28 dezembro 2011

A descrença nas Escrituras; ou: Cris Poli, uma evangélica que não conhece a Bíblia

Cris Poli tem sido celebrada no meio evangélico como uma excelente educadora. Sua fama com o programa Supernanny e a “descoberta” de que ela é evangélica foram suficientes para que várias igrejas a convidassem para dar palestras. Aqui mesmo, na grande Vitória, ela já esteve em uma igreja.

Sem entrar no mérito questionável da sua proposta educativa, que ensina os pais a fazerem trocas com os filhos, quero chamar a atenção ao que ela respondeu a uma revista evangélica aqui do estado quando foi questionada sobre a lei da palmada:

“Eu não acredito em palmada educativa. Ela é uma invenção que não sei de onde saiu, acho que veio para justificar o fato de bater na criança e que foi colocado como um processo de educação. Bater não educa. Eu não sou a favor de bater [...] E essa palmadinha educativa é muito relativa, afinal, como você regula ou administra o que é educativo e o que não é, o que é espancar e o que é bater de ´levinho´... (grifo meu).

Eu vejo que bater, mesmo que seja a tal palmada pedagógica, é uma coisa violenta, por mais que os pais digam que não faz mal, ninguém gosta de receber um tapa, nem mesmo um adulto”.

Os evangélicos têm a Bíblia como regra de fé e prática e, sendo uma evangélica, Cris Poli deveria conhecer muito bem as Escrituras, que afirmam:

· “O que retém a vara aborrece a seu filho, mas o que o ama, cedo, o disciplina” (Pv 3.24);

· “Castiga a teu filho, enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-lo” (Pv 19.18);

· “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela” (Pv 22.15);

· “Não retires da criança a disciplina, pois, se a fustigares com a vara, não morrerá. Tu a fustigarás com a vara e livrarás a sua alma do inferno” (Pv 23.13,14);

· “A vara e a disciplina dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma vem a envergonhar a sua mãe” (Pv 29.15);

· “estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és eprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há que o pai não corrige? Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos. Além disso, tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos corrigiam, e os respeitávamos; não havemos de estar em muito maior submissão ao Pai espiritual e, então, viveremos? [...] Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça” (Hb 12.5-9;11)

Quem “inventou” a disciplina física, pelo que vemos, foi o próprio Senhor, e nesses versículos podemos perceber que:

1. A disciplina física é, muitas vezes, necessária quando a criança é estulta;

2. Disciplina física não é violência. A Bíblia proíbe o excesso;

3. Não disciplinar os filhos é deixa-los entregues ao próprio coração;

4. A disciplina física não é para extravasar a ira dos pais, mas para chamar a criança à consciência, para que ouça o ensino;

5. A disciplina não é algo que traz alegria, no momento em que é aplicada, nem para os pais que amam os filhos, nem para os filhos que não entendem muitas vezes que aquilo será para o seu próprio bem, mas ao longo do tempo produz resultados.

É óbvio, como afirmou Cris Poli, que ninguém gosta de receber um tapa. A própria Escritura afirma que a disciplina física não é prazerosa, como foi expresso acima, mas nem por isso a desestimula, antes adianta qual será o seu resultado: fruto de justiça. A disciplina física não é prazerosa justamente porque não é um prêmio a se receber, mas a consequência da desobediência de alguém que não deu ouvidos à repreensão.

O argumento da educadora, se levado às últimas consequências, deveria ser usado para livrar marginais da cadeia, afinal de contas, por mais errado que esteja quem praticou um delito, quem gosta de ficar trancafiado?

É por isso mesmo que Paulo, tratando sobre autoridades instituídas por Deus, afirma: “Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás o louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para o teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal” (Rm 13.3,4).

Antes que alguém me acuse de forçar o texto, reconheço tranquilamente que aqui Paulo está tratando de autoridades civis, entretanto, o princípio permanece. Aqueles que resistem à autoridade resistem ao próprio Deus e, por isso, acabam colhendo as consequências. Sendo os pais as autoridades constituídas por Deus sobre a vida dos filhos, não devem, em hipótese alguma, deixar de cumprir aquilo que o Senhor estabelece com relação a sua educação.

Dito isso, volto então à entrevista. Ao mesmo tempo em que diz não saber de onde tiraram a ideia de “palmada pedagógica” e afirmar que ela não funciona, Cris Poli defende o método do “cantinho da disciplina”. O método, segundo ela, consiste em colocar a criança desobediente no

“cantinho da disciplina, que é um lugarzinho qualquer onde ela vai sentar e refletir sobre essa regra que ela não cumpriu. E fica lá um minuto por ano de idade, porque a gente não pode exigir da criança uma coisa que ela não pode dar. Não adianta dizer que vai ficar meia hora ou uma hora, porque isso não vai funcionar. [...] É um método que dá certo e é feito com tranquilidade, consciência e firmeza” (grifos meus).

A pergunta que fica no ar é: “De onde saiu essa invenção?”, porém, não farei como a Supernanny que afirmou não saber de onde tiraram a ideia da “palmada pedagógica”. Não! Eu sei bem de onde saiu essa invenção do “cantinho da disciplina”, foi das ideias da psicologia secular que, infelizmente, para muitos crentes, tem mais autoridade e mais a ensinar sobre a criação de filhos do que a própria Palavra de Deus. E aqui está o problema que dá origem a tudo isso: Muitos cristãos, apesar de afirmarem ser a Escritura a Palavra de Deus, na prática demonstram não crer desta forma.

Quando esses cristãos começarem a colocar em prática o seu discurso perceberão que, de fato, “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda a boa obra” (2Tm 3.16,17) e que “pelo seu [de Deus] divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele [Cristo Jesus] que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3).

Somente depois disso é que entenderão a razão de Salomão poder afirmar com tanta convicção: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele” (Pv 22.6).

O Senhor sabe como você deve educar o seu filho e deixou registrado em sua Santa Palavra! Creia nisso e procure conhecer as Escrituras.

15 dezembro 2011

Um governo de contradições; ou: bater não pode, só matar

Charge palmada“Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. Que País é este?” cantava a banda Legião Urbana, no início da década de 80. Mais de 30 anos se passaram desde que a música foi escrita e as coisas só têm piorado. São notórias as contradições do atual governo brasileiro.

O governo já passou por cima da Constituição Federal que reconhece como “família” a união estável entre “o homem e a mulher” (Art. 226 § 3º) e afirma que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher” (Art. 226 §5º - grifos meus), ao reconhecer a união estável para pessoas do mesmo sexo.

Ele também luta para aprovar o Projeto de Lei 122, que apesar de, com as modificações do novo substitutivo, permitir “a manifestação pacífica de pensamento decorrente da fé e da moral fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião de que trata o inciso VI do art. 5º da Constituição Federal” (PL 122, art. 3º) retira dos pais, por exemplo, o direito de não contratar uma babá homossexual para seus filhos, sob pena de um a três anos de reclusão por discriminação (art. 4º), além de outros problemas.

Na última quarta-feira (14/12/11) o governo deu mais um passo para a ingerência no âmbito familiar. A comissão especial da Câmara, criada para discutir a chamada “Lei da Palmada”, aprovou por unanimidade o projeto de lei que criminaliza o uso de castigos corporais em crianças e adolescentes, além de prever multa de 3 a 20 salários mínimos a médicos, professores e ocupantes de cargos públicos que não denunciarem “casos de agressão”, restando agora a aprovação pelo Senado. Seria cômica, se não fosse trágica, a ironia de que a lei parte de um governo pró-aborto. Ou seja, para o atual governo os pais têm direito de matar o seu filho, ao escolher abortar (e graças a Deus ainda não conseguiram aprovar essa lei), mas não têm direito de dar umas palmadas, caso sejam necessárias para a correção.

Os cristãos, apesar de terem de se submeter às leis do País, têm o seu próprio livro de Leis, a Escritura Sagrada. Nela aprendemos que, em alguns momentos, a correção física é necessária (Pv 13.24; 22.15; 23.13-14; 29.15). É claro que o cristianismo não é a favor da violência e é justamente por isso que o Senhor adverte: “Castiga o teu filho, enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-lo” (Pv 19.18). Pais crentes, que querem o bem dos seus filhos, diante da lei do governo caso seja aprovada pelo Senado, devem continuar obedecendo ao Senhor e fazer aquilo que a Bíblia ordena, pois “importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29).

O governo já permitiu, em nome da liberdade de consciência e crença garantida pela Constituição, que o chá alucinógeno do “Santo Daime” seja consumido pelos adeptos do movimento, a despeito da lei que proíbe o uso de drogas. Se fosse coerente, permitiria também aos pais cristãos que colocassem em prática a sua crença, no que diz respeito à educação dos filhos conforme as Escrituras, mas como é um governo de contradições, não podemos contar com isso, antes, devemos estar prontos a sofrer por causa da justiça de Deus (Mt 5.10; 1Pe 3.14).

Os pais cristãos devem continuar primeiramente amando a Deus e depois aos filhos, a fim de cumprir na vida deles o papel ordenado pelo Senhor. Devem ser amorosos, padrão para os filhos, ensinando-os na Lei do Senhor e corrigindo-os quando necessário a fim de que sejam semelhantes ao nosso Redentor, ou correr o risco de ver os filhos sendo motivo de vergonha, quem sabe até como um deputado que legisla de forma tão vergonhosa, pois “a vara e a disciplina dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma vem a envergonhar sua mãe” (Pv 29.15).

