29 novembro 2017

E quando a verdade não é dita em amor?

Resultado de imagem para communication aggressiveSe você está familiarizado com o aconselhamento bíblico, ou, sobretudo, com as Escrituras, conhece a ordem paulina para “falar a verdade em amor” (Ef 4.15). Apesar de a tradução Revista e Atualizada de Almeida trazer “seguindo a verdade em amor”, um dos sentidos desta palavra grega, traduzida por “seguir”, é “falar ou contar a verdade”[1]. Olhando para o contexto, parece que falar é mesmo uma tradução preferível, pois nos versículos 11 e 12 Paulo lista alguns dons ligados à Palavra afirmando que eles foram concedidos para o aperfeiçoamento dos santos e no versículo 14 ele mostra a finalidade: para que os irmãos não fossem levados por vento de doutrina.

Falar a verdade em amor é um conceito importante para o aconselhamento, pois na Bíblia temos várias ordens para ir tratar com os irmãos:

· Se alguém peca contra nós, Jesus ordena ir até o ofensor (Mt 18.15);

· Se há um irmão faccioso, ele precisa ser admoestado (Tt 3.10);

· Se alguém for surpreendido em falta, precisa ser corrigido (Gl 6.1);

· Se alguém está insubmisso, precisa ser admoestado; se desanimado, precisa de consolo; se fraco, precisa ser amparado (1Ts 5.14);

· E outras.

A motivação para o confronto, exortação, admoestação, encorajamento e animação dos irmãos precisa ser o amor cristão e tudo deve ser feito por esta razão. Mas como proceder caso aquele que venha tratar comigo, em quaisquer desses casos, não fale em amor? O que fazer quando meu irmão fala a verdade de forma rude e dura? Creio que essa resposta envolve pelo menos três aspectos que precisam ser notados.

Avalie a sua percepção e motivação

Não é fácil ser confrontado. Quando alguém aponta para os nossos pecados, geralmente a primeira reação é a negação. É por conta disso que é preciso avaliar a percepção e a motivação quando julgamos que alguém não disse o que disse em amor. Se é verdade que pode haver razões que nada têm a ver com o amor cristão por parte daqueles que decidem tratar os pecados de outrem, é igualmente verdadeiro que o orgulho pode fazer com que uma pessoa perceba de forma errada a intenção alheia, tendo por motivação o não querer dar ouvidos à verdade.

Muitos veem falta de amor quando as palavras são ditas de forma firme e séria ou quando elas não estão de acordo com o que eles querem. Um bom exemplo disso é a reação ao discurso que Jesus proferiu após a murmuração dos judeus diante de sua afirmação de ser o pão do céu. Após o fim de sua fala, em que afirmou categoricamente que ninguém iria a ele se o Pai não concedesse, muitos dos que o seguiam disseram: “Duro é este discurso; quem o pode ouvir?” (Jo 6.41-60). Com a insistência de Jesus naquele discurso o resultado foi: “À vista disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele” (Jo 6.61-66).

Algo importante aqui é que Jesus em momento algum “amacia” suas palavras. Com o abandono de muitos, ele perguntou diretamente aos 12: “Porventura, quereis também vós outros retirar-vos?” (Jo 6.67).

É preciso sempre avaliar se o julgamento de dureza ou falta de amor não é em razão de não querer ouvir a mensagem. Muitos, para rejeitar a mensagem, colocarão defeito no mensageiro e apontarão para os seus pecados, talvez numa tentativa de demonstrar que ele não tem autoridade para repreendê-los. Avalie muito bem o seu coração.

Dê ouvidos à verdade

Avaliado o seu coração para saber se você não está procurando uma desculpa para se esquivar de sua responsabilidade, dê ouvidos à verdade. Talvez você insista e pergunte: “Como ouvir alguém que está com intenções pecaminosas? Como ouvir alguém que não está preocupado comigo, mas simplesmente arrumou um pretexto para me repreender?”.

Creio que podemos pensar em alguns exemplos bíblicos. No Evangelho conforme Mateus Jesus disse às multidões e a seus discípulos que os escribas e fariseus estavam assentados na cadeira de Moisés, na posição de mestres da Lei. Por mais que Jesus criticasse muitas das distorções da Lei que eles ensinavam, eles eram os professores da Lei e muito do que falavam estava em acordo com Moisés. Daí Jesus dizer: “Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem” (Mt 23.1-3).

