29 novembro 2009

Uma breve reflexão sobre “cultos especiais”

sede_culto Desde a minha conversão ouço falar em “culto especial” e confesso que sempre me soou de forma muito estranha ainda que não pudesse explicar o porquê. Lá se vão 16 anos desde que conheci a Cristo e creio que hoje tenho condições de esboçar algumas linhas para explicar o meu desconforto com a expressão.

A palavra “especial”, conforme ensina o dicionário Houaiss, significa, dentre outras coisas, “ótimo, excelente e fora do comum”. Quando posta junto da palavra “culto”, inevitavelmente tem-se uma implicação muito séria que carece de explicação: “O que faz um culto ser ‘fora do comum’, ‘ótimo’ ou ‘excelente’ em relação aos outros?”

Para nós, presbiterianos, o ensino bíblico sobre o culto está expresso na Confissão de Fé de Westminster. Nela aprendemos que

“o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo, e é tão limitado pela sua vontade revelada, que ele não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens, ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível, ou de qualquer outro modo não prescrito nas Escrituras – Dt 12.32; Mt 15.9; Mt 4.9,10; Jo 4.23,24; Êx 20.4-6” – (CFW XXI.I).

Aprendemos ainda que

“a leitura das Escrituras, com santo temor; a sã pregação da Palavra e a consciente atenção a ela, em obediência a Deus, com inteligência, fé e reverência; o cântico de salmos, com gratidão no coração; bem como a devida administração e digna recepção dos sacramentos instituídos por Cristo – são partes do ordinário culto de Deus, além dos juramentos religiosos, votos, jejuns solenes e ações de graça em ocasiões especiais, os quais, em seus vários tempos e ocasiões próprias, devem ser usados de um modo santo e religioso – At 15.21; Ap 1.3; 2Tm 4.2; Tg 1.22; At 10.33; Hb 4.2; Cl 3.16; Ef 5.19; Tg 5.13; At 16.25; Mt 28.19; At 2.42; Dt 6.13; Ne 10.29; Ec 5.4,5; Jl 2.12; Mt 9.15; Hb 4.2” – (CFW XXI.V).

Nessas cláusulas entendemos que o culto é prescrito pelo próprio Deus tendo como partes constituintes aquilo que ele mesmo estabeleceu. É fato que o texto da Confissão fala em ocasiões especiais, mas isso é bem diferente de culto especial. O culto deve ser sempre prestado com o mesmo temor, a mesma atenção à Palavra, a mesma inteligência, fé e reverência, a mesma gratidão no coração, independente da ocasião.

Porém, a mesma Confissão de Fé ensina que

“Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (descanso) santificado por ele; desde o princípio do mundo até a ressurreição de Cristo, esse dia foi o último da semana; e desde a ressurreição de Cristo, esse dia foi o último da semana, dia que na Escritura é chamado domingo, ou dia do Senhor, e que há de continuar até ao fim do mundo como o sábado cristão” – Êx 20.8-11; Gn 2.3; 1Co 16.1,2; At 20.7; Ap 1.10; Mt 5.17,18 – (CFW XXI.VII).

Ou seja, se há um dia especialmente designado para o culto, este é o dia do Senhor, dia que para nós deveria ser inegociável.

Voltando então à questão: “O que faz um culto ser ‘fora do comum’, ‘ótimo’ ou ‘excelente’ em relação aos outros?”, e analisando-a pelo crivo do ensino das Escrituras como exposto na CFW, deveríamos entender que não faz sentido distinguir alguns cultos como “especiais”. Se o culto é prestado ao Senhor, todos devem ter a mesma motivação que é a glória daquele que nos salvou.

Infelizmente parece que não é esse o entendimento de muitos irmãos e é fácil constatar isto. Basta observar que, para muitos crentes, é quase um pecado mortal não observar algumas datas do chamado “calendário litúrgico”. Nessas datas há uma movimentação grande em torno de músicas especiais, cantatas, teatros, tudo para ser apresentado nos cultos e pessoas não crentes são convidadas para assistir às apresentações.