Ao mesmo tempo devemos proclamar à nossa sofrida nação e seus governantes o que cantou de forma poética João Alexandre: “Brasil, há uma esperança, volta teus olhos pra Deus, justo Juiz”.

Que Deus tenha misericórdia da nossa nação!

01 dezembro 2011

O melhor de Deus ainda está por vir?

cruz

A frase virou mesmo um chavão e está constantemente na boca de vários irmãos. Diante dos problemas e adversidades, a palavra de “consolo” é: “Não se preocupe, o melhor de Deus para a sua vida está por vir”. O que se quer dizer com isso é que por mais que a vida tenha lá suas adversidades e problemas, aquele que sofre pode estar descansado, pois haverá um dia em que as lutas cessarão, não haverá mais pranto e nem dor.

Conquanto seja isso verdadeiro e prometido na Escritura, que afirma que o Senhor enxugará dos olhos toda lágrima (Ap 21.4), é preciso analisar o que de fato se deseja ao dizer que “o melhor de Deus está por vir”.

Se com essa frase os crentes estivessem almejando estar de uma vez por todas na presença física do Senhor Jesus, ela ganharia um belo sentido, porém, ao observar que ela é dita geralmente em momentos de dificuldades, fica evidente que “o melhor de Deus” que é esperado é simplesmente a ausência das tribulações. Nesse caso, perde-se a perspectiva de que o melhor de Deus já veio quando ele enviou seu Filho ao mundo (Jo 3.16) em semelhança de homens (Fp 2.7) para justifica-los pela fé e conceder a eles paz com Deus (Rm 5.1).

Quando o Senhor Jesus afirmou a seus discípulos: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo” (Jo 14.27), ele falava sobre a reconciliação com Deus, não sobre a ausência de problemas. Se assim não fosse, os discípulos não teriam ouvido dele que no mundo teriam aflições (Jo 16.33). A despeito disso ele ordena aos discípulos ter bom ânimo, o que demonstra que o consolo não estava em esperar a cessação das aflições, mas na certeza de que aquele que venceu o mundo estaria com eles todos os dias, inclusive em meio às dificuldades, até a consumação dos séculos (Mt 28.20).

Era a certeza de que Jesus era o melhor de Deus e, portanto, suficiente para a sua vida que levava Paulo a declarar: “Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11-13). Sua alegria não dependia das circunstâncias, mas de estar na presença do Senhor Jesus. Por isso mesmo ele também podia dizer que viver para ele era Cristo, e morrer, lucro, pois sabia que estar com Cristo é incomparavelmente melhor (cf. Fp 1.21,23).

Saber que o melhor de Deus para nós, Cristo Jesus, já veio deve nos levar ao entendimento de que até as tribulações e aflições não fogem a seu controle, antes, são usadas pelo Senhor para nos tornar cada dia mais parecidos com o nosso Redentor. Isso nos leva também a colocar em prática as palavras de Tiago, que diz que devemos ter como motivo de muita alegria o passar por várias provações, entendendo que a finalidade da provação é produzir a esperança, que cumpre o seu papel ao nos tornar perfeitos, íntegros e em nada deficientes (Tg 1.2-4).

Como já foi afirmado, uma vida sem aflições, sem pranto e nem choro é prometida por Deus para aqueles que são de Jesus. Porém, querer estar com Jesus não por quem ele é, mas por aquilo que ele nos concede e concederá é uma atitude idólatra, que revela que amamos mais a bênção concedida do que aquele que nos abençoa.

O melhor de Deus já veio, Cristo Jesus, e se buscarmos nele alegria e satisfação viveremos também contentes, em toda e qualquer situação.

Pr. Milton Jr.

03 novembro 2011

A suficiência das Escrituras no aconselhamento pastoral

Abaixo seguem os vídeos com as palestras e sermões pregados por ocasião do primeiro aniversário da IP da Aliança, pastoreada pelo meu amigo, Rev. Paulo Brasil.

1ª Palestra: A suficiência das Escrituras no aconselhamento pastoral

2ª Palestra: Mudança de comportamento: uma perspectiva bíblica

3ª Palestra: A igreja da auto ajuda

Sermão em Números 11.10-30

Sermão em 1Reis 19.1-18

22 outubro 2011

Palpiteiros da salvação alheia

condenado aprovadoAnos atrás havia um apresentador (em um programa sobre os bastidores da TV e do mundo das celebridades, que está no ar até hoje) que afirmava todas as vezes que morria um artista: “Fulano foi para o andar de cima.” Na cabeça daquele apresentador, alguém que se dedicou à arte com o fim de divertir e entreter o povo só poderia estar no céu, visto ser esta uma pessoa boa.

Aqueles que conhecem a Bíblia sabem muito bem que a salvação não é meritória, mas é concedida pela graça de Deus, mediante a fé (que também é dom de Deus) em Cristo Jesus. Porém, a despeito disso, tenho a impressão de que os cristãos facilmente têm se esquecido disso.

Como exemplo do que estou querendo dizer, deixe-me compartilhar algo que me foi dito por uma irmã, há alguns anos. Essa irmã, bem como sua mãe, era crente fiel, porém seu pai não. Quando ele faleceu, o pastor das duas foi convidado para fazer o ofício fúnebre e, segundo ela, com o caixão aberto ele colocou a Bíblia na cabeça do falecido e disse aos que estavam presentes: “Beltrano morreu e está no inferno. Ele viveu x dias (multiplicou a idade do morto por 365 dias) e não aceitou a Jesus.”

Por mais surreal que isso possa parecer, muitos cristãos têm feito isso constantemente. Há umas semanas morreu Steve Jobs, e não foram poucos aqueles que rapidamente afirmaram estar ele no inferno, o que é uma afirmação altamente precipitada.

Calma, estou longe de ser universalista. Não creio que todos os homens serão salvos e sei também que muitos têm se enganado quanto a seu estado espiritual a ponto de o Senhor afirmar que muitos, no dia final, dirão que realizaram milagres e prodígios em nome dele e ouvirão: “nunca vos conheci” (Mt 7.23).

Porém, creio também que somos muito rápidos em julgar o próximo e o problema disso está no fato de não termos dados suficientes para isso. Basta lembrar duas histórias bíblicas para perceber isso.

A primeira é a história do ladrão na cruz. Essa história, narrada por Mateus e Marcos, mostra dois ladrões, crucificados à direita e esquerda de Jesus, blasfemando e dirigindo ao Senhor impropérios. Se tivéssemos somente esses dados, seriamos rápidos em afirmar que os dois ladrões se perderam. Porém, Lucas registra outra parte da história, que faz toda a diferença. Ela afirma que, em meio aos insultos que dirigiam a Cristo, um dos ladrões começou a repreender o outro e rogou ao Senhor que se lembrasse dele, ouvindo de Jesus: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23.43).

A outra história é contada também por Lucas e fala da vida de um casal da igreja primitiva que vendeu um campo, depositou o dinheiro aos pés dos apóstolos e morreu. Se tivéssemos acesso somente a essa parte da história, provavelmente usaríamos o texto até para falar do privilégio do casal que pôde honrar a Deus entregando uma oferta como última atitude de sua vida. Entretanto, Lucas deixa claro que eles morreram por causa do juízo de Deus, que puniu sua mentira em dizer que estavam doando tudo enquanto retinham parte do valor do campo (At 5.1-11).

Nesses dois casos somos poupados de errar no julgamento porque temos a revelação da Palavra de Deus. Entretanto, não podemos afirmar categoricamente a perdição de quem quer que seja (a não ser que esteja declarada categoricamente nas Escrituras, como o caso de Judas, por exemplo) justamente por não ter acesso ao coração alheio e não saber o que se passou instantes antes a sua morte.

Pelo ensino das Escrituras, podemos até imaginar que muito provavelmente alguém tenha se perdido, ao olhar os frutos produzidos em sua vida e sua recusa em render-se ao Salvador, mas a afirmação categórica da condenação só pode ser feita pelo Senhor.

A graça de Deus é abundante e o mesmo Deus que salvou aquele ladrão que tanto blasfemava, concedendo-lhe o dom da fé a fim de que se arrependesse, nos salvou e é poderoso para salvar o pior dos pecadores, mesmo nos últimos instantes de sua vida.

Uma das orientações do Manual de Culto da IPB que acho mais interessantes trata justamente desse ponto, ao orientar sobre o ofício fúnebre: “O ofício fúnebre deve consistir principalmente na leitura de trechos da Escritura e atos de culto. O ministro não tem o dever de dizer se a pessoa, cujo corpo vai ser entregue à terra, morreu ou não impenitente, mas deve proceder de maneira que não se possa inferir de sua leitura ou palavras a salvação de pessoas, cujas vidas ou mortes não tenham sido cristãs. O único juiz, porém, é o Senhor.

Infelizmente, muitas vezes estamos mais preocupados com o outro do que com nós mesmos. Ainda que a Bíblia ordene o autoexame (1Co 11.28; 2Co 13.5), queremos mesmo é examinar o outro. Fazemos como Pedro, que, após ser restaurado pelo Senhor, ter recebido o encargo de pastorear suas ovelhas e ser informado a respeito do tipo de morte que teria, olhou João e perguntou a Jesus: “E quanto a esse?”. Quando assim procedemos somos passíveis da mesma repreensão do Senhor a Pedro: “Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa? Quanto a ti, segue-me” (cf. Jo 22.15-23).

