dia do descanso das atividades cotidianas para “ganhar” pão de cada dia, era também dia de trabalho, porém, um trabalho para Deus e para o próximo. O Breve Catecismo descreve esse trabalho como “exercícios públicos e particulares de adoração” e “obras de necessidade e misericórdia” (P. 60).

Diante disso, podemos pensar em algumas lições:

1. Não é o trabalho que dignifica o homem – Sua dignidade está em ser imagem e semelhança de Deus. Seu valor não está em quem ele é, mas a quem ele representa. O trabalho é expressão dessa imagem e precisa ser feito para a glória de Deus. Para isso...

2. A penosidade do trabalho é redimida em Cristo – A obra de Cristo, para salvação do seu povo dos seus pecados, liberta o homem para viver para a glória de Deus e encontrar satisfação no que outrora era penoso. Essa é a experiência do homem temente ao Senhor do Salmo 128, que come do trabalho de suas mãos e é feliz.

3. Não trabalhar é pecado – Paulo foi categórico ao exortar os tessalonicenses: “quando ainda convosco, vos ordenamos isto se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2Ts 3.10). Aqui alguém pode questionar: Mas eu já trabalhei, juntei dinheiro e estou aposentado, o que fazer? Concordo com Jay Adams:

Se [...] a pessoa interpreta a aposentadoria como a mudança de um tipo de trabalho para outro, e a entrada numa nova fase de atividade produtiva (possivelmente a realização de muitas atividades não-remuneradas para a igreja de Cristo, coisas que ela nunca tivera tempo para fazer), isto é bom. Quando Deus manda o homem fazer ‘toda a sua obra’ em seis dias, ele se refere a mais do que uma única espécie de trabalho (não meramente trabalho remunerado)[1].

4. Não descansar é pecado – O dia do Senhor continua sendo ordenado aos cristãos. É preciso, neste dia de descanso, servir a Deus e ao próximo, adorar aquele que enviou o seu único Filho para que, por meio do seu trabalho de Redenção, salvasse e purificasse “para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras [trabalho]” Tt 2.14). Todos os domingos você lembra e declara que não é sustentado por causa do seu trabalho, mas por causa do Senhor (Sl 127.1-2) e, por isso, dedica este dia inteiramente ao seu mantenedor!

O Pai de Jesus trabalha até agora e ele também trabalha. Trabalhe você também, para a glória de Deus, vislumbrando no dia de descanso o glorioso e eterno descanso que teremos por estarmos unidos a Cristo, aquele que concedeu a vida!


[1] Jay Adams. Teologia do Aconselhamento Cristão, p. 192. Ed. Peregrino

06 abril 2019

Autoestima - uma doutrina anátema

Sei que o título talvez espante aqueles cristãos que já assimilaram que o dogma da autoestima é algo ensinado pelas Escrituras, mas é preciso apontar e nominar o falso ensino, afinal de contas, conforme Paulo, qualquer evangelho que seja diferente daquele pregado pelos apóstolos deve ser classificado como maldito (Gl 1.6-9).

Se você pesquisar na internet verá várias definições sobre o que seria o ensino da autoestima. Creio que uma que resume bem é o de Dorothy Briggs: “a autoestima é a maneira pela qual uma pessoa se sente em relação a si mesma. É o juízo de si mesmo, o quanto gosta de sua própria pessoa”.

A ideia é que se alguém não se sente bem em relação a si mesmo e não gosta de sua própria pessoa possui uma baixa autoestima, ou seja, esta pessoa carece de amor próprio. Como consequência pode vir a depressão, timidez em excesso, problema em dizer não, sensação de culpa, necessidade constante de elogios, etc.

Por outro lado, se alguém tem a sua autoestima elevada, ou seja, se é uma pessoa com um bom conceito a respeito de si mesma e que se ama, esses problemas seriam curados e não mais existiriam.

Estas ideias não saíram da Escritura. Na verdade, ao falar sobre o amor próprio, as Escrituras o apontam como um mal. Paulo advertiu a Timóteo afirmando que “nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos; porque haverá homens amantes de si mesmos” (2Tm 3.1-2a – ARC). Entretanto, elas podem ser vistas em várias linhas das psicologias existentes, que tentam explicar quem é o homem, o que está errado com ele e como ele pode ser “consertado”. A despeito disso, elas foram inseridas na pregação de muitos pastores que a tomam como base de seus sermões. Um exemplo desse tipo de pregação é um vídeo que viralizou recentemente em que Deive Leonardo, pregador itinerante, afirma aos seus ouvintes frases como:

“Do evangelho Jesus é o centro, mas de Jesus... você é o centro”, “você é importante. Tudo o que Jesus fez apontou para você”, “Você é importante. Se qualquer história, qualquer legado, qualquer palavra, contra você, menosprezou, colocou para baixo, eu digo em nome de Jesus, pra você: você é a pessoa mais importante da terra, porque tudo o que Jesus fez, foi por tua culpa. Você é importante”.

Ao assistir este vídeo, lembrei de imediato das palavras de um pastor Luterano, Don Motzat, que li há alguns anos:

Tenho ouvido mais de um pastor declarar em sermão que a morte de Cristo prova nosso valor pessoal. [...]

Um recente programa de televisão reportou a acareação de um assassino que admitiu a responsabilidade por pelo menos quinze assassinatos. O juiz firmou sua fiança em cinco milhões de reais! Será que usaríamos o mesmo tipo de raciocínio para concluir que esse homem deveria se sentir bem acerca de si mesmo considerando-se como um ser humano de especial valor, uma vez que o juiz firmou sua fiança em valor tão alto? Afinal, ele vale cinco milhões de reais para a sociedade!

A fiança de cinco milhões obviamente não reflete o valor do assassino, mas a severidade do seu crime. Igualmente, a morte do nosso Senhor Jesus Cristo na cruz não é uma declaração de nosso valor, mas indica a profundidade do nosso pecado e culpa diante de Deus.

[...]

Geralmente ouvimos dizer: ‘Se eu fosse a única pessoa na terra, ainda assim Jesus teria morrido por mim’. Embora nosso Senhor pudesse ter dado sua vida por apenas uma pessoa, isso não seria por que essa pessoa era valiosa, mas porque Deus seria gracioso. Tal ocorrência dificilmente poderia ser vista como fonte de orgulho ou auto-estima. Argumentar que Jesus teria morrido por mim ainda que eu fosse a única pessoa na terra, simplesmente indica que meus pecados, sem a contribuição de outras pessoas, eram suficientes para exigir a severa punição que Jesus Cristo vicariamente assumiu em meu lugar. Quando confrontado com essa realidade, devemos lamentar pelo sacrifício altruísta de nosso Senhor em vez de achar nisso mais uma oportunidade de sentir-nos bem sobre nós mesmos (Religião de Poder – Ed. Cultura Cristã).

Notou a discrepância da abordagem? O que faz toda a diferença é que uma está centrada em Cristo enquanto a outra tem como centro o homem. Este é um grande mal que a tentativa de integrar a psicologia com a Bíblia tem feito ao evangelho. Por esta razão afirmei de início que a mensagem da autoestima deve ser classificada como anátema. Quando Paulo afirmou aos gálatas que um evangelho diferente do que ele pregou seria anátema, o problema era também tirar Cristo do centro. Em vez de entender a salvação pela graça, os gálatas estavam acreditando que a salvação se dava por causa daquilo que eles faziam, da guarda da lei.

A pregação sobre a autoestima, sobre o valor do homem faz o mesmo, mudando o que deve ser mudado, pois nesse caso, não há nem o esforço para o homem fazer algo a fim de ser salvo. Ele é salvo por causa daquilo que é da importância que tem, o que teria movido Deus a salvá-lo. No fim das contas, em ambas as distorções, o homem é o centro.

Tenho dito que o pior livro para aqueles que querem ter uma autoestima elevada e querem se ver como muito importantes é a Escritura. Na Escritura, o valor do homem não é definido por causa de quem ele é, em si mesmo, mas por causa de quem ele representa. Ele foi formado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26-28). Seu valor não é próprio, mas atribuído e é isso que lhe confere dignidade.

O problema é que a Escritura anuncia a queda de Adão (Gn 3) e, como consequência, a queda de toda a humanidade. A partir de então, como afirma Paulo, “tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda a boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.19-20).

Como o dogma da autoestima quer livrar o homem da culpa, ele está em franca oposição com o objetivo da Lei. Logo, da mesma maneira em que a Lei, ao evidenciar a culpa do homem, aponta para Cristo, única solução para a sua vida, o dogma da autoestima afasta o homem de Cristo ou, pelo menos, do verdadeiro Cristo revelado nas Escrituras, ao “aproximá-lo” de um Jesus que tem o homem como centro.

Os discípulos que tinham uma elevada ideia a respeito de si mesmos e que, por isso, se acharam no direito de pedir ao Senhor que no seu reino um se assentasse à sua direita e outro à sua esquerda, ouviram que no Reino de Deus “quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva” (Mt 20.20-28 cf Mc 10.35-45).

