03 outubro 2020

Seu maior deleite é o Senhor ou o seu time de futebol?

O Dia de Descanso é um dia de deleite no Senhor. Por ocasião da criação o Senhor estabeleceu um dia especial em que o homem se dedicaria integralmente ao serviço dele e do próximo. Era um dia de comunhão ainda mais íntima com o Senhor que era honrado a cada um dos dias da semana, quando o homem executava todas as suas ações para a glória de Deus, mas que no dia de Descanso se abstinha de todas as outras coisas para dedicar-se integralmente ao Senhor.

Desde a queda, os homens, em rebeldia contra o Senhor, procuram substitutos para Deus em busca de alegria, satisfação, prazer, descanso, etc., incorrendo em idolatria ao buscar descanso longe do Senhor. As músicas populares sobre o futebol fornecem um bom exemplo disso.

Neguinho da Beija-Flor compôs:

“Domingo eu vou ao Maracanã, vou torcer pro time (na primeira versão da música aparecia Vasco) que sou fã [...] vou sentar na arquibancada pra sentir mais emoção”.

Morais Moreira, por ocasião da mudança de Zico para o time da Udinese escreveu:

“Agora como é que eu fico nas tardes de domingo, sem Zico no Maracanã? Agora como é que eu me vingo de toda derrota da vida se a cada gol do Flamengo eu me sentia um vencedor?”

Na música da banda Biquíni Cavadão temos um pouco mais:

“Hoje é dia de comemorar, hora de esquecer de tudo o mais, é dia do meu time ganhar! Posso não ter dinheiro pra gastar, mas tenho mil motivos pra sorrir, é dia do meu time ganhar”.

Calma, não pense que eu quero sugerir que o futebol é intrinsicamente idólatra. Eu mesmo aprecio e torço para um time, mas meu ponto é verificar a linguagem basicamente “religiosa” das músicas citadas, que refletem exatamente o anseio de encontrar em algum lugar aquilo que só pode ser encontrado verdadeira e plenamente em Jesus Cristo.

Nas músicas você percebe o anseio do ajuntamento à uma massa para a sua devoção, a frustração e desesperança diante da despedida de um jogador que trazia alegria e o sentimento de que tudo está bem, afinal de contas, meu time vai jogar.

Se você lembrar da Escritura vai perceber semelhança na forma de se expressar, exceto no fato de que a Bíblia demonstra o anseio pelo Deus verdadeiro. Vejamos:

“Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Casa do Senhor” (Sl 122.1);

“Às margens dos rios da Babilônia, nós nos assentávamos e chorávamos, lembrando de Sião. [...] Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita. Apegue-se a minha língua ao paladar, se me não lembrar de ti, se não preferir eu Jerusalém à minha maior alegria” (Sl 137,1,5-6);

“... aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. [...] Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11,13).

Quando o Senhor Jesus salvou a sua vida o libertou do pecado, da ira de Deus e pôs fim à tentativa de buscar sentido para a vida à parte dele. Em Cristo você pode viver cada um dos seus dias para a glória de Deus, quer coma, beba e até mesmo assista à uma partida de futebol. Em Cristo você encontra motivos para separar o Dia de Descanso para deleitar-se somente nele.

Como eu já afirmei, não há problema no futebol em si, como não há problema em nenhum outro aspecto da criação, mas é triste perceber que há crentes mais preocupados com a posição de seu time na tabela do campeonato do que com a adoração do Nome Santo do Senhor. Prova disso é a dificuldade de se abrir mão de uma partida de futebol a fim de preparar-se para o culto dominical, a ansiedade em saber o resultado da partida que está ocorrendo no mesmo horário do culto, que leva irmãos a checarem seus smartphones assim que a bênção final é dada (e em alguns casos até antes mesmo de o culto terminar) e a tristeza que assola o coração ao saber de um resultado ruim, mesmo após o Glorioso Senhor ter falado à Igreja por meio de sua Palavra.

Se você está em Cristo, está capacitado pelo Espírito Santo para rejeitar tudo aquilo que o impeça de se deleitar no Dia de Descanso, Dia do Senhor. Há promessa do Senhor para o seu povo, como visto em Isaías:

“Se vigiarem os seus pés, para não profanarem o sábado; se deixarem de cuidar dos seus próprios interesses no meu santo dia; se chamarem ao sábado de ‘meu prazer’ e ‘santo dia do Senhor, digno de honra’; se guardarem o sábado, não seguindo os seus próprios caminhos, não pretendendo fazer a sua própria vontade, nem falando palavras vãs, então vocês terão no Senhor a sua fonte de alegria” (Is 58.13-14).

É preciso guardar o coração e lutar contra tudo aquilo que, apesar de lícito, pode afastar você de se deleitar em seu Redentor. Paulo afirmou que todas as coisas são lícitas, mas que não se deixaria dominar por nenhuma delas (Cf 1Co 6.12).

Aos presbiterianos, como eu, é bom lembrar o nosso ensino confessional:

“Este sábado é santificado ao Senhor quando os homens, tendo devidamente preparado os seus corações e de antemão ordenado os seus negócios ordinários, não só guardam, durante todo o dia, um santo descanso das suas próprias obras, palavras e pensamentos a respeito dos seus empregos seculares e das suas recreações, mas também ocupam todo o tempo em exercícios públicos e particulares de culto e nos deveres de necessidade e misericórdia” (CFW XXI.VIII).

Futebol é algo bom e lícito, assim como tudo aquilo que não é proibido na Palavra do Senhor. Contudo, se isso tem impedido a você de honrar o seu Senhor, conforme o que ele estabelece na Escritura, busque forças no Senhor a fim de deixar de lado o que tem competido com o seu Salvador. Não se deixe escravizar, pois, como afirmou Paulo, “para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Por isso, permaneçam firmes e não se submetam, de novo, a jugo de escravidão” (Gl 5.1).

Que você esteja plenamente satisfeito em Cristo e se deleite nele, sobretudo no dia em que celebramos a sua ressurreição, o Domingo, Dia do Senhor.

02 julho 2020

Sobre o culto on-line – isso é possível?

Vivemos um tempo difícil. Por causa da pandemia que o mundo enfrenta, a maioria das igrejas suspendeu suas atividades presencias, mas têm buscado alimentar os membros com transmissões de estudo da Palavra de Deus.