Preocupemo-nos, portanto, com a nossa situação diante de Deus e proclamemos aos homens que se arrependam dos seus pecados e se reconciliem com Deus, pois essa é tarefa nossa. Deixemos para aquele que julga retamente o veredicto sobre aqueles que serão condenados estando convictos de que “as coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” (Dt 29.29).

17 outubro 2011

Meu pecado é culpa sua

de_quem_a_culpaEm 2004 foi produzido nos Estados Unidos um documentário intitulado “Super size me”. A proposta do cineasta Morgan Spurlock era se alimentar durante 30 dias somente com produtos do McDonalds. Ao fim deste período ele estava com o fígado seriamente comprometido, pesando 9 quilos a mais e foi obrigado a fazer uma desintoxicação.

 

A ideia do documentário surgiu após duas adolescentes processarem o McDonalds por terem engordado e o juiz não ter lhes dado ganho de causa por não existirem provas de que a comida desta rede fizesse mal à saúde. Com o documentário, Spurlock conseguiu provar que a comida não é saudável, o que não é novidade alguma, mas terá sido essa, de fato, a razão da obesidade das adolescentes?

 

Nas Escrituras percebemos que essa história de lançar a responsabilidade do pecado sobre outros não é novidade. Quando Adão, após ter comido do fruto proibido, foi confrontado por Deus, que perguntou o que ele havia feito, ele tratou de se esquivar de sua responsabilidade: “A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi” (Gn 3.12), disse ele. A culpa do seu pecado era da mulher, que lhe deu o fruto, e em última instância do próprio Deus, que lhe deu a mulher. A mulher também foi questionada e, claro, também se esquivou: “A serpente me enganou, e eu comi” (Gn 3.13).

 

Anos mais tarde, seus filhos ofertaram ao Senhor. Caim, o mais velho, levou do fruto da terra, e Abel, das primícias do seu rebanho e da gordura deste. O Senhor se agradou da oferta de Abel, mas rejeitou a de Caim, que ficou extremamente irado. O Senhor, que anos antes havia confrontado seus pais e ouvido desculpas, confronta agora a Caim: “Por que andas irado, e por que descaiu o teu semblante?” – e sem dar tempo para qualquer desculpa da parte dele, advertiu – “Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas cumpre a ti dominá-lo (Gn 4.6,7).

 

No Novo Testamento, Tiago, o irmão do Senhor Jesus, ensina que “cada um é tentado pela sua própria cobiça [desejo], quanto esta o atrai e seduz. Então, a cobiça [desejo], depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte” (Tg 1.14,15).

 

As Escrituras são muito claras ao afirmar que a responsabilidade pelo pecado é, e sempre será, de quem o comete, mas, infelizmente, muitos cristãos têm comprado a ideia de que pessoas e circunstâncias são a causa de muitos males cometidos. “O meio em que ele vive o levou a roubar”, “ela é assim, explosiva, devido à maneira como foi criada” e “ela ganhou muito peso porque os produtos daquele fast-food não são saudáveis” são apenas algumas das explicações (desculpas?) dadas ao comportamento das pessoas e, assim, roubo, falta de domínio próprio e gula passam a ser problemas a serem tratados por terapia, ao invés de pecados que precisam ser expiados por um Redentor.

 

Esse pensamento é um ataque direto à fé cristã. Enquanto não há a admissão da culpa, não haverá boa-nova do Evangelho. Paulo diz aos Romanos que a lei de Deus foi dada justamente para isso, “para que se cale toda a boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, [...] em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.19,20).

 

Ao ser confrontado com a santa lei do Senhor, o homem se vê incapaz de viver uma vida justa diante de Deus e só tem duas alternativas: se desculpar, colocando sobre outros a responsabilidade pelos seus atos ou assumir o seu estado de depravação e miséria, confiando única e exclusivamente naquele que viveu de forma justa e santa, a fim de nos justificar pela fé, Cristo Jesus, o Redentor.

 

Em Cristo Jesus, o Pai não nos desculpa (tira a nossa culpa), mas nos perdoa. Um dos sentidos da palavra grega para perdão é “remissão da penalidade”, ou seja, pagamento da penalidade. Nesse sentido, Jesus pode então nos dizer: seu pecado é culpa minha, não porque ele seja o responsável por nossas faltas, mas pelo fato de ele ter assumido a nossa dívida e foi justamente isso que ocorreu na cruz do Calvário quando ele tomou sobre si a nossa culpa e pagou o preço pelos pecados do seu povo, morrendo a nossa morte.

 

Porque Deus puniu o pecado na pessoa bendita do seu Filho é que ele pode ter misericórdia de seu povo, não nos condenando como merecemos, e conceder perdão e salvação pela graça, nos dando aquilo que não merecemos (Ef 2.8). Continuamos culpados, mas, porque a justiça de Cristo nos foi imputada quando cremos, somos reconciliados e temos paz com Deus (Rm 5.1).

 

Diante de tudo isso, não podemos ceder à tentação de nos desculpar quando pecamos. Lembremos sempre do que afirma Provérbios 28.13: “O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que confessa e deixa alcançará misericórdia”.

 

Que assumamos sempre a nossa culpa, confessando diante de Deus todas as nossas transgressões, na certeza de que temos Advogado diante do Pai, Jesus Cristo, o Justo, aquele que já pagou o preço por nossos pecados.

27 setembro 2011

Mais um aniversário da IPBPC

Vivendo de modo digno

logo“Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo” (Fp 1.27).

Comemorar mais um ano de existência é muito bom! É maravilhoso saber que o Senhor tem nos guardado e nos sustentado como igreja, no decorrer dos anos. Nesses 17 anos não foram poucas as lutas e também não foram poucas as vitórias. Podemos estar bem convictos de que fomos plantados para testemunhar de Cristo ou, usando as palavras do apóstolo Pedro, para proclamar as virtudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (cf. 1Pe 1.9).

A fim de cumprir a nossa vocação é necessário dar ouvidos à ordem do apóstolo Paulo, ou seja, devemos viver, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo Jesus. Quando Paulo escreveu essas palavras à igreja de Filipos, não deixou por conta dos filipenses a tarefa de descobrir como seria esse viver, antes, nos versículos seguintes, deixou bem claro o que queria ouvir a respeito daqueles irmãos e que certamente se aplica também a nós, como parte do povo escolhido do Senhor. Vejamos então no que consiste esse viver de modo digno:

1. Viver em unidade – Paulo afirma que os irmãos deveriam estar firmes em um só espírito, como uma só alma. A unidade da igreja é algo requerido pelo Senhor. Como família da fé, devemos nos esforçar para preservar a unidade do Espírito, como afirmou o mesmo apóstolo na carta aos Efésios (Ef 4.3).

Precisamos nos envolver com a vida dos irmãos, conhecer suas necessidades, saber de suas lutas e nos colocar lado a lado, servindo de suporte aos santos. A igreja de Cristo não pode estar unida somente durante o culto, mas viver dia a dia em comunhão uns com os outros.

2. Lutar pela fé – Viver do modo digno do evangelho consiste também em batalhar pela fé evangélica. Isso implica que não podemos nos calar, falando a tempo e fora de tempo (2Tm 4.2 – ARC), nem nos envergonhar do evangelho, tendo a mesma convicção de Paulo de que ele é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16).

Lutar pela fé implica também o conhecimento e prática da Palavra. Não podemos lutar por aquilo que não conhecemos e não vivemos na prática. Cabe a cada um de nós, portanto, conhecer muito bem a Escritura, meditando de dia e de noite (Js 1.8; Sl 1.2) a fim de fazer tudo conforme nela está escrito. Precisamos ter forme e sede da Palavra e aproveitar as oportunidades de estudo da Bíblia em conjunto com nossos irmãos.

3. Estar pronto a padecer por Cristo – Ao viver de modo digno do evangelho, muitas vezes enfrentaremos lutas e sofreremos. Mas Paulo afirma que isso é uma graça concedida. Cristo Jesus nunca prometeu uma vida sem dificuldades, antes, prometeu estar conosco todos os dias (Mt 28.20) e isso nos dá força na caminhada.

Quando escreveu a sua primeira carta, o apóstolo Pedro falou sobre o sofrimento da seguinte forma: “isto é grato, que alguém suporte tristezas, sofrendo injustamente, por motivo de sua consciência para com Deus. Pois que glória há, se, pecando e sendo esbofeteados por isso, o suportais com paciência? Se, entretanto, quando praticais o bem sois igualmente afligidos e o suportais com paciência, isto é grato diante de Deus (1Pe 2.20).

Devemos louvar a Deus por nossos 17 anos de existência e, ao mesmo tempo, rogar pelas suas misericórdias a fim de que continuemos a viver de modo digno do evangelho, unidos com os irmãos, lutando pela fé e preparados para, se necessário, sofrer por Cristo Jesus, nosso Redentor.

19 setembro 2011

O dia da cidade em que nasci e o dia em que foi celebrado o meu novo nascimento

fotos-de-guarapari-2Hoje é para mim um dia muito importante. É dia de parabenizar a cidade onde o Senhor me permitiu nascer e crescer, que completa 120 anos de emancipação política. É uma cidade que, semelhante a muitas outras, tem sofrido ao longo dos anos com o descaso de políticos que não investem em sua infraestrutura, mas a despeito disso, continua sendo uma linda cidade, devido às belezas naturais concedidas pelo Criador.

Mas apesar de gostar bastante da minha terra, que não tem palmeiras onde canta o sabiá, mas castanheiras onde pousam as andorinhas, a razão de gostar tanto desta data, 19 de setembro, se deve a outro fato, muito mais importante, pelo menos para mim.