O homem já se ama por demais. O que ele precisa, convencido pela Lei, é confessar o pecado de viver para si mesmo, se render a Cristo e, por meio dele, aprender a amar a Deus e ao próximo, pois “destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22.40).

O cristão é chamado a negar a si mesmo e seguir a Cristo (Mc 8.34-38). É chamado a considerar os outros superiores a si mesmos (Fp 2.3), a preferir os outros em honra (Rm 12.10), a não pensar de si mesmo mais do que convém (Rm 12.3), pois o verdadeiro amor (a Cristo e ao próximo) não procura seus próprios interesses (1Co 13.5).

Ensinar os homens a amarem a si mesmos é afasta-los da dura realidade de seus pecados e, consequentemente, da Redenção que há somente em Cristo Jesus.

Se o amor próprio ou a estima por si mesmo pudesse ajudar o homem, o Senhor Jesus Cristo não precisaria dar a própria vida a fim de que pecadores pudessem ter vida em abundância ao negarem a si mesmos e viverem para Deus. A suficiência do cristão não está em si mesmo, mas na pessoa bendita do Redentor Jesus Cristo. Ao invés de autoajuda ou autoestima, o cristão deve ter uma alta estima por Jesus. Como afirma Powlison, em um de seus livros, “a alta estima por Jesus dá resultado!”.

Rejeite as ideias seculares que se opõem às Escrituras!


Mais textos sobre este assunto aqui no blog:

Amar a quem?

Na verdade não, você não pode!

02 abril 2019

Tudo é para o seu bem, é o que basta a você saber

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No texto anterior tratei do questionamento errôneo por parte de muitos que, ao sofrer, perguntam o que fizeram para merecer tal aflição. Demonstrei que, biblicamente, o homem já nasce inimigo de Deus, portanto, merecedor apenas de sua ira. Aqueles que não compreendem esta verdade, fatalmente viverão lamentando, independente do tamanho da aflição por que passam, seja grande ou pequena.

Por outro lado, mostrei que a pergunta “o que eu fiz para merecer isso?” vista pela perspectiva da graça de Deus, leva o homem a ser grato a Deus que, por causa de Cristo, não nos dá toda a punição que merecemos, ao mesmo tempo em que, sem nenhum mérito nosso, a não ser os de Cristo aplicados a todo o que nele crê, concede pela graça a vida eterna. Esta é a razão de os sofrimentos aqui, não se compararem à glória a ser revelada em nós.

Entretanto, mesmo aqueles que creem em Deus, seja no Antigo Testamento por meio da fé no Messias que viria, seja no Novo Testamento, por meio da fé no Messias que cumpriu as promessas de sua vinda, por vezes fizeram a mesma pergunta: O que eu fiz para merecer isso?, ainda que não com as mesmas palavras.

Lembre-se, por exemplo, de Jó. Homem descrito pelo próprio Senhor como sendo íntegro, reto, temente a Deus e que se desviava do mal. No início do livro, após sofrer vários infortúnios, ele continuou louvando a Deus, chegando a afirmar à sua esposa: “temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal?” (Jó 2.10). Entretanto, após esse primeiro momento, ele amaldiçoou o dia do seu nascimento (Jó 3) e chegou a dizer:

“Ah! Se eu soubesse onde o poderia achar! Então, me achegaria ao seu tribunal. Exporia ante ele a minha causa, encheria a minha boca de argumentos. Saberia as palavras que ele me respondesse e entenderia o que me dissesse. Acaso, segundo a grandeza de seu poder, contenderia comigo? Não; antes, me atenderia. Ali, o homem reto pleitearia com ele, e eu me livraria do meu juiz” (Jó 23.3-7).

Você percebe o que está havendo aqui? Jó, arrogantemente, está declarando que se ele se defendesse diante de Deus, este retiraria dele o sofrimento por reconhecer a sua justiça.

Veja um pouco mais. O capítulo 31 é uma amostra da justiça de Jó. Ali ele declara que nunca havia posto os olhos maliciosamente em uma donzela, que não cobiçou, não adulterou, foi justo e caridoso com seus servos, nunca havia negado a Deus nem se alegrado com o mal. Após ele termina dizendo: “Eis aqui a minha defesa assinada! Que o Todo-Poderoso me responda! Que o meu adversário escreva a sua acusação!” (Jó 31.35).

Como afirmei no texto anterior, a pergunta “o que eu fiz para merecer isso?” não é uma boa pergunta a se fazer. Mas é isso, basicamente, o que Jó está fazendo. É preciso enfatizar que a contar pelo testemunho do próprio Deus a respeito dele no início do livro, Jó de fato fazia tudo isso. Ele era justo, íntegro e se desviava do mal.

A questão é que ele achava que estas ações, fruto da graça de Deus sobre ele, eram motivo suficiente para ele não experimentar tamanho sofrimento. O erro, então, era ele confiar em sua própria justiça.

O problema de se perguntar a razão do sofrimento é Deus resolver responder. No capítulo 38 o Senhor aparece a Jó e o responde questionando: “Quem é este que escurece os meus desígnios com palavras sem conhecimento?” (Jó 38.1-2). Deus começa apontando para a soberba (“quem é este?”) daquele que falava sem entendimento e passa, então, a fazer perguntas a Jó a fim de que ele respondesse.

Após uma série de perguntas que apontavam para a criação e para o governo de Deus sobre suas criaturas o Senhor, termina com um ultimato: “Acaso, quem usa de censuras contenderá com o Todo-Poderoso? Quem assim argui a Deus que responda” (Jó 40.2). O que responderia Jó diante de tamanha grandeza? Ele simplesmente não tem o que responder e diz que taparia a boca para não mais falar.

Mas o Senhor ainda não havia terminado de ministrar ao coração de Jó. Ele afirma que Jó o acusava de injustiça e novamente faz mais uma série de perguntas que demonstravam o seu poder e a grandeza, mostrando a Jó que ele sequer conseguiria subjugar suas grandes criaturas, quanto mais contender com o seu Criador.

Jó finalmente entende a questão. Ele declara no capítulo 42 o poder do Senhor: “Bem sei que tudo podes” – e sua total soberania sobre todas as coisas – “e nenhum dos deus planos pode ser frustrado” (v. 2). Ele declara ainda que falou do que não sabia e do que não entendia. Ele conhecia só de ouvir, mas agora via o Senhor. A ideia é que agora, ele mais intimamente entendia que o plano de Deus era perfeito, ainda que Deus não tenha explicado a ele a razão do sofrimento.

Esta última declaração de Jó está em acordo com o propósito das provações, como descrito por Tiago. Elas tem por fim tornar o homem perfeito, íntegro e em nada deficiente (Tg 1.4). O Deus que salva pecadores, sem que eles mereçam, os “predestinou para serem conformes a imagem de seu Filho” (Rm 8.29), daí Paulo estar convicto de que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28).

Nossa vantagem em relação a Jó é o ensino do Novo Testamento a respeito das provações que afligiram o nosso irmão. Portanto, consciente do propósito do Senhor de conformar todos os seus filhos adotivos à imagem do Filho Perfeito, o Senhor Jesus Cristo, não ceda à tentação de perguntar “o que eu fiz para merecer isso”, antes, como fez Jó no final do livro, confie naquele que não terá nenhum de seus planos frustrado e que faz coisas maravilhosas, muitas vezes não entendidas por você.

Você não precisa entender os planos que Deus não revelou, mas, pela revelação da Escritura, entender quem é o Deus Bendito que por amor ao seu povo, fez sofrer o seu próprio Filho, verdadeiramente justo, que justificou a Jó e a todo o que nele crê.

28 março 2019

O que eu fiz para merecer isso?

O que são bancos de carga?Talvez você já tenha ouvido muito esta frase. Talvez você mesmo já a tenha dito em um ou em vários momentos da sua vida. Ela é geralmente usada em momentos de aflição, quando o sofrimento parece estar além das forças.

Costumo dizer que essa não é uma boa pergunta a se fazer, pois, biblicamente, uma resposta simples e direta à pergunta “o que eu fiz para merecer isso” seria: “você nasceu”.

Eu sei que esta resposta não é muito popular, tampouco é bem vista até mesmo por muitos cristãos que pressupõe que para recebermos algo de ruim seria necessário ter feito algo ruim. A própria pergunta “o que eu fiz” aponta para isso. Entretanto, a realidade bíblica é outra.

Desde que Adão transgrediu o Pacto que Deus estabeleceu com ele no Éden, toda a sua posteridade já nasce em um estado de pecado e de miséria, visto ter sido ele o nosso representante. Esta verdade é ensinada pelo apóstolo Paulo ao afirmar que

“por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5.12), e como ele ensinou aos coríntios, “todos morrem em Adão” (1Co 15.21).

É por causa desta verdade que Davi afirmou ter nascido na iniquidade (Sl 51.5) e que o próprio Paulo afirmou que por natureza todos os homens são filhos da ira (Ef 2.3). Ou seja, basta nascer um homem que está ali alguém merecedor da ira do Deus Todo-Poderoso.