Isso tem levado muitos a pensar a respeito deste tema. Por mais que a tecnologia seja uma bênção e esteja sendo usada para edificar os crentes, até que ponto isso substitui ou está em pé de igualdade com as reuniões presenciais?

Dia desse li um artigo em defesa do culto on-line em que um dos argumentos usados foi o de que “digital e concreto se entrelaçam. Uma reunião virtual é uma reunião real. [...] Sendo assim, já não cabe mais falar de reunião on-line versus reunião presencial [...] tais reuniões são presenciais, ainda que a presença seja on-line. O digital nos coloca diante de um novo conceito e experiência de presença”[1].

Pensando nisso, gostaria de analisar o argumento pelo crivo da Escritura. Será que podemos encontrar na Escritura algo que nos leve a pensar sobre isso, ainda que analogicamente? Creio que a forma como o Senhor Jesus ensinou sobre a Lei no Sermão da Montanha pode nos ajudar neste ponto.

No sermão do Monte Jesus contrapôs o ensino errado dos fariseus com o verdadeiro ensino, conforme o espírito da lei. Dentre vários exemplos dados pelo Senhor Jesus, pensemos a respeito do sétimo mandamento. Para os fariseus o adultério acontecia quando um homem se deitava com uma mulher que não fosse a sua. Este pensamento está correto, mas não envolve todo o problema do pecado sexual.

É bom lembrar que o pecado é uma ofensa, primeiramente a Deus. Em razão disso Jesus afirma que um homem que olha para uma mulher com olhar impuro já adulterou com ela. Jesus está tratando a intenção já como pecado, ainda que a conjunção carnal não tenha ocorrido. Ainda que ninguém, a não ser aquele que imaginou, tenha ciência de tal desejo, o Senhor que conhece o coração condena o pecado que, primariamente é contra ele.

Por mais que saibamos que a intenção é pecaminosa, como afirmou Jesus, creio que ninguém defenderia, nem Jesus defendeu, o direito de a esposa separar-se de um marido que pensou de forma maliciosa em relação à sua vizinha. A despeito da intenção de adulterar, o adultério é consumado apenas quando há “comunhão”, ou seja, quando os dois se tornam uma só carne, o que é impossível “virtualmente”. Somente em caso de consumação carnal, “à parte inocente é lícito propor divórcio” (CFW XXIV.V).

Quando escreveu aos Coríntios Paulo afirmou: “Ou não sabeis que o homem que se une à prostituta forma um só corpo com ela? Porque, como se diz, serão os dois uma só carne” (1Co 6.16). É importante notar que a palavra traduzida por “unir” no texto de Coríntios é traduzida por “ajuntar” em Atos 5.13, quando Lucas afirma que dos restantes do povo, “ninguém ousava ajuntar-se a eles” e em Atos 10.28, quando Pedro afirma a Cornélio e sua família que eles bem sabiam “que é proibido a um judeu ajuntar-se ou mesmo aproximar-se a alguém de outra raça”.

Isso corrobora o que eu mencionei acima. A despeito da intenção de adulterar (virtual, no campo do pensamento) ser pecado, isso não se iguala ao adultério consumado, ou seja, real. A consumação do adultério exige “presença física”.

Sendo assim, guardadas as devidas proporções, creio que podemos pensar de forma analógica em relação ao culto on-line. Ainda que haja uma intenção piedosa quando alguém se conecta ao mesmo tempo em que o restante dos irmãos, na frente de um computador, tal “ajuntamento virtual” nunca será um “ajuntamento real”.

O culto, sobretudo a santa convocação do Dia do Senhor, implica participação conjunta. Percebemos no Salmo 122 a alegria do salmista ao ouvir o chamado para ir à Casa do Senhor. A alegria é porque é para lá que “sobem as tribos, as tribos do Senhor, como convém a Israel, para renderem graças ao nome do Senhor” (1-4). O Salmo 133 ensina que no ajuntamento do povo “ordena o Senhor a sua bênção e a vida para sempre” (3).

O templo simbolizava a presença de Deus no meio do seu povo e apontava para o Senhor Jesus Cristo. É por isso que, com sua vinda, não precisamos mais do templo. Ele mesmo profetizou a destruição do templo, além de ter ensinado à mulher samaritana que o culto não estava restrito a um lugar específico, mas que havia chegado a hora “em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (Jo 4.23).

Ainda que não haja um local específico para adorar, o ajuntamento da Igreja, templo do Senhor, se faz necessário. À luz do Novo Testamento, podemos ter a mesma alegria descrita no Salmo 122, não por causa de ir ao templo, mas de ir encontrar-se com a Igreja do Senhor para a adoração.

Somente quanto a Igreja está reunida para cultuar no mesmo lugar é que ela pode participar corretamente dos sacramentos e do serviço mútuo (1Co 11.20; 14.23). Isso demonstra a gravidade da exortação do escritor aos Hebreus: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima” (Hb 10.25). O sentido da palavra congregar que aparece aqui é de “reunir-se em um lugar”. Curiosamente esta palavra só aparece mais uma vez no Novo Testamento, na carta de Paulo aos Tessalonicenses, quando Paulo trata da “vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele” (2Ts 2.1). Nem é preciso explicar o caráter presencial desta reunião!

Entendo que há boa intenção em muitos daqueles que têm considerado as transmissões on-line como culto. São irmãos sinceros que querem, de fato, adorar ao Senhor. Todavia, ainda que cada um esteja realmente adorando a Deus particularmente, tais reuniões estão longe de serem o culto ordenado pelo Senhor.

Temo, entretanto, que a defesa e legitimação de um culto on-line leve muitos crentes a permanecerem assistindo os cultos de seus lares quando as igrejas retornarem com as atividades presenciais. Afinal de contas, se o que se faz em casa conta como um culto coletivo, somente por ser no mesmo momento em que outros estão também conectados, pouco importa se a presença é real ou virtual.

Que Deus nos abençoe a fim de que as igrejas possam voltar às suas atividades regulares e presenciais, principalmente com o culto solene do Dia do Senhor, para a glória de Deus.