Há exatos 18 anos eu estava diante da Igreja Presbiteriana de Guarapari fazendo votos a Deus e recebendo o batismo, sinal da Aliança do Senhor, que simbolizava um nascimento muito mais importante que o primeiro, citado no começo do texto, o nascimento da água e do Espírito, sem o qual ninguém pode entrar no Reino de Deus( Jo 3.5).

Ter nascido em Guarapari é para mim motivo de satisfação, porém, ainda que organicamente vivo, encontrava-me morto em delitos e pecados (Ef 2.5), andando segundo as inclinações da minha carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos e sendo, por natureza, filho da ira de Deus, como aqueles que ainda não creram no Senhor (Ef 2.3).

É por isso que louvo ao Senhor pelo novo nascimento e por estar sendo preparado para uma nova pátria e uma nova terra. Deus, por ter sido rico em misericórdia e por causa do grande amor com que me amou me deu vida juntamente com Cristo, unicamente por sua graça (Ef 2.4,5). Pela graça fui salvo, mediante a fé, e isso não veio de mim, foi dom de Deus; não de obras para que eu não me glorie (Ef 2.8,9), pois convém que ele cresça e que eu diminua sempre (Jo 3.30).

Louvado seja então o meu Deus, por sua infinita graça e misericórdia, por seu grande amor demonstrado na cruz do Calvário onde Cristo Jesus deu a vida em favor de seu povo, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3.16). Posso fazer minhas as palavras do hino de John Newton: “Maravilhosa graça, quão doce o som, que salvou um miserável como eu. Eu já estive perdido, mas agora fui encontrado, estava cego, mas agora eu vejo”.

DSC04842peqGraças te dou Senhor, por ter me resgatado do pecado e por estar me aperfeiçoando a cada dia a fim de que eu seja conforme a imagem de Cristo Jesus, irmão mais velho. Graças de dou por ter também resgatado a minha casa. Graças te dou pela esposa maravilhosa que me concedeste e pela herança com que nos presenteastes, nossa filha amada. Graças te dou por ter me chamado para o ministério pastoral, tendo o privilégio e a grande responsabilidade de cuidar das ovelhas que são do Senhor.

Ajuda-me sempre a viver de modo digno do evangelho de Cristo Jesus, a fim de que o Senhor seja sempre glorificado.

12 agosto 2011

27 julho 2011

Quem manipula quem? O problema da abordagem comportamental

condicionamentoToda cidade tem um doido, desses que vivem pela rua e que são conhecidos por todos, virando até lenda em alguns casos. Pois um desses era constantemente motivo de chacota. A razão? Todos os dias ele passava na frente de um bar onde um grupo de amigos parava para beber. E era sempre a mesma história, cada dia um deles oferecia ao doido uma nota de 10 reais e uma moeda de 1 real para que escolhesse. E não é que o doido sempre escolhia a moeda, para a satisfação dos envolvidos na história, que explodiam em risadas?! Foram mais de 2 meses assim até que um dia um dos amigos disse ao doido: “Você é muito burro! A nota de 10 reais vale mais que a moeda de 1” – e emendou: “Você não sabe disso? Escolha a nota!!!” O doido com muita tranquilidade respondeu que não, e o que questionava perguntou o porquê, ouvindo logo a resposta: “É que se eu escolher a nota acaba a brincadeira.”

A piada é engraçada (pelo menos eu acho) e nos remete ao título do texto: quem manipula quem? Em um artigo anterior abordei o problema de focar na mudança de comportamento e demonstrei que isso é ineficaz se queremos ajudar nossos irmãos em seu processo de santificação e conformidade à imagem do Redentor. O maior problema do foco na mudança de comportamento é que acaba por formar “fariseus”, mas há outro problema que será abordado aqui e que eu chamo de “círculo de manipulação”.

Um caso comum

Pense na história de Fernando e Joana. Eles são casados e ambos são membros de uma igreja protestante há alguns anos. São engajados no trabalho da sua comunidade e muito responsáveis em suas atribuições. Porém, em seu lar, os conflitos só aumentavam. Joana cuidava do trabalho de casa, da criação dos filhos e desejava ter a ajuda de Fernando em alguns afazeres domésticos.

Entretanto, o desejo de ser ajudada, que não é mal em si mesmo, acabou por se tornar uma exigência. Ela começou a entender que precisava daquilo para ser feliz e como seu marido não lhe dava a ajuda que queria ela o julgava (“ele é um péssimo marido”) e o punia. A forma que encontrou para punir o marido era recusar-se a ter relacionamento sexual com ele.

O que temos aqui é um bom desejo que se tornou um péssimo senhor. A partir do momento em que Joana pune o seu marido porque este não fez o que ela achava que ele deveria fazer, ela demonstra que está sendo controlada pelo seu desejo e, em termos bíblicos, isso se chama idolatria. É fácil perceber quando um bom desejo se torna um ídolo, basta verificar se pecamos para conseguir o que queremos ou se pecamos porque não conseguimos o que queremos, mas, apesar da facilidade, aqueles que estão obedecendo ao “mau senhor” geralmente não se dão conta. Aqui entra em cena a figura do conselheiro bíblico, que deve levar o aconselhado a enxergar essa situação.[1]

O círculo de manipulação

Ao privar Fernando do relacionamento sexual, além de punir o marido, Joana conseguia também manipulá-lo para fazer o que ela queria, ou seja, ajudar nos afazeres domésticos.

Fernando, por sua vez, satisfazia o desejo da sua esposa ajudando-a com a louça, porém o fazia porque estava interessado mesmo era em sua satisfação sexual, revelando também estar sendo controlado pelo seu desejo.

Ele descobriu também como manipular sua esposa. Quando queria sexo, se tornava o melhor marido do mundo, pois sabia que à noite seria satisfeito. Ela, por sua vez, achava que o manipulava punindo-o com a falta de sexo. A pergunta do título deve ser lembrada aqui: Quem está manipulando quem?

Na verdade, o círculo de manipulação acaba por escravizar e transformar ambos, marido e mulher, em simples marionetes manipuladas pelo ídolo. É o mau desejo que faz com que eles “funcionem” desta forma e mostra que eles estão servindo a um mau senhor.

Esse círculo de manipulação pode causar a falsa impressão de que as coisas vão bem, afinal de contas o marido agora ajuda nos afazeres diários, e a esposa não briga mais nem se nega a relacionar-se com o esposo.

Bastará, porém, que o marido perca o interesse pelo sexo, que é quem está governando sua vida, ou que a esposa entenda que “merece” um marido que faça muito mais do que simplesmente ajudar nos afazeres domésticos para que os conflitos retornem. A solução equivocada será novamente punição da esposa para manipulação até que o marido entenda como virar o jogo para conseguir o que quer da esposa. É um círculo sem fim.

Quebrando o círculo, pelo poder de Deus

Como vimos, a abordagem comportamental gera um círculo vicioso no qual os envolvidos se enganam achando que estão controlando o comportamento alheio, quando na verdade estão também escravizados por seus próprios desejos, que se tornaram “maus senhores”.

Para que Fernando e Joana resolvam de forma efetiva os conflitos, é necessário lidar com eles de forma bíblica.

Tiago afirma em sua epístola que as guerras e contendas acontecem por causa dos prazeres que fazem guerra em nossa carne (Tg 4.1). Ele afirma ainda que o homem não recebe o que pede em razão de o pedido ser para esbanjar nos prazeres da carne (4.3). Após isso acusa, então, os crentes de serem infiéis (adúlteros na ARC). Isso quer dizer que até a oração, quando direcionada pelos “desejos da carne”, constitui-se um ato de infidelidade. Tiago explica isso de forma clara ao afirmar que a amizade do mundo constitui-se uma inimizade contra Deus (4.4). Podemos resumir isso dizendo que os nossos conflitos com o próximo têm como causa o nosso conflito (infidelidade) com Deus, quando em vez de nos submetermos a ele somos escravizados por nossos desejos.

Tiago não estava falando nenhuma novidade. Seu irmão, o nosso Senhor Jesus Cristo, já havia dito que, onde está o nosso tesouro, ali estará também o nosso coração (Mt 6.21). Isso quer dizer que aquilo que entendermos ser o mais importante será o que controla a nossa vida. Isso fica claro quando observamos as palavras anteriores onde ele ordena a não ajuntar tesouros na terra, mas a procurar ajuntar tesouros no céu.

Quando estamos dominados por nossos desejos, estamos “fabricando” um falso deus. Essa é a razão de Paulo afirmar aos coríntios que apesar de todas as coisas serem lícitas, ele não se deixaria dominar por nenhuma delas (1Co 6.12). A razão correta a nos motivar deve ser sempre a glória de Deus, como também ensina Paulo: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31).

Diante disso, se o casal quiser quebrar o “círculo de manipulação”, deverá tomar algumas atitudes:

1. Reconhecer a idolatria do coração

Fernando e Joana devem primeiramente entender que estão sendo “movidos” e “direcionados” não pelo Senhor, mas por seus próprios desejos, que constituem os seus “tesouros”, e isso é idolatria. No caso de Joana o ídolo era o “desejo de ser ajudada”, e no de Fernando, o “desejo pelo sexo”.

