Desde que o pecado entrou no mundo o trabalho ganhou uma característica que não tinha por ocasião da criação. Era por meio do trabalho, providência do Senhor, que Adão ganharia o pão de cada dia, mas após o pecado ele ouviu a consequência da quebra do Pacto: “Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela produzirá também cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do campo. No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3.17-19).
É certo que o trabalho continuou sendo uma ordenança para o homem, mas agora ele é fatigante. Sem a perspectiva correta, a saber, tudo dever ser feito para a glória de Deus, não importa o quanto o homem trabalhe, ele descobrirá, ao fim da vida, momento de voltar ao pó da terra, que tudo foi em vão. Nas palavras de Salomão, sem o Senhor, “inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes;” (Sl 127.2).
Entretanto, o homem em seu pecado, e até mesmo alguns que já foram libertos por Cristo da culpa do pecado, mas que ainda sofrem a influência do pecado, tenta de todas as formas se livrar da maldição imposta por Deus. Uma das formas de se fazer isso é notada nos que nem bem começaram a sua carreira profissional e já sonham com a aposentadoria.
Outra forma, que é a que eu chamo atenção neste texto, é a vontade de ficar rico sem trabalhar. Os jogos de azar estão aí para demonstrar esta realidade, bem como as muitas ofertas, usadas para enredar incautos, de se ganhar dinheiro sem trabalhar. Hoje mesmo vi em um site de vídeos um comercial prometendo que os que se inscrevessem em uma certa plataforma ganhariam bastante dinheiro simplesmente assistindo a seriados em um famoso streaming. Eis o sonho de todo preguiçoso, ganhar dinheiro assistindo a filmes, com a promessa de quanto mais assistir, maior o ganho!
Esta pode ser, de fato, uma grande tentação. Usufruir do fruto do trabalho (dinheiro para pagar as contas), sem o labor e sofrimento que ele pode trazer. É importante, neste instante, lembrar da carta aos Hebreus que mostra que os crentes têm um sacerdote que pode compadecer-se deles em suas fraquezas, pois, “ele foi tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15).
Atente bem para a verdade bíblica: A salvação de pecadores é fruto do trabalho efetuado por Jesus Cristo! Quando Isaías profetizou acerca do resultado da obra do Messias, afirmou: “Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si” (Is 53.11).
Ao olhar para o Salmo 2 fica claro que estes por quem Jesus se deu são aqueles que foram prometidos a ele pelo Pai, quando disse “Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão” (Sl 2.8). Logo, o trabalho de Jesus consistiu em cumprir perfeitamente a lei, entregando-se à morte em lugar dos que lhe foram prometidos pelo Pai.
Pense, então, no teor de uma das tentações de Satanás quando o Senhor Jesus estava no deserto: “Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: Tudo isso te darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4.8-9).
Isto soa exatamente como: Ganhe sem trabalhar! Satanás oferece aquilo que já havia sido prometido pelo Pai, mas com um custo aparentemente menor. Em vez da cruz, simplesmente adoração a outro que não o Pai. Comentando este texto Calvino afirma que “o tipo de tentação aqui descrita era que Cristo deveria buscar, de outra maneira que não a de Deus, a herança que ele prometeu a seus filhos. E aqui se manifesta a ousada insolência do diabo, ao roubar a Deus o governo do mundo e reivindicá-lo para si mesmo. Todas essas coisas, diz ele, são minhas, e é somente por meu intermédio é que elas são obtidas” (tradução livre).
Jesus resistiu à tentação ordenando: “retira-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto” (Mt 4.10). Adorar a Deus envolve submeter-se a ele e foi o que fez o Senhor Jesus quando “subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, torando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2.6-8).
Esta foi a razão de Jesus ter dito em sua oração sacerdotal: “Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer” (Jo 17.4). Jesus trabalhou pelos seus realizando todo o trabalho necessário para a salvação de pecadores.
Diante disso, cada cristão que intenta ganhar sem trabalhar, deve corar de vergonha, por estar se deixando levar pela proposta do inimigo de suas almas. Após isso, deve pedir perdão ao Senhor que providenciou o trabalho como meio para a obtenção do pão de cada dia.
Aquele que está em Cristo pode observar o quarto mandamento que ordena: “Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra” (Ex 20.9), pois está firmado naquele que convoca seu povo à adoração dizendo: “Lembra-te do dia de sábado para o santificar” (Ex 20.7).
Em Jesus, ganhando pouco ou muito, o crente pode estar satisfeito, unido ao homem bem-aventurado descrito no Salmo 128 que por temer ao Senhor e andar nos seus caminhos pode ter plena certeza de que “do trabalho de tuas mãos comerás, feliz serás, e tudo te irá bem.” (Sl 128.1-2).
O trabalho de Jesus ganhou para os crentes a vida eterna, uma vida abundante, de plena satisfação. Esta é a bênção que você ganha sem trabalhar, somente porque outro trabalhou por você que era incapaz. Esta benção da salvação muda a perspectiva do trabalho que, como todas as outras coisas, deve ser feito, agora, para a glória de Deus.