[1] https://www.misaelbn.com/a-era-digital-e-o-culto-cristao-em-defesa-do-culto-publico-on-line/ Acessado em 2/07/20

19 maio 2020

Não se perca entre narrativas, fique firmado na verdade

Dia desses vi um meme que expressa bem o meu sentimento nesses últimos tempos. Dizia: “quem não está confuso não está bem informado”. Parece que esta é mesmo a realidade de muitos, dentre os quais me incluo. Todos os dias somos bombardeados com notícias conflitantes sobre a origem do vírus, as intenções de governos, tanto mundiais quanto os de nossa nação, diversas teorias que conflitam entre si. Há uma guerra de narrativas em curso.

Se não é difícil perceber que há uma guerra de narrativas, não é tão fácil perceber quais as narrativas que estão em acordo com a verdade. Vou exemplificar com o que vi hoje no Twitter. Alguém postou uma série de prints, de várias pessoas diferentes, com exatamente o mesmo texto, sem tirar nem pôr uma vírgula sequer, sobre o benefício da cloroquina no tratamento do coronavírus. As pessoas que compartilharam tinham a mesma história, uma filha e um genro contaminados que tratados logo no início com a cloroquina foram curados rapidamente.

A intenção de quem compartilhou os prints era provar que os que são pró-Bolsonaro estão criando uma narrativa para que o público se convença de algo que de fato não é verdade. Em princípio talvez você pense: Há alguma dúvida sobre isso? Está muito clara a tentativa de manipular a opinião pública por meio de contas falsas. Mas pense um pouco mais...

Alguém comentou que o que está acontecendo, na realidade, é que aqueles que são contra Bolsonaro estão se passando por apoiadores da cloroquina e espalhando a mesma história na rede a fim de acusar o governo de criar uma fake news. Confuso, não?

Semanas atrás algo parecido ocorreu. Antes da saída do ministro da justiça, jornais afirmavam que ele logo estaria fora do governo. Diante da notícia, os apoiadores do governo diziam que aquilo era uma tentativa da imprensa de desestabilizar o governo, enquanto os contrários ao governo diziam que mais uma vez o presidente estava deixando “vazar” uma notícia falsa para a imprensa noticiar e, depois, não acontecendo o que se havia noticiado, a imprensa ficasse envergonhada.

Não pense que meu ponto neste texto é discutir sobre as narrativas. Minha preocupação é outra. Creio firmemente que tudo aquilo que assentimos como sendo verdade passa pela interpretação do nosso coração, pautado naquilo que ele almeja. Você percebe isto claramente ao observar o que Paulo escreve a Timóteo: “Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentido coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos, segundo os seus próprios desejos. Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos” (2Tm 4.3-4).

Mudando o que deve ser mudado, já que o texto trata da recusa de ouvir a sã doutrina e da busca de algo que vá ao encontro dos anseios daquele que recusa a verdade, o princípio permanece para tudo aquilo que o homem deseja. Você precisa atentar àquilo que o seu coração anseia, pois ouvirá as notícias a partir desta perspectiva. Desta forma, os desejos do seu coração podem direcioná-lo a assumir como verdade somente aquilo que está de acordo com o que você tanto anseia, ainda que possa ser falso, fazendo-o cair numa grande armadilha.

Quando eu proponho no texto que você não se perca entre as narrativas e fique firmado na verdade, não estou querendo dizer que é para ficar firme na verdade de uma das narrativas. Por mais que uma delas, provavelmente, esteja mais correta que a outra, não é o que elas afirmam que trará segurança ao seu coração. É preciso ser claro aqui. Muitos estão acatando certa narrativa por colocarem a sua esperança no atual governo, enquanto outros estão aderindo à outra narrativa, por colocar a esperança em qualquer outro que não seja o atual presidente. Ambas as expectativas são idólatras e, por isso, em algum momento, trarão frustração.

A única narrativa que traz verdadeira paz ao coração é a que foi revelada pelo Senhor nas Sagradas Escrituras. Aquilo que o Senhor revelou é a verdade que liberta. Por isso Jesus afirmou: “Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.31).

Se você está em Cristo, poderá viver firmado na verdade da Escritura e saberá que:

1. Deus é soberano – Nada que aconteceu, está acontecendo ou virá a acontecer, fugiu, foge ou fugirá ao seu controle. “Dele é a sabedoria e o poder; é ele quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis” (Dn 2.20,21).

Sendo assim, o coronavírus é algo estabelecido por ele, independente de como surgiu, fabricado em laboratório ou naturalmente. O atual governo é estabelecido por ele, o que é verdade também em relação aos governos anteriores e àqueles que virão no futuro.

2. É sua obrigação orar e confiar no Senhor – Os filhos de Deus têm o privilégio de poder colocar diante dele as suas petições, sabendo que ele responderá às orações conforme a sua boa vontade. Peça ao Senhor pelo fim da pandemia, interceda pelas autoridades. Goste você ou não do atual Presidente, como cristão é seu dever interceder por ele (1Tm 2.2). Neste sentido, é triste constatar que muitos que têm enfatizado o dever de orar pelo Presidente Bolsonaro não fizeram o mesmo por presidentes anteriores, que mesmo sendo de esquerda também foram levantados pelo Senhor. Não é a sua concordância com o governo o que deve movê-lo a orar, mas o atendimento à ordenança do Senhor.

3. As circunstâncias não devem definir como você se porta – Diante da falta de certezas em relação ao futuro, muitos cristãos estão desanimados, ansiosos ou ainda irados.

Pensar que o atual Presidente permanecerá no cargo e poderá ser reeleito, ou temer que os contrários consigam o impedimento do seu mandato tem levado crentes pró e contra o governo a estarem furiosos, agredindo os seus irmãos e quaisquer outros que se opuserem às suas ideias. Por não saber quando ou se a situação da pandemia irá passar, muitos estão aflitos. Por causa de incertezas em relação à vida financeira outros beiram ao desespero.

É preciso lembrar que o Soberano Deus está no controle. É preciso lembrar que ele deu solução ao pior dos problemas do homem ao enviar seu Filho a fim de morrer pelos pecados de seu povo (Mt 1.21; Jo 3.16). É preciso lembrar que em Cristo o Senhor nos concede tudo o que é necessário para a vida e para a piedade (2Pe 1.3).

Firmado nestas verdades, faça como o salmista e pergunte a si mesmo: “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim?” – crendo de todo o coração no que vem a seguir – “Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu” (Sl 42.5). Ao proceder desta forma você poderá fazer coro com Paulo que diz: “aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11-13).

A alegria de Paulo não dependia de circunstâncias, mas de estar em Cristo. Em Cristo você também encontrará alegria com ou sem o presidente que você almeja, com ou sem a pandemia e em quaisquer circunstâncias que venham pela frente, na certeza de que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28).