Você precisa entender isso à luz do que Jesus havia dito no Sermão do Monte. Após afirmar que não tinha vindo para revogar a Lei e que ela continuaria válida, Jesus disse aos seus discípulos que a justiça deles deveria exceder em muito à dos escribas e fariseus (Mt 5.17-20). O exemplo disso fica claro ainda no Sermão do Monte. Jesus diz que os fariseus gostavam de exercer sua justiça diante dos homens para serem vistos, mas que seus discípulos tinham de fazer com o foco na glória de Deus (Mt 6.1-8;16-18).

Fica bem claro que, a despeito de os fariseus fazerem várias coisas pelas razões erradas, isso não invalidaria o ensino, se este fosse correto. Daí a ordem para os discípulos fazerem o que estava sendo ensinado, sem imitar as obras dos “mestres”.

Outro texto que pode nos ajudar aqui está na epístola de Paulo aos Filipenses. O apóstolo diz que, em decorrência de sua prisão, muitos irmãos ousaram pregar mais confiadamente. Após isso, ele reconhece que outros pregavam por razões diversas: “Verdade é que também alguns pregam a Cristo por inveja e porfia; [...] outros, na verdade, anunciam a Cristo por contenção, não puramente, julgando acrescentar aflição às minhas prisões” (Fp 1.15-17).

Esse texto é usado por muitos de forma equivocada para defender que o evangelho precisa ser pregado, ainda que distorcido (de qualquer jeito). Não é esse o ponto. Paulo não está falando da distorção da verdade, mas da intenção daqueles que pregam a verdade. Neste sentido, a despeito das intenções erradas, diz Paulo: “Mas que importa? Contanto que Cristo seja anunciado de toda a maneira, ou com fingimento, ou em verdade [insisto, a verdade aqui diz respeito à intenção da pregação, não ao conteúdo dela], nisto me regozijo e me regozijarei ainda” (Fp 1.18).

Diante disso, fica claro que as más intenções de quem prega não anulam a verdade da Palavra de Deus. Por isso, se alguém for ter com você exortando-o a se arrepender de seus pecados, ainda que queira com isso simplesmente expor o seu erro para humilhá-lo, se é verdade, é preciso dar ouvidos a ele e corrigir-se para a glória e com a ajuda do Senhor, pois Jesus afirmou categoricamente que, sem ele, nada podemos fazer.

Confronte o pecado daquele que não foi amoroso

O último aspecto a ser pensado é a respeito daquele que nos corrigiu, mas supostamente sem amor. Mais uma vez é importante verificar se este é um fato ou se não é impressão, pois somos muito diferentes uns dos outros e temos maneiras bem distintas de falar. Uns são mais mansos, outros são mais firmes, outros mais diretos, etc. Contudo, se você está entendendo que o seu irmão o repreendeu com a motivação errada, é preciso também confrontá-lo.

Aqui é preciso lembrar a máxima de Paul Tripp: somos “instrumentos nas mãos do Redentor, pessoas que precisam ser transformadas ajudando pessoas que precisam de transformação”. Diante dessa realidade, é preciso cumprir o que Jesus ordenou, “se teu irmão pecar contra ti, vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão” (Mt 18.15). Explique a ele que você entendeu ser bíblico aquilo que ele disse, mas que entendeu que ele também pecou na motivação. Dê o benefício da dúvida a seu irmão, ouça seus argumentos. Se ele entender que pecou e se arrepender, perdoe-o. Se ele explicar e você se contentar com o que ele disser, as coisas estão resolvidas. Se não, continue os passos de Mateus 18, chame testemunhas, entregue-o à igreja, etc.

Pra terminar

Como já foi dito, geralmente não gostamos de ser repreendidos. Por causa disso, a tentação de usar desculpas para não dar ouvidos à repreensão sempre será uma realidade. Se queremos viver para a glória de Deus é preciso avaliar o nosso coração a fim de verificar se não estamos nos esquivando. Peça ao Senhor sabedoria para avaliar seu próprio coração.

