22 fevereiro 2013

A irracionalidade do pecado

burro“Quando o meu coração estava amargurado e no íntimo eu sentia inveja, agi como insensato e ignorante; minha atitude para contigo era a de um animal irracional”  - Sl 73.21-22

A confissão acima foi feita por Asafe e diz respeito à forma como ele havia se comportado antes de voltar a si e perceber que Deus era bom para com os de coração puro (73.1). Mas o que havia acontecido?

Podemos verificar isso a partir do segundo versículo do Salmo. Asafe afirma que quase se desviou dos caminhos do Senhor por ter inveja dos arrogantes e perversos. Na cabeça dele, os ímpios estavam numa situação bem melhor que a sua. Eles eram prósperos, não tinham preocupações, eram sadios e fortes, estavam livres de fardos e não eram atingidos por doenças. Além disso, eles eram bem vistos e ouvidos pelo povo que se saciava com sua sabedoria. Asafe chega a afirmar que “assim são os ímpios; sempre despreocupados, aumentam suas riquezas” (73.12).

Diante disso, a conclusão parecia lógica: servir a Deus conservando o coração puro e lavando as mãos na inocência havia sido inútil, pois ele era afligido e todas as manhãs castigado (73.13,14). Era como se ele estivesse dizendo: Se Deus não me dá o que eu mereço, não vale a pena servi-lo.

Entretanto, por mais lógica que possa parecer essa conclusão, ela esta errada por alguns motivos:

1. Ela aponta para as benesses desta vida como essenciais para a felicidade – Asafe achava que seria plenamente realizado à medida que tivesse “coisas”. Ele estava tão seduzido pela prosperidade dos ímpios que se deixava enganar pela ilusão de que aqueles que têm posses materiais estão isentos dos problemas e aflições desta vida. Certamente você conhece pessoas que sofrem e que enfrentam doenças terríveis a despeito de serem abastadas financeiramente (A alegria está em Deus – 25).

2. Ela pressupõe que o servo de Deus seja merecedor de bênçãos – Ao dizer que foi inútil servir a Deus, está implícita a presunção de merecimento. Como ele poderia passar por privações e aflições enquanto ímpios tinham de tudo? Há aqui um coração orgulhoso e cobiçoso. Um coração que serve a Deus por aquilo que ele pode conceder e não por quem ele é.

Vi isso de perto quando eu cursava o seminário e tive de entrevistar o pastor de uma igreja neopentecostal para o trabalho de uma matéria. Uma das perguntas era se a oração muda a vontade de Deus. Após responder que sim, o pastor arrazoou e terminou dizendo: “Se a oração não muda a vontade de Deus é melhor servir ao diabo”. Em outras palavras, servirei a “quem dá mais”.

3. Ela faz de Deus um “estraga prazeres” – Isso também fica implícito quando Asafe afirma ser inútil servir a Deus. O Senhor não o estava deixando usufruir aquilo que ele merecia.

Podemos ver isso quando, em nossos dias, alguns dizem: Deus deu ao homem o desejo sexual, mas mandou ter relacionamento só no casamento; Deus deu ao homem o paladar e o proíbe a gula, etc. Isso não é novo, se você estudar as primeiras páginas da Bíblia verá algo parecido com isso: “Deus deu o melhor fruto, aquele que era bom para se comer, agradável aos olhos e desejável para dar entendimento tornando o homem como ele, e os proibiu de comer” (Leia Gn 3.1-7). Sabemos como terminou isso.

4. Ela parte de uma leitura pontual da vida – Asafe só conseguia enxergar a sua situação atual. Não havia em sua mente passado ou futuro, gratidão por aquilo que já tinha recebido do Senhor ou esperança quanto ao que Deus haveria de ainda fazer. O que importava era simplesmente o presente. Não é sem razão que Paulo ensina no Novo Testamento que “se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co 15.19).

Foi por tudo isso que Asafe afirmou que sua atitude era a de um irracional. O pecado é sempre assim, irracional. Ele não parte de um entendimento correto, mas da completa falta de compreensão a respeito do caráter e das obras de Deus. Não foi à toa que Davi exortou seus leitores a não serem “como o cavalo ou a mula, sem entendimento, os quais com freios e cabrestos são dominados; de outra sorte não te obedecem” (Sl 32.9) e que Deus, por boca do profeta Isaías, disse a seu povo desviado: “O boi conhece o seu possuidor, e o jumento, o dono da sua manjedoura; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende” (1.3).

O que trouxe Asafe à razão foi entender a vida numa perspectiva mais ampla e futura: “Até que entrei no santuário de Deus, e então compreendi o destino dos ímpios; [...] Tu me guias com o teu conselho e depois me recebes na glória” (73.17; 24). Esta vida e suas intempéries, diante da eternidade, não são nada. Ainda que tenhamos uma vida totalmente terrível (o que é improvável) diante da eternidade na presença bendita do Senhor não é nada.

A mudança de perspectiva faz com que ele também saiba que a satisfação verdadeira está no Senhor: “Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem me compraza na terra” (73.25) e que “bom é estar junto a Deus” (73.28), que é o verdadeiro refúgio. Essa é a satisfação que você também pode ter.

Não cometa o mesmo erro de Asafe. Em vez de se deixar enganar pela sedução do pecado, portando-se como um irracional, não se conforme com este século, antes, transforme-se pela renovação da sua mente, levando cativo todo o seu pensamento à obediência de Cristo, para experimentar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (cf. Rm 12.2 e 2Co 10.5).