Continue tentando se informar e cuide para que o seu coração não o leve a escolher “a verdade” que mais se adeque aos seus anseios. Para isso, firme-se na verdade de Deus, estabelecida em sua Bendita Palavra!

12 maio 2020

Bendita certeza!

“Ao Senhor pertence a salvação!” (Jn 2.9). Esta bela declaração do livro de Jonas deveria levar todos os cristãos a uma confiança inabalável na obra de Cristo em seu favor. Entretanto, esta não é a realidade. Em muitos arraiais evangélicos, ao tratar da certeza da salvação, muitos titubeiam e afirmam que não se pode ter tal certeza, tachando de arrogantes aqueles que têm esta convicção.

Será que é de fato arrogante alguém que crê em Jesus afirmar que está plenamente convicto de que a sua salvação está garantida? Olhando para a Escritura temos abundantes exemplos de que a resposta é um sonoro não!

Pense, por exemplo, na afirmação de Paulo aos filipenses: “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). As palavras do apóstolo deixam bem claro que ele não tinha dúvidas a respeito da permanência dos crentes na fé. Paulo entendia, como pode ser visto na epístola aos Romanos, que nada pode separar os crentes “do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.39).

Esta convicção está baseada nos méritos de Cristo. É por causa de sua obra que os crentes podem descansar seguros em seu Redentor. No evangelho de João temos afirmações de Cristo que corroboram esta verdade. Jesus afirma que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, par que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3.16). A palavra eterna indica que esta vida dada àquele que crê não tem fim. Esta nova vida tem início quando o coração é regenerado e permanecerá para sempre. Como explica Hendriksen, “a vida que pertence à era futura, ao domínio da glória, torna-se possessão do crente aqui e agora; ou seja, em princípio.[1]

Ainda no evangelho de João o Senhor Jesus afirma que a vontade de Deus é que todo aquele que crer no Filho tenha a vida eterna, e que seria ressuscitado por ele no último dia (Jo 6.40). Afirmar que a salvação pode ser perdida implica, então, na crença de que o Senhor é incapaz de cumprir a sua vontade. Entretanto, o Senhor declara de forma inequívoca, por meio de Isaías: “O meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.10). Até mesmo o ímpio Nabucodonosor declarou que “não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35).

Todo aquele, portanto, que crê em Jesus Cristo pode tomar por certa a sua promessa: “eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que o Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar” (Jo 10.28,29).

Por qual razão, então, muitos não conseguem ter segurança da salvação? Pelo simples fato de não crerem nas palavras de Cristo e de acharem que a salvação, de algum modo, depende de seus próprios esforços. Falta-lhes o entendimento da verdade afirmada por Paulo de que “pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9).

Diante disso, afirmar que se tem certeza da salvação por confiar nos méritos de Cristo não é arrogância. Arrogante é a pseudo-humildade de dizer que não tem certeza, mas que está se esforçando para ser salvo, pois ignora que quando a Escritura afirma que a salvação é pela graça, mediante a fé, significa que não é possível por esforço próprio, mas única e exclusivamente pela fé na obra do Redentor, Cristo Jesus.

Entretanto, é preciso dizer um pouco mais. Os teólogos de Westminster afirmaram acertadamente que “essa segurança infalível [da salvação] não pertence de tal modo à essência da fé que um verdadeiro crente, antes de possuí-la, não tenha de esperar muito e lutar com muitas dificuldades; contudo, sendo pelo Espírito habilitado a conhecer as coisas que lhe são livremente dadas por Deus, ele pode alcança-la sem revelação extraordinária, no devido uso dos meios ordinários” (CFW XVIII.III). Eles afirmaram ainda que “por diversos modos, podem os crentes ter a sua segurança da salvação abalada, diminuída e interrompida” (CFW XVIII.IV).

É claro que o fato de um crente ter a sua segurança da salvação interrompida não significa que ele perdeu a salvação. Você já passou pela experiência de procurar por algo que estava em seu poder? Por diversas vezes isto aconteceu comigo. Já revirei a casa procurando pela carteira que estava em meu bolso. Mudando o que deve ser mudado, é desta forma que vejo os crentes que perderam a segurança da salvação. Em algum momento eles perceberão, pela graça de Deus, que a salvação que julgavam não mais ter estava o tempo todo com eles, pois o Senhor Jesus não perde aqueles que são dele.

Não se apresse, então, em declarar que aqueles que não têm certeza da salvação não estão salvos. Voltando mais uma vez à Confissão de Fé de Westminster vemos que “por diversos modos, podem os crentes ter a sua segurança de salvação abalada, diminuída e interrompida – negligenciando a conservação dela, caindo em algum pecado especial que fira a consciência e entristeça o Espírito Santo, cedendo a forte e repentinas tentações, retirando Deus a luz de seu rosto e permitindo que andem em trevas e não tenham luz mesmo os que o temem; contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de Deus e da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade de coração e consciência do dever; dessas bênçãos, a certeza de salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito, e por meio delas eles são, no entanto, suportados para não caírem no desespero absoluto” (CFW XVIII.IV).

Se você está firme na fé, louve a Deus pela bendita certeza da vida eterna. Mais ainda, no poder do Espírito Santo, busque desenvolver a sua salvação com temor e tremor, na certeza de que o Senhor tem efetuado em você o querer e o realizar, segundo a sua boa vontade (Fp 2.12,13) e, como ordenou Pedro, “procurem, com empenho cada vez maior, confirmar a vocação e a eleição de vocês; porque, fazendo assim, vocês jamais tropeçarão. Pois desta maneira é que lhes será amplamente suprida a entrada no Reino eterno do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 1.10,11).

Que esta convicção o leve a cantar com alegria: “Não sei se ainda longe está, ou muito perto vem, a hora em que Jesus virá na glória que ele tem. Mas eu sei em quem tenho crido e estou bem certo que é poderoso, guardará, pois, o meu tesouro, até o dia final.” (HNC – 105).


[1] William Hendriksen. Comentário de João. p. 166

14 abril 2020

A “ceia online” não une, divide

Quando escreveu sua primeira carta à igreja de Corinto, Paulo havia sido informado por uma família da igreja que um dos problemas que estava ocorrendo ali era de divisão. Uns se diziam de Paulo, outros de Apolo, outros de Pedro e outros de Cristo (1Co 1.11-12), possivelmente o grupo mais problemático, conforme alguns comentaristas do NT.