Mas a resposta pode ficar ainda pior. Além do fato de o homem nascer pecador, em dívida para com Deus, merecendo assim toda sorte de calamidade sem ter cometido uma ação sequer, ele ainda aumenta a sua dívida ao cometer pecados em cada um dos dias de sua vida. Um agravante é que o homem sem Cristo ao cumprir externamente a Lei do Senhor continua culpado de pecado por não ter levado em conta a glória de Deus e de não ter a Cristo como seu Mediador. Daí Isaías afirmar que “todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia (64.6).

A resposta à pergunta 27 do Catecismo Maior, Qual é a miséria que a queda trouxe sobre o gênero humano?, resume bem a questão:

“A queda trouxe sobre o gênero humano a perda da comunhão com Deus, o seu desagrado e maldição; de modo que somos por natureza filhos da ira, escravos de Satanás e justamente expostos a todas as punições, neste mundo e no vindouro”.

Há ainda mais uma questão a se considerar. Mesmo que o homem não merecesse nenhum infortúnio, o fato de ele viver em um mundo quebrado pelo pecado, por si só, já o levaria ter problemas. Isto porque a própria terra foi amaldiçoada, também por causa do pecado de Adão.

Diante deste quadro, convido você a considerar a graça de Deus. Esta graça maravilhosa, fruto do amor de Deus por aqueles que ele escolheu antes da fundação do mundo (Ef 1.4,5), é vista de forma sublime na cruz de Cristo.

Tratando da obra redentora de Jesus Paulo diz que dificilmente alguém se animaria a morrer por um justo, “mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). Atente bem à essas palavras. O que você merecia, todo o peso da ira de Deus, foi derramado sobre o Senhor Jesus Cristo que foi “traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades” (Is 53.5).

Jesus, o Filho Perfeito, Santo e Justo de Deus, nada fez para merecer a morte que é o salário do pecado (Rm 6.23). Quem fez foi Adão, eu, você e todos os homens. Este salário era devido a nós, que fizemos por merecê-lo, mas foi o Redentor que o recebeu, para que aqueles que confiam nele pudessem ser justificados pela graça, mediante a fé, e nem isso vem de nós, a fé é também um dom, um presente de Deus (Ef 28).

Se você é um cristão precisa, diante das calamidades, infortúnios, mazelas que lhe sobrevierem, lembrar da obra de Cristo que o livrou da ira vindoura e considerar a pergunta inicial deste texto de duas maneiras:

Estou sofrendo: O que fiz para merecer isso? Nasci e pequei.

Fui salvo por Cristo: O que fiz para merecer isso? NADA!

Assim entenderá que por maior que seja o sofrimento que você experimentar (e certamente, neste mundo caído, irá experimentar), não chega perto daquilo que você realmente merece: A ira do Deus Todo-Poderoso que por misericórdia não lhe dá o que você realmente merece e por infinita graça lhe concede a vida eterna.

É este entendimento, aplicado pelo Espírito de Deus, que dará a você a mesma convicção do apóstolo Paulo, que após falar da esperança da ressurreição afirmou:

“Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo o nosso homem interior se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas” (2Co 4.16-18).

Escrevendo aos romanos, após dizer que se padecemos com Cristo, também seremos glorificados com ele, Paulo assevera:

“Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós. [...] Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.18,28).

Portanto, se você professa a Cristo, lembre-se do que você fez por merecer e foi livrado, ao mesmo tempo em que se lembra de que nada fez para merecer a vida eterna e, ainda assim, foi salvo pela graça daquele que não merecia, mas que morreu em seu lugar.

Se você não professa a Cristo, saiba que aqueles que morrem nesta situação, experimentarão a maior das calamidades, a ira do Deus Todo-Poderoso. Como afirmou o puritano Jonathan Edwards, “a terra é o único inferno que os cristãos irão suportar, e o único paraíso que os descrentes irão desfrutar”. Logo, arrependa-se e creia em Jesus Cristo, aquele que concede salvação a homens que nada fizeram para merecê-la.

20 março 2019

Rótulos são importantes

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Imagine que você tenha alergia à lactose e vá a um supermercado comprar um queijo. Chegando lá você pergunta a um funcionário se há tal produto para vender e ele aponta a direção da seção de queijos, afirmando que nela você encontraria o que procura.

Você caminha até lá, é uma seção grande, com muitos queijos, mas para a sua surpresa, não há rótulos em nenhum deles. Você está com muita vontade de comer queijo, mas sabe que por causa da sua alergia, que é grave, pode vir à morrer. Você pegaria qualquer um e levaria, ou deixaria todos para trás, a despeito de sua vontade, por não ter informações claras que demonstrem a você que não há risco?

Rótulos são ignorados por muitas pessoas, mas aqueles que se preocupam com o que estão comprando e consumindo sabem da sua importância.

Dentro da tradição cristã há muitos “rótulos”. Reformado (ou Calvinista), Luterano, Anabatista, Pentecostal, Cessacionista, Integracionista, Amilenista, Dispensacionalista, Dicotomista, Tricotomista, Arminiano, Presbiteriano, Batista, Metodista, etc. Estes, são apenas alguns dos vários “rótulos” que usamos. Infelizmente, ainda que se assuma a importância dos rótulos quando se trata do que alimenta os nossos corpos, muitos não se preocupam com os “rótulos” que identificam as doutrinas que alimentam a alma.

Isso se nota, por exemplo, no discurso daqueles que dizem que a doutrina só serve para dividir e que o que importa, na verdade, é Jesus. É claro que o que importa é Jesus! Pergunte a membros de diversas tradições cristãs se eles concordam com isso e, certamente, a resposta será afirmativa. O problema é que, a despeito disso e de a Escritura ser a mesma para todos, a percepção e o entendimento a respeito do que Deus revelou em sua Palavra é e tem sido diferente no decorrer dos séculos.

Creio ser essa uma das razões de a Confissão de Fé de Westminster afirmar que a “Igreja católica [universal] tem sido ora mais, ora menos visível” – e – “As igrejas particulares [locais], que são membros dela, são mais ou menos puras conforme nelas é, com mais ou menos pureza, ensinado e abraçado o Evangelho, administradas as ordenanças e celebrado o culto público” (CFW XXV.IV).

Perceba! Eu tenho esse entendimento a respeito da Igreja por ser um presbiteriano, subscritor da Confissão de Fé de Westminster, mas ele certamente difere do entendimento de muitos irmãos de outras denominações.

Por que existem presbiterianos, batistas e assembleianos (para ficar só em alguns “rótulos”), senão por percepções diferentes acerca do que a Bíblia ensina sobre o sistema de governo eclesiástico, cessação ou não dos dons, batismo, sobre como se dá a salvação, etc.? Por mais que sejamos irmãos, salvos pelo mesmo Redentor, temos diferenças, fruto de entendimento, certo ou errado, de determinadas doutrinas.

Não pense que isso é uma novidade. O Novo Testamento frequentemente cita dois grupos, ambos de judeus, os fariseus e os saduceus. Uma das diferenças entre eles, apontada pela Bíblia de Estudo ARA, é que “quanto às suas doutrinas, [os saduceus] se apegavam somente à lei mosaica escrita e, para interpretá-la, desprezavam a tradição oral em que se apoiavam os fariseus”. Além disso, os saduceus não criam em ressurreição. Foram eles que questionaram a Jesus sobre quem seria o marido de uma mulher que, por causa da viuvez, havia casado com vários irmãos em cumprimento à lei do levirato (Mt 22.23-33).

Curiosamente, foi exatamente por saber qual era a crença de cada grupo que Paulo provocou uma dissenção entre eles, quando esteve perante ao Sinédrio, composto pelos dois grupos, ao afirmar que estava sendo julgado por causa da esperança na ressurreição dos mortos (At 23.6).

É importante definir aquilo em que se crê e, por causa de entendimentos distintos, é inevitável que se nomeie as linhas de pensamento.  É por causa dessa importância que temos, por exemplo, o Credo dos Apóstolos. Diante de várias heresias, a Igreja precisou afirmar que aquilo em que ela cria diferia dos falsos ensinos.

Um fato curioso, que mostra a importância de definir o que se crê, é a mudança que muitos fazem na cláusula do Credo em que se afirma: “Creio na santa igreja católica”, para “Creio na santa igreja universal”, a fim de não se confundir com a Igreja Católica Apostólica Romana (nesse sentido, acho que atualmente ficou pior, pois a associação pode ser com a Igreja Universal do Reino de Deus).

Foi o entendimento de que é importante definir o que se crê que levou irmãos do passado a escreverem tantas Confissões e catecismos, nos dias da Reforma.

Nós, presbiterianos, temos um corpo doutrinário. Se alguém perguntasse a respeito do que crê (ou deveria crer) um membro da Igreja Presbiteriana do Brasil, a resposta deveria ser óbvia: Um presbiteriano (da IPB) crê nas Escrituras como única regra de fé e de prática e adota como sistema de doutrina e prática a Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster (CI-IPB – Art. 1º). O “rótulo” presbiteriano, implica necessariamente isso.