Esses desejos que não são maus em si, como já foi afirmado, tornaram-se falsos deuses. Eles fizeram falsas promessas de alegria: “Se você tiver um marido mais prestativo será mais feliz”; “se você tiver realização sexual será mais feliz” e para alcançar essa alegria Fernando e Joana estavam pecando um contra o outro, tentando “controlar” um ao outro pela manipulação.

Sem o reconhecimento de que o problema está no coração, que está adorando um falso deus, qualquer mudança será mero paliativo.

2. Confessar o pecado e rejeitar os falsos deuses

Não basta, porém, reconhecer que estão sendo idólatras. Verificado o fato de que estão sendo controlados por um falso deus, Fernando e Joana devem confessar o pecado de buscar satisfação e alegria fora do Senhor. Devem também abandonar os ídolos, dando ouvidos à voz de Deus, que ordena: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3). A idolatria é uma grande ofensa a Deus, mas em Cristo Jesus há redenção. João afirma que, “se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça” (1Jo 1.9).

Além de confessar o pecado contra o Senhor, eles devem também confessar o pecado de tentar controlar um ao outro. Após a confissão do pecado contra o próximo, há ainda mais a fazer.

3. Submeter-se às ordenanças do verdadeiro Senhor

A evidência do arrependimento será uma nova disposição no relacionamento com Deus e com o próximo. A Escritura ordena não somente parar de pecar, mas também assumir uma nova postura. Aos colossenses Paulo explicou isso usando a metáfora do despir e vestir. Ele ordenou aqueles irmãos a terem uma nova postura porque haviam se “despido do velho homem” e se “revestido do novo homem” segundo a imagem daquele que os criou (Cl 3.9-10).

Fernando e Joana deveriam, então, obedecer à vontade de Deus em relação ao casamento. O matrimônio, conforme estabelecido na Escritura, é uma instituição que visa à satisfação do outro. Não poderia ser diferente, pois o apóstolo Paulo afirma categoricamente que o amor não busca os seus próprios interesses (1Co 13.5).

Desta forma, as ordenanças no casamento são sempre em relação ao outro. Paulo ordena ao marido que ame sua esposa, e à esposa que se submeta ao marido, mas não diz para um cobrar do outro (apesar de gostarmos de cobrar do outro, mesmo que não façamos o que nos é ordenado). Se cada cônjuge se esforça para cumprir aquilo que lhe é exigido, há um casamento harmonioso e que glorifica a Deus.

No caso dos pecados específicos, tratados neste artigo, Joana deveria se relacionar sexualmente com o marido ou abster-se disso somente de acordo com aquilo que a Palavra ensina e não para manipulá-lo, a fim de fazer dele um marido mais prestativo.

Quando escreveu aos Coríntios, Paulo deixou claro que o casal não deve privar um ao outro do relacionamento sexual. A razão apresentada é que isso é “devido” ao outro e que o corpo do marido pertence à mulher, da mesma forma que o dela pertence ao marido. A única razão para privar o cônjuge do relacionamento sexual seria a dedicação à oração, mas somente com mútuo consentimento e com a orientação de novamente se ajuntarem para que Satanás não tente por causa da incontinência (1Co 7.1-7).

Fernando, por sua vez, também deveria colaborar com sua esposa nos afazeres domésticos (perdoem-me, machões), mas não em troca de sexo. A motivação correta deve ser o entendimento de que, por ser herdeiro com ela da mesma graça de vida, precisa viver a vida comum do lar, com discernimento e, tendo consideração para com a mulher como parte mais frágil, tratá-la com dignidade (1Pe 3.7).

4. Entender que só há satisfação plena e verdadeira no Senhor

Por último, ambos, Fernando e Joana, devem entender que a satisfação e alegria verdadeiras só podem ser encontradas no Senhor. Não dependemos de pessoas ou circunstâncias, pois temos tudo aquilo de que necessitamos em Cristo Jesus. Paulo compreendeu muito bem isso e pôde afirmar: “Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece” (Fl 4.11-13).

Creio não ser uma inferência indevida dizer também “aprendi a viver contente em toda e qualquer situação... com um marido que me ajuda ou com um marido que não me ajuda; tendo ou não tendo satisfação sexual”.

Entender isso será de suma importância porque, ainda que um dos cônjuges não mude a sua postura, o que não é incomum, não haverá motivos para desespero, crises, brigas, pois a satisfação e a alegria estarão sendo buscadas na fonte correta, no Redentor Jesus Cristo. “Nele o nosso coração se alegra, pois confiamos no seu santo nome” (Sl 33.21).

Conclusão

Quando se entende que a alegria e satisfação dependem daquilo que se pode encontrar em pessoas, seja nelas mesmas, seja naquilo que podem dar, sempre haverá frustrações e conflitos, porque pessoas sempre frustrarão as nossas perspectivas, principalmente porque, na maioria das vezes, esperamos mais do que elas podem dar.

Ao invés de manipular pessoas a fim de conseguir o que você quer, peça ao Senhor que sonde o seu coração por meio da Palavra, arrependa-se por estar confiando nas falsas promessas dos ídolos e volte o seu coração para o Redentor.

Entendendo que a plenitude de alegria e satisfação só podem ser encontradas no Senhor, teremos motivos de sobra para nos regozijar e exultar nele, não dependeremos de circunstâncias e, ainda que venhamos a sofrer por fazer sua vontade, podemos estar certos de que somos bem-aventurados (1Pe 3.14).


[1] Sobre esse assunto, leia o artigo do Jônatas Abdias, “Ensaio sobre a minha cegueira: o objetivo do aconselhamento bíblico”

14 julho 2011

“Crentes” teóricos? Essa não!!!

o-perfil-de-um-fariseuÉ notório o grande crescimento dos interessados no estudo da teologia em nossos dias. Os seminários e faculdades teológicas têm se proliferado; na rede mundial de computadores, com uma rápida pesquisa, percebemos que o número de “debatedores” da doutrina é cada vez maior. São arminianos, calvinistas, liberais, dispensacionalistas, carismáticos, pentecostais, cada um defendendo o seu ponto de vista com veemência.

Em princípio, esse quadro deveria nos causar alegria, afinal de contas é muito bom ver pessoas interessadas nas Escrituras e debatendo sobre a Palavra. Mas uma pergunta tem de ser feita: os que têm discutido com tanta paixão têm experimentado um crescimento em santidade decorrente do conhecimento bíblico que professam?

Há um perigo muito grande em tornar a doutrina um fim em sim mesmo. Há na Palavra de Deus advertências sérias quanto a isso. Na epístola de Tiago a ordem é para que os crentes sejam praticantes da Palavra e não somente ouvintes, pois os que são simplesmente ouvintes enganam-se a si mesmos (Tg 1.22). Em seu ministério o Senhor Jesus repreendeu incontáveis vezes os escribas e fariseus, chamando-os de hipócritas, justamente por falarem e não fazerem. Ele chegou a ensinar a multidão, com respeito aos fariseus, da seguinte maneira: “Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem (Mt 23.3).

Eis aí o retrato de um “crente” teórico. É aquele que tem a doutrina na ponta da língua, muitas vezes decora vários versículos bíblicos, é capaz de discorrer com propriedade sobre as doutrinas mais complexas, mas não a vive no seu dia-a-dia. Esse tipo de pessoa, como afirma Tiago, engana-se a si mesmo, pois, como bem afirma John Blanchard, “o crescimento cristão requer mais do que conhecimento da Bíblia; ninguém jamais se alimentou decorando cardápios”[1].

Há no Novo Testamento uma igreja que foi elogiada pelo Senhor Jesus pelo seu conhecimento doutrinário. O Senhor chega a afirmar que aqueles crentes colocaram à prova os falsos mestres que se declaravam apóstolos e os acharam mentirosos (Ap 2.2-4). Pelo visto, aqueles irmãos eram bastante preparados no que diz respeito ao conhecimento doutrinário, contudo, Jesus os repreende dizendo que haviam abandonado o primeiro amor.

Infelizmente, isso é mais comum do que se imagina. Mesmo dentro de nossas igrejas, temos membros que foram doutrinados desde a tenra idade, que frequentam regularmente os cultos, mas por mero costume. A doutrina não tem efeito prático em suas vidas e eles demonstram que, à semelhança dos crentes de Éfeso, deixaram o primeiro amor.

Devemos ter muito cuidado para não ser meramente religiosos e também para não cair na cilada de colocar o amor à doutrina à frente do amor ao Senhor, pois fazer isso é incorrer na quebra do primeiro mandamento (Êx 20.3).

É claro que só se pode amar o Senhor tendo um conhecimento correto de sua Palavra, mas nem sempre conhecimento teológico é sinônimo de piedade e amor ao Senhor.

Fujamos, portanto, do farisaísmo procurando conhecer profundamente as Escrituras, mas com a finalidade de amar e honrar, pela sua prática, o Salvador.


[1] John Blanchard. Pérolas para a vida. São Paulo: Vida Nova, 1993.

30 junho 2011

As palavras de Jesus são mais importantes que as de Paulo?

questionAqueles que não repararam que a pergunta é uma pegadinha já devem ter pensado: “Que pergunta mais óbvia é esta? Não há como comparar Paulo com Jesus...”.

Pensando somente na resposta, eu concordaria de imediato, afinal de contas o Senhor Jesus é perfeito e não pecou, enquanto Paulo é pecador como nós e, para usar suas próprias palavras, o principal dos pecadores (1Tm 1.15). Porém, a pergunta não se refere a Jesus e Paulo, mas àquilo que falou Jesus em comparação ao que falou Paulo.