Este problema da divisão influenciou, inclusive, a forma como os crentes daquela igreja se portavam diante da Ceia do Senhor. No capítulo 11 da carta, a partir do verso 17 o apóstolo Paulo repreende aqueles irmãos afirmando que quando eles se ajuntavam não era o melhor, mas para o pior.

O que estava ocorrendo? Ele volta a afirmar no verso 18 que estava informado haver divisões entre os coríntios e que ele acreditava ser isto um fato. Paulo escreve: “quando vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que comeis” (19). Note bem, a despeito de estarem juntos (no mesmo lugar) a disposição do coração dos crentes fazia com que eles se portassem de modo indevido, cada um pensando em seus próprios desejos.

É por isso que ele exorta: “não tendes, porventura, casas onde comer e beber?” (22). A exortação era necessária, pois, apesar de estarem juntos, alguns tomavam “antecipadamente, a sua própria ceia; e há [havia] quem tenha fome, ao passo que há também quem se embriague” (21).

Após esta repreensão há, então, a orientação sobre a maneira correta de se portar diante da mesa do Senhor (23-25). A ceia aponta para a obra de Cristo em favor de sua Igreja e ao realizá-la, anunciamos a sua morte enquanto ansiamos por sua vinda. Após isso, vem mais uma grave exortação: “Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, como do pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si” (28-29).

A respeito deste ponto há controvérsias sobre o que seria “discernir o corpo”. Trata-se de entender que os elementos da ceia (pão e vinho) são distintos do restante da refeição que eles faziam (já que a ceia ocorria num contexto de um ajuntamento para uma refeição mútua) e representavam o corpo e o sangue do Cristo que está espiritualmente presente na Ceia? Ou significa que os que participam da mesa precisam ter um entendimento correto sobre a igreja, corpo místico de Cristo, o que faria com que eles abandonassem as divisões, fruto do egoísmo?

Argumentando que a Ceia é mais que mero memorial, Bannerman afirma acertadamente que as expressões usadas no contexto “apontam, evidentemente, para um discernimento e uma participação espirituais por parte do crente, não do símbolo, mas da bênção significada; e a um pecado terrível e espiritual, não de um abuso e profanação de símbolos exteriores, mas de um abuso e uma profanação de Cristo, que de fato está presente nesses símbolos”[1] (grifos meus).

Entretanto, entendo que o discernimento de que Cristo está espiritualmente presente nos símbolos não descarta a necessidade, também, de um correto entendimento sobre a unidade da Igreja, antes implica isso, afinal de contas, a morte de Cristo foi pelo seu corpo. Na oração sacerdotal Jesus disse: “Eu te glorifiquei na terá, consumando toda a obra que me confiaste para fazer” (Jo 17.4). Um dos resultados da obra de Jesus é descrito por ele na mesma oração: “a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste” (17.21).

A igreja de Corinto, em vez de demonstrar esta união ao se reunir para a Ceia, estava fazendo justamente o contrário, cada um pensando em si mesmo em vez de entender que faziam todos parte do mesmo corpo, sendo o momento da Ceia um momento de expressão desta unidade da igreja com Cristo e dos irmãos uns com os outros.

Corroboram com isto as palavras de Calvino ao comentar sobre aqueles que participam indignamente da Ceia do Senhor:

Pois, tal gênero de homens que, sem qualquer centelha de fé, sem qualquer sentimento de caridade, ao tomar a Ceia do Senhor se atropela à maneira de porcos, mui longe está de discernir o corpo do Senhor. Pois, até onde não crêem ser esse corpo sua vida, com a rebeldia com que podem o aviltam, despojando-o de toda sua dignidade; e, por fim, ao recebê-lo assim o profanam e contaminam. Na extensão, porém, em que, alienados dos irmãos e em desacordo com eles, ousam misturar o sagrado símbolo do corpo de Cristo com suas dissensões, não se deve a eles que o corpo do Senhor não seja rasgado e dilacerado, membro a membro[2] (grifos meus).

Diante disso, pense bem! Aqueles que têm advogado a ideia ou, sem nem mesmo refletir teologicamente, já têm feito o que chamam de “ceia online”, estão, na prática, fazendo exatamente aquilo que Paulo estava proibindo aos coríntios: dividir a igreja.

Os coríntios estavam divididos por conta do egoísmo daqueles que não consideravam e não esperavam seus irmãos e o que está por trás da prática da ceia online é a ideia de que não é preciso estar reunido com o corpo, não é preciso o ajuntamento solene no mesmo lugar a fim de participar do sacramento. Eu posso fazer isso da minha própria casa, assistindo a uma transmissão em que um pastor, distante de mim e dos demais irmãos, consagra os elementos. Não importa se não estou juntos aos meus irmãos, eu quero é participar da ceia. A “necessidade” individual está aqui sendo posta em primeiro lugar.

Para aqueles que, como eu, são presbiterianos, é preciso lembrar também daquilo que ensinam os nossos Símbolos de fé. Ao tratar da Ceia a Confissão de Fé de Westminster estabelece que

Nessa ordenança, o Senhor Jesus Constituiu os seus ministros para declarar ao povo a sua palavra de instituição, orar, abençoar os elementos, pão e vinho, e assim separá-los do uso comum para um uso sagrado, para tomar e partir o pão, tomar o cálice (dele participando também) e dar ambos os elementos aos comungantes, e tão somente aos que se acharem presentes na congregação (CFW XXIX.III – grifos meus).

Está bem claro aqui o caráter comunitário da Ceia onde todos os presentes no culto partilham do mesmo pão e do mesmo cálice. Isso fica ainda mais claro no parágrafo seguinte da confissão:

A missa particular ou recepção do sacramento por um só sacerdote ou por uma só pessoa, bem como a negação do cálice ao povo, a adoração dos elementos, a elevação ou procissão deles para serem adorados, e a sua conservação para qualquer uso religioso, são coisas contrárias à natureza deste sacramento, e à instituição de Cristo (CFW XXIX.IV – grifos meus).