Infelizmente, fruto de uma época em que as pessoas não querem saber de absolutos, hoje temos presbiterianos pentecostais, que creem em línguas e profecias (eu morro e não vejo o contrário, um assembleiano cessacionista); presbiterianos congregacionais, que acham que o governo da igreja cabe à assembleia; presbiterianos batistas, que não apresentam seus filhos ao batismo infantil, por acharem que eles é que têm de tomar essa decisão em idade apropriada; presbiterianos católico-luteranos, que deixam de lado o princípio regulador do culto e entendem que o fato de não haver proibição na Escritura é motivo para inserir no culto aquilo que o Senhor não ordenou; e muitos outros tantos tipos de presbiterianos que engrossam as fileiras daqueles que dizem: rótulos não são importantes.

Desta forma, ao desprezar os “rótulos”, corremos o risco de ver uma denominação morrer para a sua rica história doutrinária e crendo num evangelho diferente do que criam nossos pais, enquanto afirmam: O importante é Cristo, ao mesmo tempo em que não conseguem definir coerentemente a sua fé.

Tenha preocupação com o que você come, mas, sobretudo, preocupe-se com o que você crê. Leia os rótulos!

13 março 2019

Alegria, resultado da confiança no Senhor

Resultado de imagem para alegria do senhorEm Provérbios 16.20 lemos: “O que atenta para o ensino acha o bem, e o que confia no Senhor, esse é feliz, e o Salmo 33.21 diz: “Nele o nosso coração se alegra, pois confiamos em seu santo nome.”

A Bíblia sempre nos exorta a confiar no Senhor e aponta para a alegria como resultado dessa confiança.

A oração do profeta Habacuque nos traz um exemplo tremendo dessa alegria proporcionada pela confiança no Senhor. Ele diz que ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, mesmo apesar disso ele se alegra no Senhor (Hc 3.18-19).

Que confiança tinha esse Profeta no Deus Altíssimo a ponto de declarar que, apesar dos problemas, continuaria alegre, confiado no Deus provedor.

Precisamos ter em nossas vidas a mesma confiança que tinha o profeta. Como ele, todos passamos por provações e dificuldades, mas, a partir do momento em que colocamos tudo diante do Senhor e confiamos, temos razões para nos alegrar, pois teremos no coração a certeza do cuidado do Senhor.

Habacuque tinha no Senhor o seu amparo, como ele mesmo afirma no versículo seguinte: “O Senhor Deus é a minha fortaleza, e faz os meus pés como os da corça, e me faz andar altaneiramente” (Hc 3.20). Mas de onde vinha esta confiança que o fazia estar alegre, a despeito das tribulações?

Se você olhar para o segundo capítulo do livro, no momento em que Deus responde ao clamor do profeta afirmando que usaria os caldeus a fim de castigar e corrigir o seu povo, mas que depois puniria a arrogância dos caldeus, verá que o Senhor afirmou a Habacuque que diferente do soberbo, cuja alma não é reta nele; “o justo viverá por fé” (2.4).

Conforme escreveu Lloyd-Jones, “a verdade é que há somente duas atitudes possíveis para a vida neste mundo: a da fé e a da incredulidade. Ou vemos nossa vida mediante a crença que temos em Deus, e as conclusões que daí deduzimos, ou nossa perspectiva se baseia numa rejeição de Deus e das negações correspondentes. Podemos ‘afastar-nos’ do caminho da fé em Deus, ou viver pela fé em Deus” (Do temor à fé – Ed. Vida).

Durante todo o Antigo Testamento, aqueles que foram vistos como justos (ou justificados), foram os que creram na promessa do Messias que viria. Eles confiavam que o Senhor cumpriria a sua promessa de redenção. Abrão, por exemplo, “creu no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça” (Gn 15.6).

O texto de Habacuque, citado no Novo Testamento por Paulo, confirma que a fé tinha como alvo o Messias. Na Epístola aos Romanos ele afirma não se envergonhar do evangelho de Cristo, visto que ele é o poder de Deus para salvação do que crê. Ele diz ainda que o evangelho demonstra a justiça de Deus de fé em fé e termina com Habacuque, “como está escrito: O justo viverá por fé” (Rm 1.17).

Ao escrever aos Gálatas, ele cita este versículo após dizer que ninguém é justificado (tornado justo) por Deus mediante a lei, mas pela fé. É a fé, a confiança em Cristo Jesus, que produz alegria verdadeira.

Não pode ser diferente! Jesus ensinou a seus discípulos que ele é a videira e seus discípulos os ramos, logo, “quem permanece em mim [em Jesus], e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). Ele enviou o seu Espírito que habita em nós, cujo fruto será evidenciado à medida em que crescemos em comunhão com o nosso Redentor. Você lembra qual é o fruto do Espírito? “É: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gl 5.22). A alegria verdadeira é fruto (resultado) do Espírito que habita naqueles que confiam no Redentor Jesus Cristo.

Esta confiança em Cristo foi o motivo de Paulo afirmar que aprendeu a viver contente em toda e qualquer tribulação (Fp 4.11), fez com que os leitores de Pedro, crendo, exultassem com alegria indizível (1Pe 1.8) e levou Tiago a escrever aos irmãos que tivessem por motivo de toda alegria o passar por várias provações, visto que elas tem por fim torná-los como ele, “perfeitos e íntegros, em nada deficientes” (Tg 1.1-4).

Creio que os exemplos bíblicos já bastariam. Mas há pessoas que teimam em não crer no que diz a Escritura, por isso cito ainda uma história mais recente, passada no século XIX.

Um homem chamado Horatio Gates Spafford, depois de saber da morte de suas filhas numa tragédia, em meio à dor da perda escreveu um hino em que dizia já na primeira estrofe: “Quando a paz como um rio, atravessa o meu caminho; Quando tristezas como as ondas do mar me inundam; Seja o que for minha porção, Tu me ensinas que tudo está bem com a minha alma”.

Certamente você conhece este hino, que em nosso hinário está assim: “Se paz a mais doce me deres gozar, se dor a mais forte sofrer, oh seja o que for, tu me fazes saber, que feliz com Jesus sempre sou! Sou feliz com Jesus, sou feliz com Jesus meu Senhor.” (Hino 108 – NC).

Ao entoar este belo hino, lembre-se de tudo o que a Escritura ensina a respeito de como podemos ter a verdadeira alegria, mesmo em meio à tribulações. Ela só pode ser experimentada por aqueles que confiam plenamente em Jesus.

08 março 2019

Cuidado com a hipocrisia

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Por mais que eu não seja de ficar escrevendo sobre política a todo tempo, não é segredo (creio eu) a minha posição à respeito da ideologia esquerdista. Não tenho a menor dúvida de que ela é anti-bíblica e que um cristão, se quiser ser coerente, não pode esposá-la. Por outro lado, escrevi em setembro do ano passado que via com muita preocupação a esperança praticamente messiânica que muitos estavam depositando no, então, candidato Bolsonaro.

Apesar de o voto ser secreto, também não é segredo (e seria fácil deduzir a partir da minha posição à respeito da esquerda) que votei no presidente Bolsonaro por quem oro rogando a Deus que ele faça um bom governo. Dito isso, continuo bastante preocupado com a forma com que muitos crentes têm tratado tudo o que que é feito pelo presidente.

Nesta última semana, por ocasião do carnaval, foi postado pelo presidente em uma rede social um vídeo terrível em que dois homens praticavam atos imorais. Junto com o vídeo ele afirmava que, mesmo não se sentindo confortável, era preciso expor a verdade para a população ter conhecimento do que tem se tornado muitos blocos de rua do carnaval, além de pedir para os seguidores comentarem e tirarem conclusões.

Primeiramente é preciso dizer que algo impressionante aconteceu. Os grupos de esquerda, que sempre defenderam esse tipo de “manifestação artística”, segundo eles, começaram a acusar o presidente de postar pornografia, afirmando que ele quebrou o decoro e já há até quem fale em pedir o impeachment. A hipocrisia desses grupos está mais do que escancarada.

Entretanto, cristãos precisam ter muito cuidado para não incorrer também em hipocrisia ao juntar-se àqueles que não viram nada de mais no que foi feito pelo presidente. Tenho visto cristãos defendendo a sua postura e estilo, pois afinal de contas, não dá para cobrar dele que haja como um crente, pois ele não é. Isso tem soado para mim da seguinte maneira: Nós não podemos postar este tipo de vídeo, mas ele pode e foi bom ter feito para mostrar quão hipócritas são os esquerdistas.

Creio que os cristãos precisam estar muito atentos para não transformarem o presidente em um ídolo, vendo nele a esperança do país e, por isso, tentando blindá-lo de quaisquer críticas.

Será que é mesmo preciso mostrar um vídeo pornográfico para expor a pornografia do carnaval? Vou além. Será que a população brasileira não tem ideia do que é o carnaval, sendo necessário que o presidente da república publique um vídeo para alertá-los? Irmãos, a internet está cheia desses vídeos, não sendo isso segredo para ninguém. A única novidade em todo esse episódio foi a esquerda assumir um tom conservador a fim de tentar atacar o nosso governante.

