30 junho 2011

As palavras de Jesus são mais importantes que as de Paulo?

questionAqueles que não repararam que a pergunta é uma pegadinha já devem ter pensado: “Que pergunta mais óbvia é esta? Não há como comparar Paulo com Jesus...”.

Pensando somente na resposta, eu concordaria de imediato, afinal de contas o Senhor Jesus é perfeito e não pecou, enquanto Paulo é pecador como nós e, para usar suas próprias palavras, o principal dos pecadores (1Tm 1.15). Porém, a pergunta não se refere a Jesus e Paulo, mas àquilo que falou Jesus em comparação ao que falou Paulo.

Explico: não é de hoje que vejo cristãos afirmando ser aquilo que saiu dos lábios de Jesus mais importante que os ensinos do apóstolo. Com a publicação de uma versão da Bíblia em que as palavras de Jesus vinham destacadas em vermelho, o problema só aumentou. Em discussões doutrinárias o argumento de muitos passou a ser: “Esses versículos são mais importantes, pois aqui foi o próprio Senhor quem falou e não Paulo, Pedro ou algum outro.”

Recentemente uma irmã questionou um texto escrito por um amigo e que tratava da submissão da esposa ao marido argumentando que o único a falar dessa submissão era Paulo, que Jesus nunca havia mencionado uma palavra sequer sobre esse assunto e que, como cristã, seguiria a Jesus e não ao apóstolo.

Aqueles que entendem dessa forma estão diante de um grande problema e caíram numa armadilha da qual nem se deram conta. O problema é o fato de não termos na Bíblia uma linha sequer escrita pelo próprio Senhor. O que temos são discursos atribuídos a ele, mas escritos pelos evangelistas, portanto não seria o caso de crer no que Jesus falou “em oposição” ao que falou Paulo, mas no que os evangelistas escreveram “em oposição” ao que escreveu Paulo, e aqui está a armadilha.

Uma alegação daqueles que estão na armadilha seria a de que os evangelistas andaram com Jesus e aprenderam com ele, enquanto Paulo foi um apóstolo que não teve contato com o Senhor. Eu perguntaria então como sabemos que os evangelistas andaram com Jesus e a resposta óbvia seria que eles mencionam isso em seus escritos. Se é assim, temos a mesma alegação nos escritos de Paulo que afirma: “Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo” (Gl 1.11-12).

Quem entende que Jesus disse coisas opostas ao que disse Paulo tem então um grande problema a resolver, a saber, provar que Jesus, de fato, disse o que os evangelistas afirmam que ele disse.

O que está por detrás desse pensamento falacioso é um conceito errado sobre a Bíblia, é não entender que o Senhor é o autor primário das Escrituras sendo ela, então, “inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda a boa obra” (1Tm 3.16-17).

Outro conceito errado decorre desse primeiro. Quando se aceita a inspiração, a autoridade da Palavra é do próprio Deus, mas negando-se isso a autoridade passa a ser de quem lê. Assim, o leitor aceita o que está em acordo com o seu pensamento e rejeita o que acha errado. É impossível não citar aqui as palavras de Agostinho que certa vez afirmou que “se, no Evangelho, você crê no que quer e rejeita o que não quer, não crê no Evangelho, mas em si mesmo”.

Quando se crê que Deus é autor primário das Escrituras, sendo os escritores apenas instrumentos para registrar a sua vontade de forma infalível (2Pe 1.20-21), como é o meu caso, não se tem o problema relatado acima. Posso crer que as palavras atribuídas a Jesus pelos evangelistas foram mesmo ditas por ele, bem como crer que as palavras proferidas por Paulo foram também aprendidas de Cristo.

Com esta convicção, leiamos toda a Bíblia na certeza de que o nosso Senhor fala em cada uma de suas páginas e, como servos, submetamo-nos de coração às suas ordenanças, acatando todo o desígnio de Deus.

16 junho 2011

Deus vai te honrar, irmão!

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A frase que dá título a esta pastoral está frequentemente na boca de cristãos, citada da seguinte forma: “Faça o que é certo, e Deus vai te honrar!” É assim que muitos crentes são motivados a cumprir aquilo que a Escritura ordena, mas será essa uma atitude correta?

Quando se faz o que é correto, pensando no “benefício” de ser honrado, revela simplesmente um coração egoísta, preocupado com sua própria glória. O ensino bíblico, entretanto, é claro. Por meio de Isaías o Senhor afirma: “A minha glória, não a dou a outrem” (Is 48.11). Deus não fica obrigado a nos honrar quando fazemos o que é certo e isso é facilmente percebido nas Escrituras.

No Evangelho conforme Lucas, Jesus ensina que os discípulos deveriam perdoar ao irmão arrependido, ainda que ele pecasse sete vezes no mesmo dia, mas se arrependesse. Diante disso, os discípulos pediram ao Senhor que lhes aumentasse a fé. Jesus então conta a parábola de um servo que arou durante todo o dia e que, chegando à noite, foi ordenado pelo seu patrão a servir a mesa. Por mais cansado que estivesse, a obrigação do servo era servir ao seu senhor. Jesus então pergunta: “Porventura, terá de agradecer ao servo porque este fez o que lhe havia ordenado?” – e completa – “Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer” (Lc 17.9-10).

O ensino de Jesus é claro. Os discípulos deveriam fazer o que estava sendo ordenado, sem esperar recompensa. É isso que a expressão “somos servos inúteis” enfatiza, o humilde reconhecimento de ter cumprido uma obrigação.

