Aqueles que não repararam que a pergunta é uma pegadinha já devem ter pensado: “Que pergunta mais óbvia é esta? Não há como comparar Paulo com Jesus...”.
Pensando somente na resposta, eu concordaria de imediato, afinal de contas o Senhor Jesus é perfeito e não pecou, enquanto Paulo é pecador como nós e, para usar suas próprias palavras, o principal dos pecadores (1Tm 1.15). Porém, a pergunta não se refere a Jesus e Paulo, mas àquilo que falou Jesus em comparação ao que falou Paulo.
Explico: não é de hoje que vejo cristãos afirmando ser aquilo que saiu dos lábios de Jesus mais importante que os ensinos do apóstolo. Com a publicação de uma versão da Bíblia em que as palavras de Jesus vinham destacadas em vermelho, o problema só aumentou. Em discussões doutrinárias o argumento de muitos passou a ser: “Esses versículos são mais importantes, pois aqui foi o próprio Senhor quem falou e não Paulo, Pedro ou algum outro.”
Recentemente uma irmã questionou um texto escrito por um amigo e que tratava da submissão da esposa ao marido argumentando que o único a falar dessa submissão era Paulo, que Jesus nunca havia mencionado uma palavra sequer sobre esse assunto e que, como cristã, seguiria a Jesus e não ao apóstolo.
Aqueles que entendem dessa forma estão diante de um grande problema e caíram numa armadilha da qual nem se deram conta. O problema é o fato de não termos na Bíblia uma linha sequer escrita pelo próprio Senhor. O que temos são discursos atribuídos a ele, mas escritos pelos evangelistas, portanto não seria o caso de crer no que Jesus falou “em oposição” ao que falou Paulo, mas no que os evangelistas escreveram “em oposição” ao que escreveu Paulo, e aqui está a armadilha.
Uma alegação daqueles que estão na armadilha seria a de que os evangelistas andaram com Jesus e aprenderam com ele, enquanto Paulo foi um apóstolo que não teve contato com o Senhor. Eu perguntaria então como sabemos que os evangelistas andaram com Jesus e a resposta óbvia seria que eles mencionam isso em seus escritos. Se é assim, temos a mesma alegação nos escritos de Paulo que afirma: “Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo” (Gl 1.11-12).
Quem entende que Jesus disse coisas opostas ao que disse Paulo tem então um grande problema a resolver, a saber, provar que Jesus, de fato, disse o que os evangelistas afirmam que ele disse.
O que está por detrás desse pensamento falacioso é um conceito errado sobre a Bíblia, é não entender que o Senhor é o autor primário das Escrituras sendo ela, então, “inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda a boa obra” (1Tm 3.16-17).
Outro conceito errado decorre desse primeiro. Quando se aceita a inspiração, a autoridade da Palavra é do próprio Deus, mas negando-se isso a autoridade passa a ser de quem lê. Assim, o leitor aceita o que está em acordo com o seu pensamento e rejeita o que acha errado. É impossível não citar aqui as palavras de Agostinho que certa vez afirmou que “se, no Evangelho, você crê no que quer e rejeita o que não quer, não crê no Evangelho, mas em si mesmo”.
Quando se crê que Deus é autor primário das Escrituras, sendo os escritores apenas instrumentos para registrar a sua vontade de forma infalível (2Pe 1.20-21), como é o meu caso, não se tem o problema relatado acima. Posso crer que as palavras atribuídas a Jesus pelos evangelistas foram mesmo ditas por ele, bem como crer que as palavras proferidas por Paulo foram também aprendidas de Cristo.
Com esta convicção, leiamos toda a Bíblia na certeza de que o nosso Senhor fala em cada uma de suas páginas e, como servos, submetamo-nos de coração às suas ordenanças, acatando todo o desígnio de Deus.