Talvez alguém pense: Mas foi bom exatamente para mostrar isso! Só por conta disso, já valeu o vídeo.

É preciso, então, lembrar o que afirmou Paulo aos Efésios:

“Entre vocês não deve haver nem sequer menção de imoralidade sexual nem de qualquer espécie de impureza nem de cobiça; pois estas coisas não são próprias para os santos. Não haja obscenidade nem conversas tolas, nem gracejos imorais, que são inconvenientes [...] Porque aquilo que eles fazem em oculto, até mencionar é vergonhoso (Ef 5.3,4,12).

Outro dirá agora: Mas é exatamente isso! Nós não podemos fazer, somos crentes! Mas não podemos esperar um comportamento cristão de um presidente incrédulo.

Isso me faz lembrar a hipocrisia dos judeus relatada no evangelho de João. Jesus havia sido preso e foi levado da casa de Caifás para o pretório. O texto informa que os judeus não entraram no pretório, pois estariam contaminados e impedidos de comerem a Páscoa. Repare que ao mesmo tempo em que se preocupam com a purificação, tramam o assassinato do Messias. Pilatos pergunta acerca da acusação contra Jesus e eles respondem que “se este [Jesus] não fosse malfeitor, não to entregaríamos” (Jo 18.28-30).

Quando Pilatos diz para eles tomarem a Jesus e julgarem conforme a sua lei, a hipocrisia fica escancarada. Eles respondem: “a nós não nos é lícito matar ninguém” (Jo 18.31). Ainda que eles tenham dito, nós não podemos matar, mas você, Pilatos, pode, quando Pedro prega aos judeus e trata da morte do Messias ele é enfático: “sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos” (At 2.23).

Deus, em sua providência, usou o pecado de Pilatos e dos judeus a fim de cumprir o seu plano de redimir os seus, por meio da morte de seu Filho, mas o pecado de Pilatos continuou sendo pecado e mais, a entrega de Jesus e o assentimento com a sua morte, também foi pecado, sendo os judeus acusados de assassinos, ainda que usando a mão de Pilatos.

O fato de Deus ter usado o pecado do presidente para expor o pecado dos esquerdistas não torna o seu pecado menos odioso, daí não poder ser motivo de alegria para aqueles que amam o Senhor. Cristãos que assentem com o feito do presidente podem, então, ser acusados de não dar ouvidos à exortação de Paulo aos efésios, ainda que não tenham sido eles, diretamente, os que “mencionaram a imoralidade”.

A Igreja precisa continuar a orar pelo presidente, deve continuar sendo grata a Deus por nos livrar de um governo socialista, mas precisa ser a primeira a reprovar as obras más, no caso, a divulgação daquilo que “até mencionar é vergonhoso” (Ef 5.12).

Que Deus abençoe o presidente a fim de que tome atitudes concretas para que imoralidades como essas não sejam promovidas com dinheiro público e que sejam punidas, por desrespeitar aqueles que acabam por testemunhá-las.

28 fevereiro 2019

A importância da teologia no aconselhamento


Certa vez, alguns dias após uma aula que ministrei em um treinamento de aconselhamento bíblico, fui indagado por um irmão a respeito de uma afirmação que eu havia feito na classe. Eu havia ensinado que incorremos em idolatria todas as vezes que pecamos para conseguir o que queremos ou quando pecamos porque não conseguimos o que queremos. Essas atitudes (pecados) deixariam claro que o coração está sendo governado por um (ou mais) ídolo(s) e não pelo Senhor.

Para exemplificar, falei sobre a história de Jacó. Desde que viu a Raquel pela primeira vez ele havia se apaixonado e trabalhou sete anos para o seu sogro, a fim de casar com a moça. Labão, aproveitando-se da situação, conduziu a filha mais velha, Lia, para o casamento e eles coabitaram, fato que só foi notado por Jacó no dia seguinte, pela manhã. Jacó, que já estava casado, topou trabalhar mais sete anos e casou-se também com Raquel, estabelecendo uma bigamia e incorrendo em adultério, o que é pecado (Gn 29.1-30). Com isso, eu disse que podíamos perceber que o amor de Jacó por Raquel dominava o seu coração e ele agia em função disso e não segundo a Lei do Senhor.

A indagação foi, então, a respeito da minha afirmação de que Jacó havia adulterado. O irmão entendia que não havia adultério naquela relação, pois era um período pré lei e aquele casamento era legítimo na cultura em que vivia Jacó. Minha resposta foi que tudo dependeria da forma como se compreende o Pacto de Deus com o homem e que a afirmação dele tinha como pressuposto a ideia de que antes do Sinai não havia ainda os dez mandamentos, incluindo o sétimo, não adulterarás.

Antes de explicar o que está por trás da minha afirmação, preciso mencionar algo importante. Muitas pessoas, ao pensar em aconselhamento bíblico, entendem que ele consiste apenas em atirar alguns versículos isolados, geralmente fora do contexto, na cabeça das pessoas e as exortarem a se adequar ao que o texto está dizendo. Daí entenderem que é necessário o encaminhamento a profissionais, especialistas no cuidado da alma, que estudaram e sabem do que estão falando. Entretanto, como afima Kellemen,

“quando pessoas [...] pedem ajuda e esperança, a igreja não tem que se sentir inferior e encaminhá-las a ‘especialistas de fora’. Nós não temos de borrifar uns poucos princípios cristãos à sabedoria mundana. Nós não temos que seguir a rasa abordagem de concordância de um problema, um versículo, uma resposta[1].

Longe disso! Em vez disso, John Babler aponta o caminho correto:

“Adquirir uma perspectiva bíblica equipa o conselheiro para a tarefa de corrigir o que foi arruinado pela busca pecaminosa de uma sabedoria inadequada. O conselheiro deve trabalhar diligentemente na exegese e na compreensão das Escrituras. À medida que as Escrituras revelam o caráter de Cristo, homens e mulheres podem conhecer a Deus. Uma pessoa nunca mais será a mesma depois de ter conhecido a Deus”[2].

Conselheiros precisam estudar teologia, pois o conselho de Deus emana da sã doutrina expressa nas páginas da Escritura Sagada que, nas palavras de Paulo, “é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16-17). “O uso superficial, não-teológico da Bíblia confunde e desencoraja os consulentes (assim como representam mal Deus pela má compreensão do ensino da Bíblia)”[3].

Volto, então, à minha afirmação a respeito do adultério de Jacó. Como pastor presbiteriano, subscrevo as Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamento como única regra de fé e prática, bem como a Confissão de Westminster e seus Catecismos Maior e Breve como sistema expositivo de doutrina. Este é meu norte teológico.

Como afirmei ao irmão que me indagou, esta é uma questão diretamente ligada à doutrina do Pacto. Creio que Deus estabeleceu com Adão, e nele com sua posteridade, o que é chamado de Pacto de Obras em que a vida lhe foi prometida “sob a condição de perfeita obediência pessoal” (CFW VII.II). Onde estava o padrão para a obediência de Adão? O Catecismo Maior responde na “Pergunta 92. O que Deus revelou primeiramente ao homens como regra de sua obediência? Resposta: A regra de obediência revelada a Adão, no estado de inocência, e a todo gênero humano nele, além do mandamento especial de não comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, foi a lei moral”. Para não restar dúvidas de que o ensino confessional aponta para a Lei já presente no Éden, basta olhar para a resposta à “Pergunta 98. Onde se acha a lei moral resumidamente compreendida? Resposta: A lei moral acha-se resumidamente compreendida nos Dez Mandamentos, que foram dados pela voz de Deus no monte Sinai [...]”.

Talvez aqui, aqueles que não estão acostumados com o ensino da Confissão de Fé de Westminster perguntem: E onde está isso na Bíblia? Pergunta importante que, creio eu, seja fácil de responder.

Ao criar o homem o Senhor o fez segundo a sua própria imagem e semelhança (Gn 1.26-28). Isso significa que o homem foi criado santo, como Deus é Santo. Sendo a Lei a expressão do caráter de Deus ela também não poderia ser outra coisa, senão o que afirma Paulo: “Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo, e justo, e bom (Rm 7.12). Nesta mesma epístola aos romanos Paulo afirma que “quando os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada no coração (Rm 2.13-14). Ou seja, ainda que Paulo esteja tratando do cumprimento externo da lei, ele afirma que a norma da lei está gravada no coração do homem e isso decorre de, mesmo caído, ele ainda ser imagem e semelhança de Deus.

Nos Dez Mandamentos temos a expressão da Lei após o pecado, que consiste em mostrar ao homem qual é o padrão estabelecido no início à Adão. Tome como exemplo o sexto mandamento, não matarás. Onde você o encontra no Éden? Ele pode ser visto de forma positiva na ordem dada ao homem para que trabalhasse no Jardim. Como você pode ter certeza disso? Basta olhar a aplicação que Paulo faz do mandamento para uma vida de santidade, ao afirmar: Aquele que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado” (Ef 4.28). O que você pode perceber é que para cumprir o sexto mandamento não basta deixar de roubar. O contrário de roubar não é deixar de roubar, mas trabalhar e doar. O mandamento é dado de forma negativa no Sinai, porque deixou de ser praticado de forma positiva, em decorrência da queda do homem.