Não quero deixar aqui a impressão de que sou contra cantatas e corais, absolutamente (desde que não tomem o lugar da exposição da Palavra). O problema, a meu ver, é que muitos desses que não abrem mão dos “cultos especiais” não têm a mesma disposição para a guarda do dia do Senhor e a observância do culto prestado neste dia. Esse culto que é prescrito, diferente dos “especiais”, não tem recebido a mesma atenção de muitos crentes que o trocam pelo jogo do seu time de futebol, pela festa de algum parente, pelo “cansaço” e por uma infinidade de outras desculpas. Mais ainda, vários daqueles que convidam não crentes para as cantatas e cultos especiais não os convidam para o culto público onde há “somente” a pregação da Palavra.

Devemos admitir que algo está muito errado quando se negligencia o culto prescrito por Deus no dia do Senhor mas não se abre mão de cultos especiais do “calendário litúrgico”.

Se esta constatação é verdadeira, quando se fala em culto especial não está se pensando na glória de Deus, mas na satisfação daqueles que irão ao culto. O culto é especial não para Deus, mas para os homens que têm alguma novidade no serviço litúrgico e isto se constitui um completo equívoco sobre aquele que tem de ser agradado no culto.

Que o Senhor nos dê o discernimento necessário para sondar nossas motivações e descobrir se quando cultuamos, fazendo desta ou daquela forma, estamos preocupados com a glória de Deus ou com a satisfação do homem.

A Deus seja toda a glória.

01 novembro 2009

Sempre reformando, mas da forma correta!

nova reforma Desde que Martinho Lutero, 492 anos atrás, mais precisamente no dia 31 de outubro de 1517, afixou às portas da igreja de Wittemberg suas 95 teses contra o comércio das indulgências dando início à Reforma Protestante, uma frase é sempre citada pelos “herdeiros” da Reforma: Igreja Reformada, sempre se reformando.

Ainda que não se saiba quando nem quem a cunhou, a frase ficou mais ligada à Reforma Suíça promovida por Zuíngio e Calvino, conforme afirma o historiador Alderi de Souza Matos.

O significado etimológico da palavra reforma é “dar a primeira forma a” ou “restabelecer” e isso é precisamente o que a célebre frase quer ensinar, a Igreja Reformada deve estar sempre voltando às origens, deve ser como era em seu início. Para tanto, é imprescindível voltar os olhos para a Escritura e observar o que ordena o Senhor da Igreja.

Por viver desta forma, os reformadores insistiam em que só a Escritura é regra de fé e prática (Sola Scriptura), somente a graça de Deus é a causa da salvação do homem (Sola Gracia), somente a fé é o instrumento dessa salvação (Sola Fide), somente Cristo salva (Solus Crhistus) e somente Deus é digno de ser glorificado (Soli Deo Gloria).

Curiosamente muitos dos “herdeiros” da Reforma têm confundido reformar com inovar (“introduzir novidade em” ou “fazer algo como não era feito antes”), mas são rápidos para afirmar: “Igreja Reformada, sempre reformando”, para justificar práticas que nem de longe passariam pela cabeça dos reformadores.

Temos visto a Escritura sendo posta de lado, o Evangelho da graça sendo barateado e sessões, campanhas, correntes, etc., sendo colocados como requisito para se receber algo da parte de Deus, anulando assim a fé. Mais ainda, Cristo não tem sido suficiente e a vontade do homem tem sido exaltada em detrimento de Deus.

A consequência é inevitável. Como aprendemos na Confissão de Fé de Westminster, quando Deus não é adorado de acordo com o que ele mesmo instituiu e limitou pela sua Palavra, fatalmente será “adorado” “segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás” (CFW XXI.I). O resultado disso será sempre a reprovação, nos mesmos moldes da repreensão de Jesus aos fariseus dizendo que “este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mt 15.8-9).

Queira o Senhor que aqueles que têm defendido esse tipo de “reforma” (leia-se inovação) se arrependam e voltem aos trilhos redescobertos pelos reformadores e que o Senhor mantenha fiéis aqueles que têm entendido que a igreja deve, de fato, sempre se reformar, mas da forma correta.