Ao comentar estas seções, Van Dixhoorn esclarece:

A última linha do terceiro parágrafo especifica que a ceia do Senhor não deve ser recebida de forma privada. Um motivo pelo qual a Assembleia de Westminster desaprovava que o pão e o vinho fossem levados a pessoas ausentes no culto de adoração foi apresentado no parágrafo primeiro: o objetivo desta refeição é celebrar a comunhão não somente com Cristo, mas também com os demais cristãos.

Um segundo motivo relacionado ao porquê a assembleia desaprovava a comunhão privada é extraído da igreja disfuncional de Corinto: não somente a abordagem individualista dos crentes de Corinto mereceu uma repreensão apostólica (1Co 11.20; cf. 17-22), mas também parece ter sido o padrão estabelecido dos primeiros cristãos ‘reunidos’ [...] partir o pão’ e não o comer em isolamento (e.g., At 20.7).

Um terceiro motivo pelo qual a assembleia trabalhou para banir a prática ainda popular da comunhão privada é sugerido no parágrafo 2 e esclarecido na linha inicial do parágrafo 4: a Igreja Católica Romana há muito ensinava a eficácia da missa para a salvação; os sacerdotes ofereciam missas privadas como um tipo de graça salva-vidas. A assembleia considerava a continuação da comunhão privada um pobre exemplo, mesmo nas igrejas onde a teologia da ceia do Senhor tinha sido corrigida. Como os israelitas que deveriam se lembrar dos rebeldes dos dias pelo deserto, os protestantes deveriam se lembrar dos romanistas do deserto teológico e evitar os caminhos destes (1Co 10.6)”[3] (grifos meus).

Diante do ensino das Escrituras e do que estabelece a Confissão de Fé não há, portanto, a menor possibilidade de realizar a chamada “ceia online”, pelo menos para os presbiterianos.

Aqueles que estão tentando inovar com esta prática estão dividindo o corpo e repetindo erros do passado. Além disso, estão abrindo um precedente perigoso, pois, quando as coisas retornarem à normalidade, o que impedirá estas igrejas de continuarem a celebrá-la online? Mais ainda, estas igrejas acabam por estimular os desigrejados, que entendem não haver a necessidade de se estar ligado a uma igreja local, a permanecerem como estão, pois aquilo que eles antes não tinham, a comunhão da mesa do Senhor, pode ser agora “desfrutada” do sofá de suas casas sem precisarem se submeter aos líderes que o Senhor estabeleceu para a sua igreja, tampouco se envolverem com outros.

Os tempos de pandemia que vivemos têm sido terríveis para aqueles que amam o Senhor e à sua igreja. Entretanto, nada está fora do controle soberano de Deus que diz, por meio de Paulo, em sua Palavra que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28). Em vez de inovações, é tempo, então, de refletirmos a respeito de nossas convicções. É tempo de pensarmos sobre o quanto, de fato, consideramos a Bíblia a nossa regra de fé e de prática. É tempo de voltar os olhos para a história da igreja a fim de não incorrermos em erros do passado.

Almeje e ore para que o Senhor nos abençoe e nos dê mais uma vez a benção de estarmos reunidos como um só corpo, ouvindo sua voz por meio da pregação pública e participando do sacramento em que anunciamos a morte de Cristo em favor do seu povo que, unido, agora anseia pela vinda daquele que está vivo!


[1] Bannerman, James. A Igreja de Cristo: Um Tratado sobre a Natureza, Poderes, Ordenanças, Disciplina e Governo da Igreja Cristã (VOLUMES 1 e 2) . Os Puritanos. Edição do Kindle.

[2] Calvino, J. (2006). As Institutas. (Edição Clássica, Vol. 4, p. 391). São Paulo: Editora Cultura Cristã.

[3] Dixhoorn, Chad Van. (2017). Guia de estudos da Confissão de Fé de Westminster. p. 393. São Paulo: Editora Cultura Cristã.

31 março 2020

Saudades do culto solene

“Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita. Apegue-se-me a língua ao paladar, se não lembrar de ti, se não preferir eu Jerusalém à minha maior alegria”.

Salmo 137.5-6

O contexto do texto acima, claro, é diferente do nosso. Levado ao cativeiro, o povo de Deus ouvia os deboches dos seus opressores. Conforme Joel Beeke, os cânticos que eles pediam que fossem entoados, “segundo a definição mais aceita, são os salmos que começam com a palavra ‘Aleluia’. Eles falam da grandeza de Jerusalém, de Sião, do templo ou da proteção que o povo de Deus encontrava nele”[1]. Agora, os mesmos que arrasaram a Sião pediam ao povo que cantasse a respeito da grandeza da cidade e do seu Deus, certamente um grande escárnio.

É preciso saber disso a fim de compreender as duras palavras de imprecação, proferidas no final do salmo, que pediam a Deus que desse o pago aos inimigos pelo mal que haviam feito a eles. A oração é um clamor pela justiça de Deus, pois o que estava em jogo era o povo de Deus que, se exterminado, não veria cumprida a promessa de redenção, da parte do Senhor.

Mas meu ponto hoje diz respeito ao ajuntamento solene do povo de Deus. É bem verdade que estamos distantes desse contexto de guerra e perseguição que vivia o povo de Deus na antiga aliança, entretanto, certamente estamos junto deles no sentido de que também nos encontramos privados do culto solene, em decorrência da pandemia que assola o mundo.

Pense você o que quiser pensar a respeito da verdade ou não da epidemia, se o vírus é ou não tudo isso que dizem, se ela é ou não orquestrada por interesses político-econômicos, se a mídia está ou não em campanha para provocar a histeria, a verdade é que tudo isso está debaixo do governo de Deus, que soberanamente usa todos os atos bons ou maus, dos homens bons ou maus, para providencialmente cumprir a sua vontade.

Diante disso, a pergunta é: como você se sente ao estar sem o culto solene do Dia do Senhor? Atente bem à expressão do salmista: “Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita. Apegue-se-me a língua ao paladar, se não me lembrar de ti, se não preferir eu Jerusalém à minha maior alegria”. É preciso lembrar o que o templo que estava em Jerusalém significava para o povo de Deus. Ali estava o símbolo da presença de Deus no meio do povo.

É por causa disso que temos expressões como “uma coisa peço ao Senhor, e a buscarei: que eu possa morar na Casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do Senhor e meditar no seu templo” (Sl 27.4), ou “eu amo, Senhor, a habitação da tua casa e o lugar onde tua glória assiste” (Sl 26.80), ou ainda, “quão amáveis são os teus tabernáculos, Senhor dos Exércitos! A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do Senhor; o eu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo!” (Sl 84.1-2).