Uma história que ensina muito bem a forma correta de o crente se portar é a dos amigos de Daniel. Sadraque, Mesaque e Abede-Nego foram denunciados por não se dobrar diante da estátua de Nabucodonosor, que mandou chamá-los. O rei deu mais uma chance para que eles se prostrassem diante da imagem sob pena de serem lançados na fornalha de fogo, caso se recusassem. Questionou ainda sobre qual seria o deus que os livraria de suas mãos (Dn 3.1-15). A resposta que deram ao rei foi contundente: “Quanto a isto não necessitamos te responder. Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste” (Dn 3.16-18).

A postura dos três jovens foi perfeita. Eles sabiam que Deus era poderoso para livrá-los, mas deixaram bem claro que ele não estava obrigado a isso. Ainda assim, sob o risco de perderem a vida, fizeram o que era correto diante de Deus. Não fizeram para ser honrados, mas para tributar glória ao Senhor.

Alguém poderia perguntar sobre o texto de 1Samuel 2.30, sobre como interpretar, então, o que o Senhor diz ali: “Aos que me honram, honrarei.” A resposta é que não precisamos negar que Deus pode “honrar” seus servos, se assim desejar, mas compreender que a motivação para viver em conformidade com os preceitos da Escritura não é a busca da nossa honra, mas a honra do único que é digno de louvor.

Roguemos ao Senhor que nos faça obedientes e humildes, buscando sempre a sua honra, e que todas as vezes que formos tentados a buscar nossa própria honra nos lembremos bem daquilo que afirmou João Batista, “convém que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30).

11 junho 2011

A glória de Deus e seus “efeitos colaterais”

archery_target“O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre” é a resposta à primeira pergunta do Breve Catecismo (Qual é o fim principal do homem?). Ela aponta para a afirmação de Paulo de que “dele, por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” e para sua ordem aos coríntios de fazer tudo para a glória de Deus (1Co 10.31).

Assim deveria ser a vida do cristão, porém muitas vezes nos perdemos e acabamos direcionando todas as coisas que deveriam ser para a glória de Deus para outro objetivo. Para exemplificar quero abordar somente duas questões, a evangelização e o testemunho cristão.

Sabemos que a Bíblia ordena a evangelização. Somos chamados para proclamar as virtudes daquele que nos chamou das trevas para sua maravilhosa luz (1Pe 2.9). A proclamação tem por objetivo a glória de Deus, independente dos seus resultados. Quando a Palavra de Deus é anunciada com fidelidade, glorifica o Senhor ainda que endureça os corações. Muitas vezes ela será pregada justamente para isso. É bom lembrar que o próprio Senhor, respondendo à pergunta dos discípulos sobre a razão de falar por parábolas, afirmou: “A vós outros é dado conhecer os mistério do reino dos céus, mas àqueles não é isso permitido” (Mt 13.11).

Quando se perde a perspectiva de que a razão primária para a evangelização é a glória de Deus e entende-se que ela se presta primeiramente para salvar os pecadores, o evangelho acaba por ser maculado e distorcido e os métodos são os mais pragmáticos, pois visam simplesmente a fazer prosélitos e, para isso, é bom apresentar uma mensagem que soe bem aos ouvidos do pecador.

O testemunho cristão também é ordenado. No sermão do monte o Senhor afirmou que seus discípulos são a luz do mundo e que essa luz deveria brilhar diante dos homens para que estes, vendo suas boas obras, glorificassem ao Pai do Céu (Mt 5.16). A razão primária para um bom testemunho, portanto, é a glória de Deus. É claro que quando o crente é uma fiel testemunha do Senhor seus atos o fazem ser vistos como uma boa pessoa, ou, em outras palavras, ter uma boa reputação. Por isso, Pedro pergunta a seus leitores: “Ora, quem é que vos há de maltratar, se fordes zelosos do que é bom?” (1Pe 3.13).

Quando, porém, a preocupação primária é com a reputação, em vez da glória de Deus, o homem acaba por se tornar um fariseu. Os fariseus faziam muitas coisas boas, mas sempre com a motivação errada. Eles davam esmolas (Mt 6.2), oravam (Mt 6.5), jejuavam (Mt 6.16) e o Senhor afirma que tudo isso era feito diante dos homens, com o fim de serem vistos por eles, atitude que deveria ser evitada por seus discípulos (Mt 6.1).

Ainda que querer ver pecadores salvos e ter uma boa reputação sejam coisas boas, elas não podem ser um fim em si mesmas, pois isso não trará glória a Deus. Vivendo, porém, o cristão para a glória do seu Redentor, elas podem ser um maravilhoso “efeito colateral” que decorrerá de uma motivação piedosa e santa.

Deve ficar claro, entretanto, que viver para a glória de Deus nem sempre trará resultados bons aos nossos olhos. No texto em que Pedro pergunta aos leitores sobre quem os maltrataria se fossem zelosos do que é bom ele contempla também a possibilidade de sofrimento e, sem deixar espaço para que alguém pensasse ser injusto sofrer por fazer o que era certo, ele anima os irmãos dizendo: “Mas, ainda que venhais a sofrer por causa da justiça, bem-aventurados sois [...[, porque, se for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o mal” (1Pe 3.14,17).

Confiados no Senhor, vivamos então para a sua glória, sabendo que os resultados desse viver sempre ocorrerão de acordo com sua vontade soberana e, quer sejam bons ou ruins (pela nossa perspectiva), sempre cooperarão para o bem daqueles que amam a Deus e são chamados segundo o seu propósito (Rm 8.28).