Dê ouvidos à verdade! O pecado de outros nunca irá nos redimir. A redenção está somente em Cristo Jesus quando o pecado é confessado e deixado.

Vá se acertar com seu irmão. Se há dúvidas sobre as motivações dele, é preciso haver uma boa conversa a fim de que tudo se estabeleça e que o Senhor seja glorificado em nossos relacionamentos.


[1] Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong

17 novembro 2017

Quem sou eu?

identidade

Essa inquietante pergunta, juntamente com outra (qual é o propósito para a minha existência?) é bastante antiga e costuma, não poucas vezes, causar tristeza, ansiedade, insegurança e tantos outros sentimentos. Um homem na meia idade pode estar triste por olhar para trás e verificar que não realizou nada “relevante” em sua jornada, ao mesmo tempo em que um jovem pode estar ansioso e inseguro quanto ao que ele “quer ser” na vida.

A despeito de muitas respostas a essas perguntas já terem sido formuladas, como cristãos precisamos ter uma perspectiva bíblica a respeito de nossa identidade.

Criados à imagem de Deus

Esta é a primeira consideração a se fazer ao pensar biblicamente. O livro de Gênesis nos mostra que o homem foi criado no sexto dia da criação à imagem e semelhança de Deus. A pergunta 17 do Catecismo de Westminster, “Como criou Deus o homem?” traz como resposta que “Deus criou o homem, macho e fêmea; formou-o do pó, e a mulher da costela do homem; dotou-os de almas viventes, racionais e imortais; fê-los conforme a sua própria imagem, em conhecimento, retidão e santidade, tendo a lei de Deus escrita em seus corações e poder para a cumprir, com domínio sobre as criaturas, contudo sujeitos a cair” (vide os 3 primeiros capítulos de Gênesis).

Pautados nessa resposta, podemos dizer que a identidade do homem não é própria, mas derivada. Seu valor não é próprio, mas atribuído. Ele possui dignidade por causa do que ele representa, a saber, o próprio Deus. Desta forma, quem ele é está intimamente ligado ao que ele foi criado para fazer. Recorro, mais uma vez, ao Catecismo Maior de Westminster que afirma acertadamente que “o fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”.

O homem foi criado para honrar a Deus cumprindo o que o Senhor o designou para fazer. Relacionar-se com Deus, com o próximo e com o meio em que ele vivia, governando sobre todas as coisas. Ao viver pautado na glória de Deus o homem viveria de forma plena, realizando-se em seu Criador e usufruindo das bênçãos da criação.

Caídos em Adão

Se o homem foi criado de forma tão sublime, porque há tanta dúvida a respeito de sua própria identidade. Porque tantas pessoas estão confusas, sem saber para onde caminham? O livro de Gênesis não mostra somente como o homem foi criado e qual o seu propósito neste mundo, mas também o que ocorreu para chegarmos na situação em que estamos.

Ao colocar o homem no Jardim do Éden e lhe dar ordens, o Senhor advertiu que a desobediência o levaria à morte. A morte seria física, mas também seria espiritual, ou seja, o homem estaria separado de Deus. Sobre essa realidade, Isaías afirmou ao povo que “as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus” (Is 59.2). E foi isso que aconteceu! Ao ceder à tentação da Serpente e comer do fruto que Deus havia ordenado que não comessem, homem e mulher foram expulsos da presença do Senhor.

Com Adão caiu toda a raça humana, pois ele era o nosso representante. Todos agora nascem com o que chamamos de “pecado original”, separados de Deus e voltados para si mesmos. Aliás, essa foi a natureza da tentação, fazer com que o homem olhasse para si, em primeiro lugar. A Serpente prometeu que se comessem do fruto eles seriam como o próprio Deus.

Aconteceu que eles não se tornaram como Deus. Em vez disso, o pecado trouxe vergonha e medo da justa ira do Senhor. O pecado trouxe o afastamento daquele em quem o homem tem a sua identidade, mas por que sua identidade é derivada ele busca um substituto para Deus na criação (Rm 1.21-23,25) e acaba se tornando ou querendo se tornar como esse seu novo deus, que se torna a sua razão de viver. A maldição para os idólatras no Salmo 115 consiste exatamente em o idólatra se tornar como o falso deus que ele mesmo forjou.