Alguns podem objetar neste ponto, dizendo que os textos se referem ao templo e que hoje não temos mais necessidade dele, pois insistir com a figura do templo seria voltar às sombras. É claro que concordo que não temos mais o templo e que o espaço que a igreja usa para adoração, chamada por muitos de templo, não tem a mesma característica do Templo no Antigo Testamento, pois o culto ao Senhor não está restrito a um lugar, como afirmou Jesus à mulher samaritana (Jo 4).

Estou em acordo com Bannerman que escreveu:

Sem dúvida nenhuma é verdade que o Espírito de Deus habita em cada crente de forma individual, fazendo da alma e corpo deles o seu templo, e glorificando o lugar da sua presença com todas as graças celestiais e santas. Mas, acima e além disso, num sentido mais elevado que não se pode aplicar a nenhum crente de forma individual, o Espírito de Deus faz a sua habitação na igreja, enriquecendo-a com toda a plenitude de vida e poder e privilégio que nenhum crente pode receber ou conter individualmente[2] (grifos meus).

Sobre esta igreja Bannerman diz ainda que

as Escrituras nos asseguram que há uma igreja que é a santa Noiva de Cristo, unida a ele por um pacto eterno — uma associação que ele chama de seu corpo espiritual, do qual ele é o Cabeça exaltado — uma comunidade descrita como “templo do Espírito Santo”, cujos membros são “pedras vivas e espirituais” usadas na sua construção[3].

Ou seja, onde está o povo de Deus reunido em obediência à santa convocação para o culto do Dia do Senhor, ali está o Templo de Deus! Logo, você precisa olhar para todos os textos do Antigo Testamento em que o povo ansiava pelo templo, ou pela Casa do Senhor, entendendo que o princípio permanece: O ajuntamento para a adoração ao nome do Senhor é algo pelo que os cristãos precisam ansiar!

Em tempos de isolamento, os cristãos devem clamar ao Senhor que muito em breve conceda a bênção do retorno àquilo que lhes deveria ser mais caro, o ajuntamento do povo de Deus a fim de prestar culto ao seu nome!

O lamento do salmo 137 ecoa o de Jeremias, que escreveu: “Os caminhos de Sião estão de luto, porque não há quem venha à reunião solene (Lm 1.4). A Igreja do Antigo Testamento sabia e a Igreja neotestamentária tem de ter esta mesma convicção de “como é bom e agradável viverem unidos os irmãos”, pois, “ali [no ajuntamento] ordena o Senhor a sua bênção e a vida para sempre” (Sl 133).

Louvemos a Deus pelos recursos tecnológicos que temos hoje, que têm permitido que a Palavra de Deus chegue aos lares dos crentes que podem cultuar de forma doméstica neste tempo em que as autoridades orientam a evitar as aglomerações, mas não pensemos que o culto doméstico se equipara ao culto solene ordenado pelo Senhor, quando a Igreja, composta de várias famílias redimidas por Jesus Cristo, bendizem juntas o seu Salvador, compartilham dons e participam dos sacramentos.

Sobre isto, atentemos ao que ensina a Confissão de Fé de Westminster, padrão de fé para os presbiterianos:

Agora, sob o Evangelho, nem a oração, nem qualquer outro ato do culto religioso é restrito a um certo lugar, nem se torna mais aceitável por causa do lugar em que se ofereça ou para o qual se dirija, mas Deus deve ser adorado em todo lugar, em espírito e em verdade, tanto em família, diariamente, e em secreto, estando cada um sozinho, como também, mais solenemente, em assembleias públicas, que não devem ser descuidadas, nem voluntariamente desprezadas nem abandonadas, sempre que Deus, pela sua providência, proporcione ocasião. (CFW XXI.VI).

Minha oração é para que o povo de Deus aprenda a valorizar cada vez mais o ajuntamento solene, não o deixando por quaisquer descuidos. Que o Senhor, muito em breve, permita que a sua Igreja possa voltar a se reunir, para a sua própria glória e louvor!


[1] Bíblia de estudo Herança Reformada

[2] Bannerman, James. A Igreja de Cristo. Os Puritanos. Ed. Kindle

[3] [3] Bannerman, James. A Igreja de Cristo. Os Puritanos. Ed. Kindle

20 janeiro 2020

Os membros da IPB e os símbolos de fé

Recentemente tive notícia de uma série de posts no Twitter de presbiterianos que se dizem contra o pedobatismo. Apesar de fazer tanto sentido quanto alguém se dizer pentecostal, mas não crer em dom de línguas e revelação, isso não é necessariamente uma novidade. Desde que eu me tornei membro da IPB que sei de membros da igreja que não apresentam seus filhos ao batismo, sob a crença de que somente quando eles crescerem é que poderão tomar uma decisão por Cristo e, consequentemente, serem batizados. A pergunta aqui deveria ser por qual razão tais irmãos escolheram fazer parte de uma igreja pedobatista em vez de filiar-se a uma igreja credobatista[1].

Neste post não pretendo provar que a prática do batismo infantil é bíblica. Essa é minha convicção e já escrevi sobre isso em outro post (clique e leia), mas hoje vou me deter em outra questão, da qual também já fui defensor, a saber, a tese de a IPB não exigir dos membros a subscrição dos símbolos de fé, sendo esta exigência a ser feita apenas aos oficiais.

Estudando sobre este assunto em nossos padrões de fé e na Constituição da Igreja (CI/IPB), cheguei à conclusão de que os membros devem sim acatar todas as doutrinas expostas na Confissão a fim de serem recebidos como membros da IPB. Para ilustrar, aproveitando o momento em que muitos falam contra o pedobatismo, vou usar esta doutrina para exemplificar o que penso agora.

Primeiramente é preciso lembrar o que preceitua o primeiro artigo da CI/IPB:

Art.1 - A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de Igrejas locais, que adota como única regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamento e como sistema expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve; rege-se pela presente Constituição; é pessoa jurídica, de acordo com as leis do Brasil, sempre representada civilmente pela sua Comissão Executiva e exerce o seu governo por meio de Concílios e indivíduos, regularmente instalados.