Com respeito ao adultério, a Lei está da mesma forma presente no Éden, por ocasião da criação. Deus faz um homem para uma mulher. Aqui está o estabelecimento do casamento heterossexual, monogâmico e perene. Qualquer atitude fora desse padrão constitui-se pecado, mesmo antes do Sinai. Atente à narrativa de Gênesis e você perceberá que a primeira quebra do casamento monogâmico acontece com Lameque, um descendente de Caim que se orgulha de ser pior que seu antepassado (Gn 4.19-24). É interessante notar que quando os fariseus questionam a Jesus a respeito do divórcio por qualquer razão, curiosamente a Lei citada por Jesus não foi a dada por Moisés no Sinai, mas a que foi dada por ocasião da criação: "Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne?" (Mt 19.4.5, cf Gn2.24).

Avance na leitura de Gênesis e veja o que aconteceu nos dias de Noé. Por causa da maldade que aumentou ao extremo o Senhor resolveu dar cabo de toda carne, mas preservou, pela graça, a Noé e sua família. Após sair da Arca, Deus restabeleceu o Pacto com Noé e ele ouviu as mesmas palavras que Adão ouvira na criação, “sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra” (Gn 9.1). Não é estranho, então, o fato de Deus ter preservado um homem que tinha um casamento conforme a lei dada na criação, ou seja, que tinha somente uma esposa, a despeito de a poligamia já ser algo comum nos tempos de Noé.

Sabemos que, culturalmente, a bigamia era praticada nos tempos do Antigo Testamento, mas isso não prova que ela era permitida, antes, aponta para o fato inconteste de que os homens quebram a Lei do Senhor desde a queda de Adão. Isso fica ainda mais claro quando Jesus afirma que o simples olhar de forma impura para uma mulher já é quebra do sétimo mandamento. Daí os mandamentos dados no Sinai apontarem para o padrão estabelecido por ocasião da criação, no Pacto feito com Adão e seus descendentes.

Quando um conselheiro está diante de um caso de adultério, ele não pode simplesmente dizer: pare de adulterar! Junto com isso ele precisa demonstrar o padrão estabelecido por Deus, em acordo com o seu caráter Santo e a impossibilidade de o homem, sem Cristo, se adequar a esse padrão. Desta forma, o aconselhado será direcionado ao Senhor Jesus Cristo, o único que cumpriu perfeitamente a todos os mandamentos. Esta é a beleza expressa na doutrina do segundo Pacto, o Pacto da graça, que conforme o ensino do Catecismo Maior “foi feito com Cristo, como o segundo Adão; e nele, com todos os eleitos, como sua semente” (Pergunta 31).

Foi esta graça que alcançou a Noé e o capacitou a adequar-se ao mandamento de não adulterar. Seus aconselhados precisam entender que esta graça está disponível a todos os que creem em Cristo, pois como ensina a pergunta 32 do Catecismo Maior,

“a graça de Deus é manifestada no segundo pacto em ele, livremente, prover e oferecer aos pecadores um Mediador e a vida e a salvação por ele; exigindo a fé como condição de interessa-los nele, promete e dá o Espírito santo a todos os seus eleitos, para neles operar essa fé, com todas as demais graças salvadoras, e para os habilitar a praticar toda a santa obediência, como evidência da sinceridade da sua fé e gratidão para com Deus, e como o caminho que Deus lhes designou para a salvação”.

Meus irmãos, não se aventurem a aconselhar uns aos outros sem antes dedicar-se a um estudo sério da Palavra de Deus. Não seja um salpicador de versículos, mas alguém que busca compreender os textos dentro de seus devidos contextos a fim de aplica-los com sabedoria às circunstâncias enfrentadas por aqueles que sofrem e que pedem ajuda. Aconselhamento bíblico implica conhecimento teológico. Procure, então, “apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2Tm 2.15).


[1] Robert Kellemen. Aconselhamento segundo o Evangelho. p. 41 – Ed. Cultura Cristã

[2] Jonn Babler (editor). Fundamentos teológicos do aconselhamento bíblico. p. 98 – Ed. Nutra

[3] Jay Adams. Teologia do aconselhamento cristão. p. 30 – Ed. Peregrino

16 fevereiro 2019

Deus ouve a oração de um ímpio?

Esta questão surgiu dia desses em um grupo de discussões de nossa igreja quando um irmão nos deu a conhecer uma posição que defende que em virtude da graça comum, manifestada igualmente a crentes e não crentes, o Senhor ouve sim a oração de um ímpio, sendo a oração de Cornélio, no livro de Atos, uma demonstração disso.

O assunto é importante e precisa ser bem entendido, sobretudo, para nós presbiterianos, por uma perspectiva confessional. Deus ouve mesmo a oração de alguém que não o tema?

Olhemos primeiro para a resposta à pergunta 178 do Catecismo Maior de Westminster: “O que é oração? Resposta: Oração é um oferecimento de nossos desejos a Deus, em nome de Cristo e com o auxílio do seu Espírito, e com a confissão de nossos pecados e um grato reconhecimento de suas misericórdias” (destaque meu). Aqui já está clara a impossibilidade de se achegar a Deus sem um Mediador, que sabemos pela Escritura ser o Senhor Jesus Cristo, como afirmou Paulo a Timóteo: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1Tm 2.5).

É isto que está também na pergunta 181, onde a questão é o porquê da necessidade de se orar em nome de Cristo, tendo como resposta o fato de que “o homem, em razão do seu pecado, ficou tão afastado de Deus que ele não se pode chegar sem ter um Mediador” – e enfatizando – “e não havendo ninguém, no céu ou na terra, constituído e preparado para esta gloriosa obra, senão Cristo unicamente, o nome dele é o único por meio do qual devemos orar”.

Temos um pouco mais na pergunta 154, “quais são os meios exteriores pelos quais Cristo nos comunica os benefícios de sua mediação?”. O ponto aqui são as bênçãos que temos por sermos representados por Cristo e a resposta é clara: “Os meios exteriores e ordinários, pelos quais Cristo comunica à sua Igreja os benefícios de sua mediação, são todas as suas ordenanças, especialmente a Palavra, os Sacramentos e a Oração; todas essas ordenanças se tornam eficazes aos eleitos em sua salvação”.

Para corroborar, veja a resposta à pergunta 117, “Como devemos orar, para que a oração seja agradável a Deus e ele nos ouça?” de outro Catecismo reformado, o Catecismo de Heidelberg: “Primeiro: devemos invocar, de todo o coração, o único e verdadeiro Deus, que se revelou a nós em sua palavra, e orar por tudo o que Ele nos ordenou pedir. Segundo: devemos muito bem conhecer nossa necessidade e miséria, a fim de nos humilharmos perante sua majestade. Terceiro: devemos ter a plena certeza de que Deus, apesar de nossa indignidade, quer atender à nossa oração, por causa de Cristo, como Ele prometeu em sua Palavra”.

Diante disso, parece estar claro que o ensino confessional aponta para a impossibilidade de um ímpio ser ouvido por Deus em sua oração. Mas de nada adianta o ensino confessional ser este, se for correto o entendimento de que o ímpio Cornélio tenha sido atendido por Deus, sendo esta a prova de que por causa da graça comum Deus ouviria um descrente.

Vamos olhar para o texto de Atos para ver se as coisas são de fato assim, mas já afirmo de antemão que se Deus, por causa da chamada graça comum, ouviu a oração de um ímpio, segue-se que há possibilidade de se achegar a ele sem o Mediador Jesus Cristo. Pense! Sem o Mediador, um ímpio orou e foi atendido pelo Senhor. Será que é isto que temos na história de Cornélio?

É claro e verdadeiro que Cornélio não conhecia a Jesus. A prova disso é que Pedro é enviado por Deus para pregar a ele, após ter o seu coração tratado para ir ver um gentio, já que os judeus os viam como impuros. A despeito disso, Lucas começa a narrativa afirmando que “morava em Cesaréia um homem de nome Cornélio, centurião da coorte chamada Italiana, piedoso e temente a Deus com toda a sua casa e que fazia muitas esmolas ao povo e, de contínuo, orava a Deus” (At 10.1-2). Perceba que o texto não descreve Cornélio como um ímpio que clamou a Deus em um tempo de aflição, mas como um homem piedoso que de contínuo orava a Deus. Além disso, em sua visão o anjo lhe disse: “As tuas orações e as tuas esmolas subiram para memória diante de Deus” (10.4).

Cornélio, notadamente, não era um ímpio, mas ele também não conhecia a Jesus, como já afirmei anteriormente. Como pode ser isso?, você pode perguntar. É preciso, então, mais uma vez, lembrar do nosso ensino confessional: Jesus Cristo é o Mediador do pacto da graça! Ao tratar do Pacto, temos na pergunta 33 do Catecismo Maior: “Foi o pacto da graça sempre administrado de uma maneira?”, a seguinte resposta: “O pacto da graça não foi administrado da mesma maneira; mas as suas administrações no Velho Testamento eram diferentes das debaixo do Novo”.