Explico: não é de hoje que vejo cristãos afirmando ser aquilo que saiu dos lábios de Jesus mais importante que os ensinos do apóstolo. Com a publicação de uma versão da Bíblia em que as palavras de Jesus vinham destacadas em vermelho, o problema só aumentou. Em discussões doutrinárias o argumento de muitos passou a ser: “Esses versículos são mais importantes, pois aqui foi o próprio Senhor quem falou e não Paulo, Pedro ou algum outro.”

Recentemente uma irmã questionou um texto escrito por um amigo e que tratava da submissão da esposa ao marido argumentando que o único a falar dessa submissão era Paulo, que Jesus nunca havia mencionado uma palavra sequer sobre esse assunto e que, como cristã, seguiria a Jesus e não ao apóstolo.

Aqueles que entendem dessa forma estão diante de um grande problema e caíram numa armadilha da qual nem se deram conta. O problema é o fato de não termos na Bíblia uma linha sequer escrita pelo próprio Senhor. O que temos são discursos atribuídos a ele, mas escritos pelos evangelistas, portanto não seria o caso de crer no que Jesus falou “em oposição” ao que falou Paulo, mas no que os evangelistas escreveram “em oposição” ao que escreveu Paulo, e aqui está a armadilha.

Uma alegação daqueles que estão na armadilha seria a de que os evangelistas andaram com Jesus e aprenderam com ele, enquanto Paulo foi um apóstolo que não teve contato com o Senhor. Eu perguntaria então como sabemos que os evangelistas andaram com Jesus e a resposta óbvia seria que eles mencionam isso em seus escritos. Se é assim, temos a mesma alegação nos escritos de Paulo que afirma: “Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo” (Gl 1.11-12).

Quem entende que Jesus disse coisas opostas ao que disse Paulo tem então um grande problema a resolver, a saber, provar que Jesus, de fato, disse o que os evangelistas afirmam que ele disse.

O que está por detrás desse pensamento falacioso é um conceito errado sobre a Bíblia, é não entender que o Senhor é o autor primário das Escrituras sendo ela, então, “inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda a boa obra” (1Tm 3.16-17).

Outro conceito errado decorre desse primeiro. Quando se aceita a inspiração, a autoridade da Palavra é do próprio Deus, mas negando-se isso a autoridade passa a ser de quem lê. Assim, o leitor aceita o que está em acordo com o seu pensamento e rejeita o que acha errado. É impossível não citar aqui as palavras de Agostinho que certa vez afirmou que “se, no Evangelho, você crê no que quer e rejeita o que não quer, não crê no Evangelho, mas em si mesmo”.

Quando se crê que Deus é autor primário das Escrituras, sendo os escritores apenas instrumentos para registrar a sua vontade de forma infalível (2Pe 1.20-21), como é o meu caso, não se tem o problema relatado acima. Posso crer que as palavras atribuídas a Jesus pelos evangelistas foram mesmo ditas por ele, bem como crer que as palavras proferidas por Paulo foram também aprendidas de Cristo.

Com esta convicção, leiamos toda a Bíblia na certeza de que o nosso Senhor fala em cada uma de suas páginas e, como servos, submetamo-nos de coração às suas ordenanças, acatando todo o desígnio de Deus.

16 junho 2011

Deus vai te honrar, irmão!

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A frase que dá título a esta pastoral está frequentemente na boca de cristãos, citada da seguinte forma: “Faça o que é certo, e Deus vai te honrar!” É assim que muitos crentes são motivados a cumprir aquilo que a Escritura ordena, mas será essa uma atitude correta?

Quando se faz o que é correto, pensando no “benefício” de ser honrado, revela simplesmente um coração egoísta, preocupado com sua própria glória. O ensino bíblico, entretanto, é claro. Por meio de Isaías o Senhor afirma: “A minha glória, não a dou a outrem” (Is 48.11). Deus não fica obrigado a nos honrar quando fazemos o que é certo e isso é facilmente percebido nas Escrituras.

No Evangelho conforme Lucas, Jesus ensina que os discípulos deveriam perdoar ao irmão arrependido, ainda que ele pecasse sete vezes no mesmo dia, mas se arrependesse. Diante disso, os discípulos pediram ao Senhor que lhes aumentasse a fé. Jesus então conta a parábola de um servo que arou durante todo o dia e que, chegando à noite, foi ordenado pelo seu patrão a servir a mesa. Por mais cansado que estivesse, a obrigação do servo era servir ao seu senhor. Jesus então pergunta: “Porventura, terá de agradecer ao servo porque este fez o que lhe havia ordenado?” – e completa – “Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer” (Lc 17.9-10).

O ensino de Jesus é claro. Os discípulos deveriam fazer o que estava sendo ordenado, sem esperar recompensa. É isso que a expressão “somos servos inúteis” enfatiza, o humilde reconhecimento de ter cumprido uma obrigação.

Uma história que ensina muito bem a forma correta de o crente se portar é a dos amigos de Daniel. Sadraque, Mesaque e Abede-Nego foram denunciados por não se dobrar diante da estátua de Nabucodonosor, que mandou chamá-los. O rei deu mais uma chance para que eles se prostrassem diante da imagem sob pena de serem lançados na fornalha de fogo, caso se recusassem. Questionou ainda sobre qual seria o deus que os livraria de suas mãos (Dn 3.1-15). A resposta que deram ao rei foi contundente: “Quanto a isto não necessitamos te responder. Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste” (Dn 3.16-18).

A postura dos três jovens foi perfeita. Eles sabiam que Deus era poderoso para livrá-los, mas deixaram bem claro que ele não estava obrigado a isso. Ainda assim, sob o risco de perderem a vida, fizeram o que era correto diante de Deus. Não fizeram para ser honrados, mas para tributar glória ao Senhor.

Alguém poderia perguntar sobre o texto de 1Samuel 2.30, sobre como interpretar, então, o que o Senhor diz ali: “Aos que me honram, honrarei.” A resposta é que não precisamos negar que Deus pode “honrar” seus servos, se assim desejar, mas compreender que a motivação para viver em conformidade com os preceitos da Escritura não é a busca da nossa honra, mas a honra do único que é digno de louvor.

Roguemos ao Senhor que nos faça obedientes e humildes, buscando sempre a sua honra, e que todas as vezes que formos tentados a buscar nossa própria honra nos lembremos bem daquilo que afirmou João Batista, “convém que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30).

11 junho 2011

A glória de Deus e seus “efeitos colaterais”

archery_target“O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre” é a resposta à primeira pergunta do Breve Catecismo (Qual é o fim principal do homem?). Ela aponta para a afirmação de Paulo de que “dele, por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” e para sua ordem aos coríntios de fazer tudo para a glória de Deus (1Co 10.31).

Assim deveria ser a vida do cristão, porém muitas vezes nos perdemos e acabamos direcionando todas as coisas que deveriam ser para a glória de Deus para outro objetivo. Para exemplificar quero abordar somente duas questões, a evangelização e o testemunho cristão.

Sabemos que a Bíblia ordena a evangelização. Somos chamados para proclamar as virtudes daquele que nos chamou das trevas para sua maravilhosa luz (1Pe 2.9). A proclamação tem por objetivo a glória de Deus, independente dos seus resultados. Quando a Palavra de Deus é anunciada com fidelidade, glorifica o Senhor ainda que endureça os corações. Muitas vezes ela será pregada justamente para isso. É bom lembrar que o próprio Senhor, respondendo à pergunta dos discípulos sobre a razão de falar por parábolas, afirmou: “A vós outros é dado conhecer os mistério do reino dos céus, mas àqueles não é isso permitido” (Mt 13.11).

Quando se perde a perspectiva de que a razão primária para a evangelização é a glória de Deus e entende-se que ela se presta primeiramente para salvar os pecadores, o evangelho acaba por ser maculado e distorcido e os métodos são os mais pragmáticos, pois visam simplesmente a fazer prosélitos e, para isso, é bom apresentar uma mensagem que soe bem aos ouvidos do pecador.

O testemunho cristão também é ordenado. No sermão do monte o Senhor afirmou que seus discípulos são a luz do mundo e que essa luz deveria brilhar diante dos homens para que estes, vendo suas boas obras, glorificassem ao Pai do Céu (Mt 5.16). A razão primária para um bom testemunho, portanto, é a glória de Deus. É claro que quando o crente é uma fiel testemunha do Senhor seus atos o fazem ser vistos como uma boa pessoa, ou, em outras palavras, ter uma boa reputação. Por isso, Pedro pergunta a seus leitores: “Ora, quem é que vos há de maltratar, se fordes zelosos do que é bom?” (1Pe 3.13).

Quando, porém, a preocupação primária é com a reputação, em vez da glória de Deus, o homem acaba por se tornar um fariseu. Os fariseus faziam muitas coisas boas, mas sempre com a motivação errada. Eles davam esmolas (Mt 6.2), oravam (Mt 6.5), jejuavam (Mt 6.16) e o Senhor afirma que tudo isso era feito diante dos homens, com o fim de serem vistos por eles, atitude que deveria ser evitada por seus discípulos (Mt 6.1).

Ainda que querer ver pecadores salvos e ter uma boa reputação sejam coisas boas, elas não podem ser um fim em si mesmas, pois isso não trará glória a Deus. Vivendo, porém, o cristão para a glória do seu Redentor, elas podem ser um maravilhoso “efeito colateral” que decorrerá de uma motivação piedosa e santa.