Ou seja, está bem claro que a IPB tem uma doutrina bem estabelecida, expressa em nossos símbolos de fé. Ao olhar para a Confissão de Fé nota-se que está estabelecido que a igreja visível “consta de todos aqueles que pelo mundo inteiro professam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos” (CFW XXV.II). Ao tratar do sacramento do batismo, a Confissão de Fé afirma que “não só os que professam a sua fé em Cristo e obediência a ele, mas os filhos de pais crentes (embora só um deles o seja) devem ser batizados” (CFW XXVIII.IV).

Esta é a razão de você ler no artigo 2 da CI/IPB que “A Igreja Presbiteriana do Brasil tem por fim prestar culto a Deus, em espírito e verdade, pregar o evangelho, batizar os conversos, seus filhos e menores sob sua guarda”.

Quando a Constituição trata dos deveres dos membros da igreja, temos dois desses deveres que precisam ser observados para a nossa discussão: “a) viver de acordo com a doutrina e prática da Escritura Sagrada; d) obedecer às autoridades da Igreja, enquanto essas permanecerem fiéis às Sagradas Escrituras” (CI/IPB Art. 14).

É claro que o crivo para aferir a fidelidade dos oficiais da Igreja à Escritura são os símbolos de fé, adotados pela IPB como sistema expositivo de doutrina. É fácil perceber isso ao verificar o nosso código de disciplina que, ao definir o que é uma falta passível de disciplina, afirma que “falta é tudo que, na doutrina e prática dos membros e concílios da Igreja, não esteja de conformidade com os ensinos da Sagrada Escritura, ou transgrida e prejudique a paz, a unidade, a pureza, a ordem e a boa administração da comunidade cristã” e em seu parágrafo único sustenta que “Nenhum tribunal eclesiástico poderá considerar como falta, ou admitir como matéria de acusação aquilo que não possa ser provado como tal pela Escritura, segundo a interpretação dos Símbolos da Igreja (CI/IPB, Art. 1º)” (CD/IPB Art. 4).

Não é sem razão, então, que uma das funções privativas do Conselho da igreja local seja “velar por que os pais não se descuidem de apresentar seus filhos ao batismo” (CI/IPB, Art. 83, letra u).

Diante disso, penso que aqueles que são recebidos como membros, ao se comprometerem a obedecer às autoridades da igreja estão também reconhecendo que o ensino dessas autoridades, que precisa ser segundo o que está exposto nos símbolos de fé, é um ensino correto.

Seria um contrassenso receber membros que não acatam a doutrina da Igreja, sendo que eles estarão sujeitos à disciplina, como é o caso daqueles que não apresentam os seus filhos ao batismo.

Respondendo à objeções

A despeito de tudo isso há por parte de muitos o entendimento de que a aceitação das doutrinas expostas nos símbolos de fé é uma exigência apenas para os oficiais, por isso, é preciso responder às objeções.

Objeção 1: O Manual de Culto da IPB não traz uma pergunta a respeito da aceitação das doutrinas dos símbolos de fé.

Resposta: Como já afirmei, esta foi minha posição por bastante tempo, mas mediante tudo o que expus a respeito do que está na Confissão, na Constituição da Igreja e em seu código de disciplina, cheguei à conclusão de que esta exigência está sim nas perguntas do código de disciplina, não explicitamente, mas de forma implícita, considerando tudo o que dizem os símbolos de fé e o Manual Presbiteriano.

A última das perguntas que constam no Manual de Culto é a seguinte: “E prometeis mais que, como membros desta Igreja, vos sujeitareis sempre à sua disciplina, e às autoridades nela constituídas para seu ensino e governo, enquanto forem fiéis às Sagradas Escrituras?”.

Diante de tudo o que foi exposto, não é difícil entender que ao prometer que se sujeitará às autoridades para o ensino e governo, o membro está acatando, no fim das contas, a doutrina expressa nos símbolos de fé, visto que os oficiais não podem ensinar nada que esteja em oposição a eles.

Objeção 2: Não podemos negar a água do batismo a quem já foi batizado pelo Espírito Santo, só por não aceitar um ou outro ponto doutrinário.

Resposta: Se isso é verdade, por coerência, nenhum Conselho pode disciplinar membros que não queiram, por exemplo, apresentar seus filhos ao batismo.

Ainda que em nossos Princípios de Liturgia esteja claro que “os membros da Igreja Presbiteriana do Brasil devem apresentar seus filhos para o batismo, não devendo negligenciar esta ordenança” (PL/IPB, Art. 11), que a Constituição da IPB estabeleça que o Conselho deve velar para que os pais não descuidem de apresentar os filhos ao batismo e o Código de Disciplina da IPB afirmar que falta é tudo que na doutrina e prática dos membros não esteja em acordo com as Escrituras conforme a interpretação dos símbolos, nenhum Conselho teria o direito de negar a comunhão da igreja a um membro somente por uma “simples discordância”.

Logo, não precisaríamos nem ter tudo isso explícito em nossos documentos, visto que na prática, não poderíamos sustentar estas posições.

Pra terminar

Há outras objeções que poderiam ser levantadas, mas creio que estas duas são as mais aparentes e que causam mais incômodo. A Igreja Presbiteriana do Brasil tem doutrina definida e a adesão à membresia da igreja é algo voluntário.

Por um lado, os Conselhos das Igrejas precisam ser mais zelosos na recepção de membros, a fim de não trazerem para a igreja problemas que poderiam ser facilmente evitados. Não faz o menor sentido receber um membro que discorde de uma doutrina como o batismo infantil sabendo que ele deverá ser disciplinado quando não apresentar os seus filhos para receberem o sinal e selo do Pacto.

Por outro lado, aqueles que desejam filiar-se à uma denominação, no nosso caso à IPB, devem fazê-lo de uma forma que sejam abençoados e que também sejam uma bênção para a igreja. Aqueles que não concordam com as doutrinas expressas em nossos símbolos de fé têm diante de si várias denominações que creem de forma distinta da nossa. Que se filiem a elas e trabalhem para a glória de Deus, conforme a sua consciência e entendimento bíblico. Creio que isto é melhor do que ser um problema dentro de uma igreja local.


[1] A posição pedobatista defende o batismo dos filhos dos crentes, por entender que eles estão inseridos no Pacto. A posição credobatista entende que o batismo é somente para aqueles que expressam a sua fé em Cristo, deixando de fora, por razões lógicas, as crianças. Estas somente serão batizadas quando declararem a sua fé.