“O pacto da graça foi administrado no Velho Testamento por promessas, profecias, sacrifícios, pela circuncisão, pela páscoa e por outros símbolos e ordenanças, todos os quais tipificaram o Cristo, que havia de vir e eram naquele tempo suficientes para edificar os eleitos na fé do Messias prometido, por quem tiveram, ainda nesse tempo, a plena remissão do pecado e a salvação eterna.” (resposta à pergunta 34 do CMW).

Cornélio era um homem temente a Deus, pois já havia conhecido a fé dos judeus e, ainda que não fosse circuncidado, possivelmente frequentava a sinagoga, guardava as leis e as dietas alimentares dos judeus (conforme comentário de Atos – Kistemaker). Ou seja, Cornélio era um crente nos moldes do Velho Testamento, que cria na vinda do Messias. Quando Jesus foi apresentado a ele como sendo o Messias, ele logo creu! Deus não ouviu a oração de um ímpio, mas a oração mediada pelo Senhor Jesus Cristo.

A prova disso foi o anjo ter-lhe dito que suas obras subiram até Deus. Mais uma vez, lembro nosso ensino confessional, agora sobre as boas obras: “Estas boas obras, feitas em obediência aos mandamentos de Deus, são o fruto e as evidências de uma fé viva e verdadeira” (CFW XVI.II), “sendo aceitas por meio de Cristo as pessoas dos crentes, também são aceitas nele as boas obras deles, não como se fossem, nesta vida, inteiramente puras e irrepreensíveis à vista de Deus, mas porque Deus considerando-as em seu Filho, é servido aceitar e recompensar aquilo que é sincero, embora seja acompanhado de muitas fraquezas e imperfeições” (CFW XVI.VI).

Deus não ouve a oração de ímpios, pois como afirmou Salomão, “o que desvia os ouvidos de ouvir a lei, até a sua oração será abominável (Pv 28.9). Isso deve levar você a louvar e agradecer a Deus por ser aceito por ele por causa do Redentor amado, Jesus Cristo e também a proclamá-lo àqueles que ainda não o conhecem na esperança de que, pela ação do Espírito Santo, eles se convertam e também sejam aceitos e ouvidos pelo Pai.

12 fevereiro 2019

Entendimento, raiz das ações e sentimentos

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João Batista apareceu pregando arrependimento e batizando no Jordão, para onde afluíam muitos a fim de serem batizados por ele. Sua pregação era dura para com aqueles que iam ter com ele. João exortava, chamando-os de raça de víboras, afirmando que o fato de serem batizados não os livraria da ira vindoura, visto que eles não produziam frutos de arrependimento (Mt 3.1-9).

Suas ações estavam pautadas na certeza, por meio das Escrituras no Antigo Testamento, de que ele era aquele que viria à frente do Messias, preparando-lhe o caminho. Ao vir, o Messias derramaria o seu juízo, como ele afirma: “Já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo” (Mt 3.10). O Messias, dizia João Batista, batizaria com o Espírito Santo e com fogo. “A sua pá, ele a tem na mão e limpará completamente a sua eira; recolherá o seu trigo no celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível” (Mt 3.10-12). Quando João viu a Jesus, afirmou: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29).

Todas as ações e sentimentos de João Batista tinham como raiz o seu entendimento daquilo que ele lia nos profetas. Sua convicção norteava a sua vida.

Não somente ele, mas também os demais judeus pensavam que na vinda do Messias o reino de Israel seria restaurado. Este entendimento fez com que os discípulos Tiago e João pedissem a Jesus para se assentarem, um à direita, outro à esquerda, quando ele estivesse em sua glória (Mc 10.35-37).

Acontece que, diferente do que eles esperavam, as coisas estavam acontecendo de outro modo. João Batista foi preso injustamente e isso abalou o seu entendimento acerca do Messias. A pergunta que ele mandou seus discípulos fazerem a Jesus deixa isso claro: “És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?” (Mt 11.2-3). De igual forma, os discípulos, após a crucificação do Senhor, estavam tristes e sem esperança. O relato acerca dos discípulos no caminho de Emaús demonstra claramente esta verdade (Lc 24.13-24).

Tanto a dúvida de João Batista como a tristeza dos discípulos de Emaús têm sua raiz no que eles estão entendendo naquele momento: Jesus não é o Messias, estávamos enganados. Era este falso entendimento que governava os seus corações, levando-os a agir e a pensar de forma errada.

Provérbios 23.6-7 adverte a não comer o pão do invejoso, “porque como imagina em sua alma, assim ele é”. A ideia é que o entendimento que o invejoso tem da situação em seu coração leva-o a agir de determinada maneira, daí o texto continuar dizendo: “ele te diz: Come e bebe; mas o seu coração não está contigo” ou, como traduz a NAA, “mas não está sendo sincero”. O que você entende a respeito de Deus determinará a forma como você olhará para a vida. O invejoso é aquele que quebra o 10º mandamento, ele cobiça, pois não confia no Deus que cuida dele.

Assim é também comigo e com você. Todas as nossas tristezas, ansiedades, ações erradas, são fruto de expectativas erradas. Expectativas erradas são fruto do desconhecimento ou do entendimento errado das verdades da Escritura Sagrada.

As igrejas estão repletas de crentes frustrados com a vida, pois esperavam que em Cristo seus problemas acabariam e isso não aconteceu. Aqueles que abraçam, por exemplo, a teologia da prosperidade, que ensina que crentes não adoecem, não têm problemas financeiros, nem passam por aflições, fatalmente irão se decepcionar em algum momento de sua caminhada.

É preciso, com o auxílio do Espírito do Senhor, estudar para conhecer corretamente a Palavra do Senhor. É ela que santifica a nossa vida, pensamentos e ações. Aqueles que estão em crise precisam ser reorientados a fim de olhar a vida pela perspectiva do Senhor. Foi isso que Jesus fez com João Batista e com os discípulos do caminho de Emaús.

Após ouvir a pergunta de João, Jesus respondeu: “Ide e anunciai a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho. E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (Mt 11.4-6). Por que Jesus responde desta maneira? Se você olhar os textos de Isaías 29.18-19; 35.5-6; 26.19 e 61.1, verá que estava profetizado que o Messias faria tudo isso. Era como se Jesus estivesse dizendo: Não se preocupe, você não está enganado a respeito de mim. Tudo o que eu faço está registrado nos profetas. Viria ainda o dia do juízo, mas antes, o Senhor precisava redimir o seu povo. Aos discípulos de Emaús o Senhor explicou tudo o que os profetas disseram a respeito de sua morte e ressurreição (Lc 24.25-27). Aos discípulos, que mesmo após a ressurreição insistiam em querer saber acerca da restauração do reino, Jesus afirmou que não lhes competia saber a respeito de tempos e épocas, mas que eles receberiam o poder do Espírito Santo, tal qual profetizou Joel (At 1.6-8; Jl 2.28-32).

O que precisamos a fim de pensar e agir corretamente é entender de forma correta aquilo que o Senhor nos revelou. Temos o Espírito Santo, Mestre por excelência, que nos ilumina e nos conduz à verdade.

Quanto mais você conhecer o seu Senhor, menos expectativas falsas terá. Quanto menos expectativas falsas, menos ações erradas, menos emoções pecaminosas. Você aprenderá, dia a dia, a responder às circunstâncias de forma piedosa, honrando aquele que está, soberanamente, no controle de todas as coisas, incluindo o que ocorre em sua vida.

07 fevereiro 2019

O jesus “Geninho”

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No início da minha adolescência um dos desenhos animados que começaram a fazer sucesso foi She-Ra: A Princesa do Poder. A lembrança aqui é somente para destacar um dos personagens do desenho chamado, Geninho.

No final do primeiro episódio ele apareceu se apresentando mais ou menos assim: “Oi, eu sou o Geninho, descobriu onde eu estava hoje? Se não, tente outra vez”. Daí voltava uma das cenas do desenho e podia-se perceber que o Geninho estava escondido atrás de alguma árvore ou de algo que compunha a cena. Após se revelar, ele fazia um tipo de aplicação moral para as crianças. Uma das que me recordei, acessando o YouTube, é assim: “Na história de hoje o Troll teve um sonho. Quando penso em sonhos, penso logo em dormir. Da próxima vez que seus pais mandarem você dormir, lembre-se de que uma boa noite de sono é uma parte muito importante para manter a sua saúde. Tenha bons sonhos!”

Isso chamou a atenção das crianças na época, não pelos conselhos em si, mas pelo desafio de se achar o Geninho. Onde ele estará hoje? Quem conseguirá descobrir? Assim, a graça era tentar achar o personagem primeiro que os amigos que assistiam junto. Entretanto, preciso destacar algo aqui: Geralmente suas lições morais no fim do desenho eram totalmente desconectadas da história em si, como no caso citado acima onde uma cena de um Troll sonhando serviu de pretexto para uma lição (diga-se de passagem, correta) sobre a importância do sono para as crianças. Além disso, por mais que o Geninho aparecesse em todos os episódios, sua participação era irrelevante para a trama. Ele não ajudava ninguém, não interagia com ninguém, não dava dicas. Nada. Sua função era totalmente nula. Estando ou não ali, não fazia a menor diferença.