Deve ficar claro, entretanto, que viver para a glória de Deus nem sempre trará resultados bons aos nossos olhos. No texto em que Pedro pergunta aos leitores sobre quem os maltrataria se fossem zelosos do que é bom ele contempla também a possibilidade de sofrimento e, sem deixar espaço para que alguém pensasse ser injusto sofrer por fazer o que era certo, ele anima os irmãos dizendo: “Mas, ainda que venhais a sofrer por causa da justiça, bem-aventurados sois [...[, porque, se for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o mal” (1Pe 3.14,17).

Confiados no Senhor, vivamos então para a sua glória, sabendo que os resultados desse viver sempre ocorrerão de acordo com sua vontade soberana e, quer sejam bons ou ruins (pela nossa perspectiva), sempre cooperarão para o bem daqueles que amam a Deus e são chamados segundo o seu propósito (Rm 8.28).

09 abril 2011

Estariam Herodes e Faraó também endemoninhados?

marionete [1]A pergunta é puramente retórica. Aqueles que conhecem um pouco da história bíblica sabem que não. Ela foi feita, porém, como ponto de partida para pensar um pouco sobre uma afirmação que li em um blog, a de que Wellington Menezes de Oliveira, o cruel assassino das crianças na escola de Realengo – RJ, seria alguém insano e possuído por demônios.

A tragédia entristeceu o Brasil e não era para menos. O saldo de tamanha brutalidade são 12 crianças mortas e 11 que permanecem internadas. A sociedade está chocada e muitos começam questionar as causas. Teria o assassino algum distúrbio mental? Estava ele possuído por demônios? O crime foi tão bárbaro que muitos se negam a acreditar que alguém em sã consciência seja capaz de uma monstruosidade como essa.

Como cristão, não posso deixar de pensar em toda essa questão à luz da Palavra de Deus. Faço, então, algumas considerações:

1. A queda afetou profundamente o homem

Ainda que o homem tenha sido criado santo, à imagem de Deus (Gn 1.26-28), com a desobediência de Adão (Gn 3) todos passaram, a partir de então, a ser inclinados para o mal. Tudo aquilo que o homem deseja, pensa e faz, está afetado pelo pecado. Paulo, citando vários textos do Antigo Testamento, pinta um retrato nada agradável do homem pós-queda. Diz o apóstolo:

como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua, urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca, eles a têm cheia de maldição e de amargura; são os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos, há destruição e miséria; desconheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos – Rm 3.10-18 (grifos meus).

A isso chamamos “depravação total”, resultado da queda de Adão. Nesse ponto você, leitor, pode estar dizendo: “mas eu não me enquadro nessa descrição tão horrível”, e eu respondo: não seja tão apressado. Repare que o texto afirma peremptoriamente que “não há um sequer”, portanto, eu e você, inevitavelmente fazemos parte do grupo.

É claro que o conceito de depravação total diz respeito à extensão e não à profundidade, ou seja, a doutrina quer ensinar que o pecado afetou todas as faculdades do homem e não que o homem é tão mal quanto poderia ser. Apesar de todos serem potencialmente capazes das piores atrocidades, não são todos que as cometem e isso por pelo menos 3 razões: a) Mesmo com a queda, o homem é ainda imagem e semelhança de Deus, ainda que essa imagem esteja distorcida; b) A graça comum de Deus, que alcança até os que se opõem a ele, refreia o pecado; c) O Espírito Santo, por meio da Palavra, santifica aqueles que foram regenerados pelo Senhor.

Diante disso, afirmar, ou mesmo cogitar, que o assassino só poderia estar insano ou endemoninhado para cometer tal barbárie é subestimar o poder do pecado e a consequência do afastamento entre o homem e Deus. O homem não precisa da ajuda do diabo para manifestar sua maldade inerente. Ele é capaz por si só, e muitas vezes o faz quando tem oportunidade.

2. As ações são resultado dos desejos do coração

Em um texto anterior demonstrei que o homem é governado pelo seu coração. Esse ensino é abundante nas Escrituras, o que controla o coração controla o homem. Salomão, com a sabedoria que lhe era peculiar escreveu que “como na água o rosto corresponde ao rosto, assim, o coração do homem, ao homem” (Pv 27.19). Jesus enfatizou que do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (Mt 15.19).

Há quem diga que o homem é aquilo que ele come, referindo-se à saúde do corpo. A verdade bíblica, porém, é que o homem é aquilo que ele crê (e isso engloba também a forma como se relaciona com os alimentos). As ações são resultado de convicções, e as convicções resultado daquilo que controla o coração.

Muitos tentam desculpar o homem apontando para as questões sociais ou culturais como causa do “comportamento inadequado”, porém, mesmo sabendo que essas questões podem influenciar, elas não são determinantes, antes, tais circunstâncias servem para revelar o que está latente no coração do indivíduo que acaba por agir em conformidade com ele.

Demonstrarei isso de forma prática com duas histórias que também envolvem o assassinato de crianças, ambas dos personagens citados no título, Herodes e Faraó.

A Bíblia relata que por ocasião do nascimento de Jesus alguns magos chegaram a Belém inquirindo sobre o nascimento do Rei dos judeus. Herodes ficou alarmado com a notícia e mandou que os magos o avisassem. Quando percebeu que os magos o haviam iludido, pois foram divinamente advertidos em sonho, enfureceu-se e mandou matar todas as crianças abaixo de dois anos (cf. Mt 2.1-18).

O que governava o coração de Herodes era o desejo de permanecer sendo rei. Sua convicção era a de que qualquer ameaça à sua condição de rei deveria ser eliminada, e foi isso que tentou fazer, mandando matar as crianças.

A segunda história é bem anterior a essa, aconteceu logo depois que José, filho de Jacó morreu. O livro de Êxodo afirma que logo após sua morte, levantou-se um novo rei no Egito que não conhecia a José. Ele começou a preocupar-se com o crescimento dos hebreus e temendo que o povo, em vindo a guerra, se ajuntasse aos seus inimigos e saíssem da terra, mandou colocar feitores sobre o povo para afligi-lo. Porém, quando mais afligido, mais o povo crescia. O rei arquitetou então outro plano, mandou que as parteiras matassem todos os meninos que nascessem das hebréias, o que não aconteceu somente porque as parteiras foram desobedientes (Ex 1.1-22).

O que governava o coração do rei era o desejo de continuar dominando os hebreus. Sua convicção era a de que nada poderia atrapalhar isso e sua ação foi para que seu intento prevalecesse.

As histórias confirmam ainda mais a tese de que o homem é governado pelo seu coração quando percebemos que os guardas, temendo Herodes, mataram as crianças, enquanto as parteiras, por temer ao Senhor, desobedeceram ao rei.

Em nossos dias não é diferente. Os homens bomba muçulmanos explodem-se em atentados terroristas convictos de que receberão como recompensa vinho e 72 virgens. Certamente o assassino do Rio tinha também suas motivações, ainda que não saibamos quais eram e talvez nunca venhamos saber. Uma coisa é certa, atribuir o assassinato a distúrbios mentais ou a endemoninhamento implica em retirar dele toda a responsabilidade moral pelo ato.

3. Devemos ter cuidado com o nosso coração

Quando nos deparamos com um crime tão bárbaro como esse do Rio os sentimentos se misturam. Tristeza, revolta e ira, são apenas alguns deles, mas, diante do Senhor, devemos examinar nosso coração. Esse exame deve levar em consideração algo que vai além desta tragédia e deve ser abrangente o suficiente para abraçar outros acontecimentos ao redor do mundo, que são igualmente tristes e revoltantes.

Nosso coração é enganoso e pode pregar uma peça nada engraçada nos fazendo impactar com este evento e, contudo, expressar sentimentos que não tem direta relação com a glória de Deus e a compaixão com o próximo. Podem, antes, expressar um coração que, em seu egoísmo, pensa de si mesmo ser alguém que é melhor e procura desesperadamente alguém pior do que ele mesmo! O que estou tentando dizer é que a forma como lidamos com o pecado alheio pode revelar que, no fundo, achamos que somos capazes por nós mesmos de não fazer coisas semelhantes. Uma história que acho formidável e que revela um coração consciente da sua pecaminosidade e do cuidado de Deus envolve o pastor presbiteriano Matthew Henry. Conta-se que, ao voltar da universidade onde lecionava foi assaltado e fez a seguinte oração:

“Quero agradecer, em primeiro lugar, porque eu nunca fui assaltado antes. Em segundo lugar, porque levaram a minha carteira, e deixaram a minha vida. Em terceiro lugar, porque mesmo que tenham levado tudo, não era muito. Finalmente, quero agradecer porque eu fui aquele que foi roubado e não aquele que roubou”.

A percepção de Mattew Henry é perfeita. O que o diferenciava do ladrão era a maravilhosa graça de Deus que o havia regenerado e o conservava firme.

Devemos estar também muito bem conscientes disso. Aquele que é o único com poder para transformar um coração de pedra em um de carne (Ez 36.26) é o mesmo que nos ordena a guardar a Palavra nesse novo coração a fim de não pecar contra ele (Sl 119.1). É ele também que nos exorta a confiar nele, abandonando a autoconfiança, ao invés de presumirmos estar de pé por nossos próprios méritos, arriscando-nos a cair (1Co 10.11-13).

Para terminar...

Minha oração é para que o Deus de toda a consolação guarde e console o coração dos familiares e amigos das vítimas e para que o Senhor nos dê plena convicção de que, pecadores que somos, estamos sujeitos a atitudes também horríveis, a não ser que sejamos plenamente sustentados por sua graça e misericórdia.