Você percebe claramente que o homem busca a sua identidade nas obras da criação quando ouve “Eu preciso ter diheiro”, “Eu preciso ter uma família”, “Eu preciso de uma profissão relevante”, pois isso me fará SER rico, SER pai, SER reconhecido, etc. Não se apresse ao imaginar que estou reprovando todas essas coisas. Elas não são ruins em si mesmas, afinal, Deus fez o homem para gozar do fruto do seu trabalho, para constituir família e para servir ao próximo com suas habilidades. Meu ponto é que estas coisas não podem ser a razão da vida, nem aquilo que define a identidade, pois quando isso acontece elas se tornam ídolos e o final da idolatria é sempre o desespero, a morte, a ansiedade, o medo de perder aquilo que lhe confere dignidade.

É importante lembrar aqui que o homem, mesmo pecador, continua sendo imagem e semelhança de Deus, ainda que esta imagem esteja agora desfigurada. Ele não mais reflete perfeitamente o seu Criador, mas continua possuindo dignidade por ter sido criado à imagem e semelhança dele.

Restaurados em Cristo

Jesus Cristo, o Filho de Deus (1Co 1.9), a expressão exata do ser de Deus (Hb 1.3), veio ao mundo a fim de redimir pecadores. A obra de Cristo no Calvário leva aqueles que creem nele a ter paz com Deus (Rm 5.1). Se antes havia inimizade, em Cristo e por causa de Cristo pode haver um retorno ao Pai.

A conversão coloca o pecador em uma nova posição. Ele é agora considerado santo, separado para Deus (2Co 1.1; Ef 1.1). Por causa de Cristo, temos uma nova identidade. Já somos filhos de Deus, ainda que aguardemos a plena redenção (1Jo 3.2); Somos herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo (Rm 8.17); co-participantes da natureza divina (2Pe 1.4), dentre várias outras bênçãos.

Você já pensou a respeito de tamanhos benefícios, por estar em Cristo? Muitos cristãos olham para os personagens da Bíblia e se espantam com o que foi dito por Deus acerca deles achando que nunca estariam naquela posição. Quando fazem isso, acabam deixando de lado os méritos de Cristo e atribuindo méritos aos pecadores. Por exemplo, Davi foi chamado um homem segundo o coração de Deus. Se você conhece a história do grande rei, sabe que ele cometeu pecados gravíssimos. Como pôde Deus fazer uma afirmação dessas a respeito dele?

Em Atos temos a resposta. Lucas cita a forma como Davi foi chamado por Deus ao relatar a história de Israel (At 13.22). Mais à frente ele diz que Deus cumpriu, em Cristo, as promessas feitas à Davi, ressuscitando-o para a justificação dos crentes. Davi foi um homem segundo o coração de Deus por que cria no Messias. Se você também estiver em Cristo Jesus, é também alguém segundo o coração de Deus. Da mesma forma, pode ter certeza de que por causa da sua união com Cristo Deus pode dizer de você: “Este é meu filho em quem eu tenho prazer”.

Estas bênçãos e essa nova identidade podem, então, levar os crentes a viver para a glória de Deus, quer seja comendo, ou bebendo, ou fazendo outra coisa qualquer (1Co 10.31). Isso quer dizer que tudo aquilo que você faz, não deve ser feito em busca de sua identidade, mas para que aquele que atribui a você identidade seja glorificado, Cristo Jesus, o Salvador.

Desta forma volto à questão inicial: Quem é você?

Se você não está em Cristo, é um pecador que continuará perdido, buscando sua identidade em falsos deuses, até o dia em que, arrependido dos seus pecados, confiar em Jesus Cristo para a sua salvação. A partir de então, poderá encontrar paz, alegria, gozo, prazer e identidade, vivendo para a glória de Deus. Doutro modo, além de uma vida sem sentido, encontrará no final a justa condenação do Senhor.

Se você está em Cristo você já é filho de Deus, aguardando a plenitude da redenção quando, então, será exatamente como Cristo é (1Jo 3.2). Viva, então, para a glória dele!