22 outubro 2011

Palpiteiros da salvação alheia

condenado aprovadoAnos atrás havia um apresentador (em um programa sobre os bastidores da TV e do mundo das celebridades, que está no ar até hoje) que afirmava todas as vezes que morria um artista: “Fulano foi para o andar de cima.” Na cabeça daquele apresentador, alguém que se dedicou à arte com o fim de divertir e entreter o povo só poderia estar no céu, visto ser esta uma pessoa boa.

Aqueles que conhecem a Bíblia sabem muito bem que a salvação não é meritória, mas é concedida pela graça de Deus, mediante a fé (que também é dom de Deus) em Cristo Jesus. Porém, a despeito disso, tenho a impressão de que os cristãos facilmente têm se esquecido disso.

Como exemplo do que estou querendo dizer, deixe-me compartilhar algo que me foi dito por uma irmã, há alguns anos. Essa irmã, bem como sua mãe, era crente fiel, porém seu pai não. Quando ele faleceu, o pastor das duas foi convidado para fazer o ofício fúnebre e, segundo ela, com o caixão aberto ele colocou a Bíblia na cabeça do falecido e disse aos que estavam presentes: “Beltrano morreu e está no inferno. Ele viveu x dias (multiplicou a idade do morto por 365 dias) e não aceitou a Jesus.”

Por mais surreal que isso possa parecer, muitos cristãos têm feito isso constantemente. Há umas semanas morreu Steve Jobs, e não foram poucos aqueles que rapidamente afirmaram estar ele no inferno, o que é uma afirmação altamente precipitada.

Calma, estou longe de ser universalista. Não creio que todos os homens serão salvos e sei também que muitos têm se enganado quanto a seu estado espiritual a ponto de o Senhor afirmar que muitos, no dia final, dirão que realizaram milagres e prodígios em nome dele e ouvirão: “nunca vos conheci” (Mt 7.23).

Porém, creio também que somos muito rápidos em julgar o próximo e o problema disso está no fato de não termos dados suficientes para isso. Basta lembrar duas histórias bíblicas para perceber isso.

A primeira é a história do ladrão na cruz. Essa história, narrada por Mateus e Marcos, mostra dois ladrões, crucificados à direita e esquerda de Jesus, blasfemando e dirigindo ao Senhor impropérios. Se tivéssemos somente esses dados, seriamos rápidos em afirmar que os dois ladrões se perderam. Porém, Lucas registra outra parte da história, que faz toda a diferença. Ela afirma que, em meio aos insultos que dirigiam a Cristo, um dos ladrões começou a repreender o outro e rogou ao Senhor que se lembrasse dele, ouvindo de Jesus: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23.43).

A outra história é contada também por Lucas e fala da vida de um casal da igreja primitiva que vendeu um campo, depositou o dinheiro aos pés dos apóstolos e morreu. Se tivéssemos acesso somente a essa parte da história, provavelmente usaríamos o texto até para falar do privilégio do casal que pôde honrar a Deus entregando uma oferta como última atitude de sua vida. Entretanto, Lucas deixa claro que eles morreram por causa do juízo de Deus, que puniu sua mentira em dizer que estavam doando tudo enquanto retinham parte do valor do campo (At 5.1-11).

Nesses dois casos somos poupados de errar no julgamento porque temos a revelação da Palavra de Deus. Entretanto, não podemos afirmar categoricamente a perdição de quem quer que seja (a não ser que esteja declarada categoricamente nas Escrituras, como o caso de Judas, por exemplo) justamente por não ter acesso ao coração alheio e não saber o que se passou instantes antes a sua morte.

Pelo ensino das Escrituras, podemos até imaginar que muito provavelmente alguém tenha se perdido, ao olhar os frutos produzidos em sua vida e sua recusa em render-se ao Salvador, mas a afirmação categórica da condenação só pode ser feita pelo Senhor.

A graça de Deus é abundante e o mesmo Deus que salvou aquele ladrão que tanto blasfemava, concedendo-lhe o dom da fé a fim de que se arrependesse, nos salvou e é poderoso para salvar o pior dos pecadores, mesmo nos últimos instantes de sua vida.

Uma das orientações do Manual de Culto da IPB que acho mais interessantes trata justamente desse ponto, ao orientar sobre o ofício fúnebre: “O ofício fúnebre deve consistir principalmente na leitura de trechos da Escritura e atos de culto. O ministro não tem o dever de dizer se a pessoa, cujo corpo vai ser entregue à terra, morreu ou não impenitente, mas deve proceder de maneira que não se possa inferir de sua leitura ou palavras a salvação de pessoas, cujas vidas ou mortes não tenham sido cristãs. O único juiz, porém, é o Senhor.

Infelizmente, muitas vezes estamos mais preocupados com o outro do que com nós mesmos. Ainda que a Bíblia ordene o autoexame (1Co 11.28; 2Co 13.5), queremos mesmo é examinar o outro. Fazemos como Pedro, que, após ser restaurado pelo Senhor, ter recebido o encargo de pastorear suas ovelhas e ser informado a respeito do tipo de morte que teria, olhou João e perguntou a Jesus: “E quanto a esse?”. Quando assim procedemos somos passíveis da mesma repreensão do Senhor a Pedro: “Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa? Quanto a ti, segue-me” (cf. Jo 22.15-23).