Que agradeçamos ao Senhor porque se outrora éramos escravos do pecado, fazendo a vontade da carne e estando sob a justa ira de Deus, pela sua infinita graça, viemos a obedecer ao Evangelho e tivemos as disposições do coração corrupto modificadas, a fim de podermos servir de coração ao Redentor.

Que entendamos, sinceramente, que o que nos diferencia de homens que cometem esse tipo de atrocidade não é a nossa bondade em relação à maldade deles, mas a graça de Cristo Jesus que nos sustenta.

Que proclamemos que o Deus que nos redimiu é poderoso para salvar todos aqueles que, arrependidos, se achegam a ele pela fé. Lembre-se que o maior pregador cristão, Paulo, perseguia e matava os crentes, até que foi transformado pelo Senhor. Há redenção em Cristo Jesus!

Que busquemos, pela Escritura, conhecer mais o Redentor e que vivamos plenamente para sua glória e louvor.


[1] Sou devedor aos meus amigos Alan Rennê, Filipe Fontes, Jônatas Abdias e Ricardo Moura pela leitura que fizeram do texto antes de eu publicá-lo e pelas considerações importantíssimas para o resultado final.

07 abril 2011

01 abril 2011

Sobre a autoridade da Escritura

bibliautoridade2 É muito comum ouvir os cristãos falarem da Bíblia como autoridade e como regra de fé e prática, mas negarem essa afirmação em suas vidas diárias e, infelizmente, não são poucos os que caem, vez por outra, nessa inconsistência. É como já disse alguém, na prática a teoria é outra.

Quanto se fala em autoridade da Escritura é inevitável confrontar o pluralismo existente em nossos dias. Não há como negar que a sociedade, de um modo geral, tem abolido o conceito de verdade. Os absolutos não mais existem e aqueles que têm insistido em tratar de assuntos, quaisquer que sejam, pensando em termos de verdades absolutas são taxados de fundamentalistas.

O homem moderno não tem suportado a ideia de que exista uma verdade absoluta. O que importa hoje é a verdade “própria”. Só para exemplificar: no último senso do IBGE um entrevistador que veio a nossa casa estava explicando que na hora de preencher o formulário ele deveria marcar exatamente o que a pessoa dissesse. A pergunta era mais ou menos a seguinte: “que cor você considera ter?” e, se um negro dissesse que se considerava branco era isso que seria anotado na pesquisa, mesmo que o entrevistador estivesse constatando que não era verdade.

No campo religioso, já no começo do século XIX, Schleiermacher começava a questionar o cristianismo, que cria na exclusividade de Cristo para a salvação do homem. Sua afirmação era de que Deus “está salvificamente disponível, em algum grau, a todas as religiões, mas o evangelho de Jesus Cristo é o cumprimento e a mais alta manifestação da consciência religiosa universal”[1]. Nós continuamos a ouvir isso diariamente em afirmações do tipo: “todos os caminhos levam a Deus”.

O que causa espanto não é a postura do mundo, pois este, conforme ensina João, jaz no maligno (1 Jo 5.19), mas a postura de muitos cristãos que têm comprado a ideia de que não podemos nos posicionar de acordo com o que ensina a Bíblia, pois há outras formas de pensar e todas devem ser levadas em consideração.

MacArthur faz uma pertinente observação: “A maneira moderna de pensar, ‘toda-verdade-é-relativa’, tira a Bíblia do seu pedestal de autoridade e a coloca na prateleira como ‘mais um livro’.”[2]

Muitos têm dito, por exemplo, que não podemos crer “cegamente” no que a Bíblia diz sobre o surgimento do Universo e do homem, pois a ciência afirma que foi de outra forma. Não podemos também afirmar que a ansiedade seja pecado porque há várias teorias sobre a sua causa. Como já citado, a salvação exclusivamente por meio de Cristo também não pode ser proclamada, pois é, no mínimo, intolerância.

Não nos enganemos. No mundo pluralista em que vivemos aqueles que assumirem a crença na autoridade suprema da Escritura serão tidos como intolerantes, arrogantes, bitolados, fundamentalistas e muitos outros rótulos semelhantes, o que é extremamente contraditório, pois mostra que suposto pluralismo das ideias não tolera a ideia de que alguém creia em absolutos.

Qual deve ser, então, a atitude dos cristãs em meio a tudo isso?

Um dos princípios da Reforma Protestante é o Sola Scriptura. É preciso entender que com esse princípio os reformadores estavam rompendo de vez com a ideia da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) que considerava (e ainda considera) a tradição como tendo a mesma autoridade da Escritura. Para os reformados, a Escritura é a palavra final, a autoridade máxima em matéria de fé e doutrina.

Quando escreveu aos tessalonicenses o apóstolo Paulo deu graças a Deus justamente porque eles, ao ouvir a Palavra por meio de Paulo, acolheram “não como palavra de homens e sim como, em verdade é, a palavra de Deus” (1 Ts 2.13). Paulo reconhecia e entendia que a autoridade não era dele, mas da Palavra de Deus.

No capítulo 17 de Atos dos Apóstolos vemos um episódio interessante. Em Tessalônica Paulo havia visitado a sinagoga, e alguns foram persuadidos (17.4). Certamente é a eles que Paulo se refere em 1 Tessalonicenses 2.13, porém muitos judeus alvoroçaram a cidade contra Paulo. À noite Paulo e Silas são enviados para Bereia e, como de costume, dirigem-se à sinagoga (17.10). No versículo 11 os bereanos são elogiados porque recebiam a palavra pregada por Paulo com toda avidez, mas examinavam “as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim” (17.11).

A autoridade da Escritura é afirmada por toda a Bíblia. O apóstolo Paulo fazia questão de frisar que seu ensino era firmado na Escritura. Ensinando aos coríntios sobre a ressurreição ele diz que Cristo morreu, foi sepultado e ressuscitou segundo as Escrituras (1 Co 15.3,4). Quando foi acusado de ensinar doutrinas estranhas e provocar motim entre o povo, defendeu-se diante do governador Félix afirmando que servia a Deus “acreditando em todas as cousas que estejam de acordo com a lei e nos escritos dos profetas” (At 24.14).

O próprio Senhor Jesus em seu ministério demonstra a autoridade da Palavra ao ensinar que o povo deveria crer com base nela (Jo 7.38). Depois de sua ressurreição ele apareceu a dois discípulos no caminho de Emaús, que não o reconheceram (Lc 24.13-16). O texto diz que eles estavam entristecidos e preocupados e Jesus questionou-os sobre a razão dessa tristeza (24.17). A explicação que deram é que aquele que eles achavam que redimiria a Israel morreu e o seu corpo havia sumido (24.18-24). Jesus os repreendeu duramente dizendo: “Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés, discorrendo por todos os profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (24.25-27).

Este episódio não deixa dúvidas. Os discípulos viram a morte e ouviram a notícia de que o corpo havia sumido, mas essa não deveria ser a palavra final sobre o assunto. A Palavra final era aquilo que as profecias afirmavam que iria ocorrer e Jesus, então, apela à autoridade da Escritura para ensinar os discípulos.

Sendo então a Escritura a Palavra autoritativa de Deus, é ela que deveria determinar tudo o que devemos fazer e também como fazer. Infelizmente esta não tem sido a realidade em nossos dias. Temos substituído o que a Bíblia ordena por aquilo que achamos que dá certo. É o pragmatismo do nosso mundo pluralista ditando o modo de agir da Igreja de Deus.

Tratando desse tema, James Boice escreve: “Confessamos sua autoridade [da Bíblia], mas não levamos em conta sua habilidade de fazer o que for necessário para atrair descrentes a Cristo, capacitar-nos a crescer em piedade, proporcionar direção para nossa vida, e transformar e revitalizar a sociedade. Assim, substituímos o evangelismo bíblico por coisas tais como a metodologia dos publicitários, experiências ‘religiosas’ especiais em vez de conhecimento da Palavra para promover e garantir a santificação, revelações especiais para discernir a vontade de Deus para nossas vidas, e uma confiança no poder dos votos e dinheiro para mudar a sociedade.”[3]

A Igreja de Deus é duramente golpeada quando seus filhos não têm a Escritura com autoridade em suas vidas. Como bem afirma Hanko: “Devemos entender que a autoridade da Escritura é a autoridade de Deus mesmo. Dizer que a Escritura é a Palavra de Deus é dizer que ela tem toda autoridade. Negar isso é negar a Deus; contradizer isso é contradizer o próprio Deus.”[4]

Em um mundo pluralista e em tempos que muitos crentes têm procurado apoiar sua fé em questões subjetivas, devemos recorrer à autoridade suprema da Escritura a cada dia.

Fujamos da hipocrisia de negar com atos o que dizemos crer e roguemos ao Senhor que nos dê forças para continuar crendo na autoridade da sua Palavra. Não tenhamos medo de confessar a autoridade da Escritura, pois ela emana do próprio Deus.


[1] Citado por Heber Carlos de Campos no artigo “O pluralismo do pós-modernismo” em Fides Reformata. Vol 2 n° 1. São Paulo: 1997, p. 6.

[2] John MacArthur Jr. Como obter o máximo da Palavra de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 58

[3] James M. Boice. O Evangelho da graça. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 64

[4] Ronaldo Hanko. A autoridade da Escritura. Publicado em www.monergismo.com, acessado no dia 21/01/2009.