A esta altura alguns já devem ter entendido a razão de eu ter me referido no título ao jesus Geninho, mas vou ser direto. Ouvi dia desses mais um sermão que se enquadra exatamente nessa descrição. O texto foi lido, princípios morais foram extraídos da história e somente no final Jesus apareceu em umas três sentenças. Entretanto, se ele não tivesse sido sequer mencionado, não teria feito diferença alguma no sermão. Sua obra, que possibilitou redenção e vida, a fim de que pecadores imperfeitos possam viver de forma piedosa, não foi destacada, a glória devida ao seu nome, motivo pelo qual os princípios morais devem ser aplicados e vividos pelos crentes, não foi enfatizada, e sua presença nos crentes, que os capacita a viver desta maneira, não foi mencionada.

Assim é o jesus Geninho, ele até dá as caras, geralmente no fim do sermão, mas não passa de um personagem irrelevante, pois no decorrer do sermão, quem age, principalmente, é o homem com a finalidade de viver uma vida melhor, menos pesada, sem ressentimentos. Entretanto, um sermão que não enfatiza a Cristo e não dá a ele toda a glória não é sermão. Assemelha-se mais à uma palestra motivacional, dessas que são recheadas de frases de impacto e que estão na boca de qualquer coaching.

Cristãos precisam ouvir e conhecer acerca do seu Redentor. Os dilemas humanos, vividos por irmãos nossos do passado, e suas atitudes corretas diante de circunstâncias adversas não estão ali para mostrar que eles eram bons, mas o quanto a obra de Cristo os capacitou a honrar a Deus com suas atitudes. O resultado foi uma vida satisfeita, que só pode ser vivida de forma plena se os olhos estiverem no Salvador. É isso que você pode perceber em Paulo quando ele afirma: “Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação [...] tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11,13).

Jesus reprovou os religiosos judeus porque eles examinavam as Escrituras achando que encontrariam nelas a vida eterna, mas não queriam ir à ele, aquele de quem as Escrituras testificavam, a fim de ter vida (Jo 5.39-40). Pregadores precisam cuidar para não ensinar ao povo a fazer de forma semelhante, enfatizando os princípios a serem vividos, sem ensinar aos irmãos a impossibilidade de vivê-los plenamente sem Jesus Cristo que foi claro quando afirmou aos seus discípulos: “Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer (Jo 15.5).

Toda a Escritura trata de Cristo, logo, ele precisa se visto na exposição do texto sagrado. Quando Jesus encontrou os discípulos tristes e preocupados no caminho de Emaús, perguntou-lhes a razão de estarem assim. Eles responderam que era por causa do que tinha acontecido a Jesus, o Nazareno. Eles esperavam que ele fosse o Messias, mas agora tinha sido morto pelas autoridades. Mesmo com a notícia de que as mulheres tinham ido ao túmulo e recebido do anjo a notícia de que ele vivia, a tristeza permanecia.

A partir daí, algo é muito interessante na narrativa. Jesus estava diante deles, mas não diz: Estou aqui, podem acreditar nesta notícia! Não, o Senhor primeiramente os repreende por causa de sua incredulidade. Eles não criam no que os profetas disseram a respeito de sua morte e ressurreição. A seguir, o texto diz que “começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras (Lc 24.27). Isto não é curioso? Jesus busca trazer paz ao coração dos discípulos levando-os a vê-lo por meio das Escrituras.

O Jesus da Escritura está ali o tempo todo. Não irrelevante como o Geninho, mas atuando na história para redimir, restaurar, capacitar, instruir e tudo mais que seus irmãos adotivos precisarem para viver para a glória de Deus. É por isso que ele tem de ser claramente anunciado. Somente ele capacita os crentes a terem uma vida abundante, vivendo os princípios dados por Deus em sua Palavra.

02 fevereiro 2019

Faça certo pelos motivos certos

Resultado de imagem para crossTerminados os meus dias de férias eu estava pensando em um tema para o primeiro texto a ser escrito este ano e na lida diária com meus filhos, mais uma vez, o assunto das motivações do coração veio à tona. Calvino foi preciso quando afirmou que o coração do homem é uma perpétua fábrica de ídolos!

Acordamos e logo pela manhã havia algumas tarefas a serem feitas. Minha filha deveria arrumar a cama e meu filho ajudaria a mãe colocando os calçados que foram limpos na sapateira. Enquanto isso, conversando com minha esposa, mencionei que os deixaria assistir a um filme que eles estavam pedindo há dias. Minha esposa pediu que eu ligasse a TV somente depois que o mais novo terminasse a sua tarefa. A essa altura minha mais velha já estava no sofá, lendo um gibi.

Quando eu disse que eles iriam assistir o filme após o término da tarefa, mais que rapidamente minha menina disse: “Vou ajudar meu irmão!”, e levantou-se correndo para fazê-lo. Eis que surge, então, uma oportunidade de fazer o que ordenou o Senhor em Deuteronômio, inculcar aos filhos a Palavra, falando enquanto se está “assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te” (Dt 6.7).

Comecei falando à minha filha que ajudar o irmão era uma coisa muito boa. É importante demonstrar que problema não é necessariamente o que é feito, mas a razão para fazer o que se faz. Pais precisam ter o devido cuidado a fim de não desanimarem os filhos, somente mostrando que tudo o que fazem está errado, mas após falar que a ação foi boa, era hora de instruir o coração.

Perguntei o porquê de ela ter ido ajudar o irmão tão entusiasmada e rapidamente. A resposta não poderia ser outra: “porque quero assistir logo o filme!”. Tornei a perguntar se esta seria a razão certa para ajudar o irmão e ela logo fez uma carinha triste, entendendo o problema. Eu disse, então, que era preciso fazer coisas certas pela razão certa.

Meu objetivo com isso é um só. Ensinar a minha filha que é preciso amar a Deus e ao próximo, quando nos dispomos a fazer algo por outros. A glória de Deus, primeiramente, e o bem do outro, precisam ser os motivadores para as atitudes. Naquele momento, apesar de fazer algo bom e certo, ela agia motivada apenas pelo seu desejo de assistir ao filme. Possivelmente, se não houvesse um filme na história, ela continuaria assentada no sofá, lendo o seu gibi.

É claro que tudo isso também precisa ser dito a respeito de nós, pais. Ao ver as crianças fazendo o que é certo, ainda que somente externamente, é tentador querer usar os desejos do coração dos filhos para controla-los e adestra-los (sim, a palavra é essa). Dizer aos filhos que receberão um presente caso se comportem bem, não poucas vezes, “funciona”. O problema é que este caminho, geralmente mais rápido que o de gastar tempo tratando das motivações corretas, no máximo, fará com que os filhos se tornem fariseus ensimesmados, que enxergam o mundo girando ao seu redor, cuja única chance de deixarem a si mesmos de lado para ajudar a outros será quando for para conseguir o que seus corações tanto almejam.

Sim, filhos e pais agem de acordo com o que está em seus corações. É por isso que amar a Cristo precisa ser sempre o alvo maior. Quanto mais o amamos, mais temos condições de negarmos a nós mesmos (Mt 16.24).

Diante disso, os pais que querem cumprir o que ordena o Senhor em Deuteronômio, inculcando a Palavra aos filhos em todo o tempo, precisam ter em mente o que afirma o início do versículo 6.6: “Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração”. O ensino da Palavra aos filhos pressupõe que ela esteja já guardada no coração dos pais, de outra forma, o ensino será tal qual o dos escribas e fariseus que falavam e não faziam.

Mais importante ainda é lembrar a maior razão que temos a fim de fazer tudo para a glória de Deus: Cristo Jesus, nosso Senhor. É por causa de tudo o que ele fez de forma perfeita, cumprindo plenamente todos os mandamentos, assumindo sobre si os pecados do seu povo, sofrendo a punição que viria sobre nós, que não estamos mais debaixo da maldição e podemos viver para a glória de Deus. Fomos salvos pela graça, mediante a fé em Cristo, a fim de viver para Deus e não para nós mesmos. Paulo afirmou que “somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.10). Essa deve ser nossa lembrança e assim devemos viver.

Cuide portanto, não somente daquilo que você faz, mas esteja bem atento às razões do seu coração. É importante, diante de tudo o que você vai fazer, considerar: Qual a razão para eu fazer isso? O que estou buscando? A quem estou querendo agradar? Perguntas como essas trazem à tona aquilo que está movendo a nossa vida.

Tenha como regra para si o que foi respondido por Jesus ao ser questionado sobre qual seria o grande mandamento da lei: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas” (Mt 22.37-40. Assim. Fazendo o que fizer, você fará certo pelos motivos certos.

Para isso você foi salvo por Jesus!