Preocupemo-nos, portanto, com a nossa situação diante de Deus e proclamemos aos homens que se arrependam dos seus pecados e se reconciliem com Deus, pois essa é tarefa nossa. Deixemos para aquele que julga retamente o veredicto sobre aqueles que serão condenados estando convictos de que “as coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” (Dt 29.29).

17 outubro 2011

Meu pecado é culpa sua

de_quem_a_culpaEm 2004 foi produzido nos Estados Unidos um documentário intitulado “Super size me”. A proposta do cineasta Morgan Spurlock era se alimentar durante 30 dias somente com produtos do McDonalds. Ao fim deste período ele estava com o fígado seriamente comprometido, pesando 9 quilos a mais e foi obrigado a fazer uma desintoxicação.

 

A ideia do documentário surgiu após duas adolescentes processarem o McDonalds por terem engordado e o juiz não ter lhes dado ganho de causa por não existirem provas de que a comida desta rede fizesse mal à saúde. Com o documentário, Spurlock conseguiu provar que a comida não é saudável, o que não é novidade alguma, mas terá sido essa, de fato, a razão da obesidade das adolescentes?

 

Nas Escrituras percebemos que essa história de lançar a responsabilidade do pecado sobre outros não é novidade. Quando Adão, após ter comido do fruto proibido, foi confrontado por Deus, que perguntou o que ele havia feito, ele tratou de se esquivar de sua responsabilidade: “A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi” (Gn 3.12), disse ele. A culpa do seu pecado era da mulher, que lhe deu o fruto, e em última instância do próprio Deus, que lhe deu a mulher. A mulher também foi questionada e, claro, também se esquivou: “A serpente me enganou, e eu comi” (Gn 3.13).

 

Anos mais tarde, seus filhos ofertaram ao Senhor. Caim, o mais velho, levou do fruto da terra, e Abel, das primícias do seu rebanho e da gordura deste. O Senhor se agradou da oferta de Abel, mas rejeitou a de Caim, que ficou extremamente irado. O Senhor, que anos antes havia confrontado seus pais e ouvido desculpas, confronta agora a Caim: “Por que andas irado, e por que descaiu o teu semblante?” – e sem dar tempo para qualquer desculpa da parte dele, advertiu – “Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas cumpre a ti dominá-lo (Gn 4.6,7).

 

No Novo Testamento, Tiago, o irmão do Senhor Jesus, ensina que “cada um é tentado pela sua própria cobiça [desejo], quanto esta o atrai e seduz. Então, a cobiça [desejo], depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte” (Tg 1.14,15).

 

As Escrituras são muito claras ao afirmar que a responsabilidade pelo pecado é, e sempre será, de quem o comete, mas, infelizmente, muitos cristãos têm comprado a ideia de que pessoas e circunstâncias são a causa de muitos males cometidos. “O meio em que ele vive o levou a roubar”, “ela é assim, explosiva, devido à maneira como foi criada” e “ela ganhou muito peso porque os produtos daquele fast-food não são saudáveis” são apenas algumas das explicações (desculpas?) dadas ao comportamento das pessoas e, assim, roubo, falta de domínio próprio e gula passam a ser problemas a serem tratados por terapia, ao invés de pecados que precisam ser expiados por um Redentor.

 

Esse pensamento é um ataque direto à fé cristã. Enquanto não há a admissão da culpa, não haverá boa-nova do Evangelho. Paulo diz aos Romanos que a lei de Deus foi dada justamente para isso, “para que se cale toda a boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, [...] em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.19,20).

 

Ao ser confrontado com a santa lei do Senhor, o homem se vê incapaz de viver uma vida justa diante de Deus e só tem duas alternativas: se desculpar, colocando sobre outros a responsabilidade pelos seus atos ou assumir o seu estado de depravação e miséria, confiando única e exclusivamente naquele que viveu de forma justa e santa, a fim de nos justificar pela fé, Cristo Jesus, o Redentor.

 

Em Cristo Jesus, o Pai não nos desculpa (tira a nossa culpa), mas nos perdoa. Um dos sentidos da palavra grega para perdão é “remissão da penalidade”, ou seja, pagamento da penalidade. Nesse sentido, Jesus pode então nos dizer: seu pecado é culpa minha, não porque ele seja o responsável por nossas faltas, mas pelo fato de ele ter assumido a nossa dívida e foi justamente isso que ocorreu na cruz do Calvário quando ele tomou sobre si a nossa culpa e pagou o preço pelos pecados do seu povo, morrendo a nossa morte.

 

Porque Deus puniu o pecado na pessoa bendita do seu Filho é que ele pode ter misericórdia de seu povo, não nos condenando como merecemos, e conceder perdão e salvação pela graça, nos dando aquilo que não merecemos (Ef 2.8). Continuamos culpados, mas, porque a justiça de Cristo nos foi imputada quando cremos, somos reconciliados e temos paz com Deus (Rm 5.1).

 

Diante de tudo isso, não podemos ceder à tentação de nos desculpar quando pecamos. Lembremos sempre do que afirma Provérbios 28.13: “O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que confessa e deixa alcançará misericórdia”.

 

Que assumamos sempre a nossa culpa, confessando diante de Deus todas as nossas transgressões, na certeza de que temos Advogado diante do Pai, Jesus Cristo, o Justo, aquele que já pagou o preço por nossos pecados.