08 novembro 2013

Um leão está no caminho – a tentativa de racionalizar o pecado

 

AUTO_myrria_leaoQuando a carta de Angélica* pedindo exoneração da função que exercia na igreja chegou ao Conselho, as razões apresentadas pareciam plausíveis. Estava ficando difícil conciliar o emprego, o cuidado com a casa e os trabalhos finais da pós-graduação com o seu trabalho na igreja. Diante de tantos afazeres, o trabalho da igreja ficaria sempre em segundo plano e para fazer mal feito era melhor deixar para alguém que pudesse desempenhar melhor a função.

 

Pensando no que afirma o livro do profeta Jeremias, “maldito aquele que fizer a obra do Senhor relaxadamente” (Jr 48.10a), a atitude de deixar um cargo da igreja por entender que não será feito um bom trabalho e, por isso, Deus não será honrado, deveria ser vista como louvável. Porém, a história ainda não terminou.

 

Na visita pastoral a fim de acompanhar Angélica, que além de ter entregado o cargo também não estava frequentando a igreja, algumas constatações foram feitas.

 

Ela foi arguida sobre sua vida devocional e respondeu que não tinha tempo de ler as Escrituras. De fato, eram muitas as leituras requeridas no curso, mas nada que justificasse não separar ao menos 20 minutos diários para uma breve leitura bíblica. Era fácil perceber que a desculpa era fraca. Entretanto, um problema ainda mais grave viria à tona.

 

Como Angélica havia entregado o seu cargo e não estava frequentando a igreja, a conversa acabou também tomando essa direção e em determinado momento ela expressou: “Se eu continuasse no cargo iria fazer mal feito e as pessoas iriam me criticar. Eu não gosto de ser criticada!”.

 

Você consegue perceber o que está, de fato, em jogo aqui? Na explicação dada na carta enviada ao Conselho, a motivação parecia piedosa, porém, diante dessa última afirmação, percebe-se que aquela era apenas uma tentativa de justificar a verdadeira razão para o abandono da função: orgulho!

 

“Diz o preguiçoso: Um leão está lá fora; serei morto no meio das ruas”

(Pv 22.13)

 

O provérbio acima faz exatamente essa constatação. Para não admitir o seu pecado, a sua falta de vontade de fazer o que deve, o preguiçoso trata de arranjar uma desculpa. Seu problema não é a preguiça, seu problema é que se ele se propuser a fazer o que deve estará diante de um perigo iminente. É possível até ouvir em alto e bom som: “Vocês não estão vendo que tem um leão lá fora e que estou correndo perigo?”.

 

Infelizmente, essa atitude não é exclusiva de Angélica ou do preguiçoso do provérbio. De modo geral, o homem vive arranjando razões que “justifiquem” ou escondam o seu pecado. Convenhamos, é bem mais fácil buscar a causa em coisas externas ou em algo que foge ao nosso controle do que admitir a nossa culpa e irresponsabilidade.

 

Por isso, é tão comum se ouvir por aí: “Eu não sou guloso, meu problema é de metabolismo”; “É lógico que confio em Deus, a causa da minha ansiedade é química, preciso é de remédios”; “Eu não sou iracundo, tratei mal fulano porque ele não entende meus problemas”; “Não, eu não sou lascivo, mas sabe como é, né? Sou casado e minha esposa não supre as minhas necessidades”, etc., e, assim, são os leões e não a preguiça o alvo a ser tratado. Se eles não existissem, as atitudes seriam outras.

 

A questão é tão sutil que, ao criar o seu leão imaginário, o preguiçoso se dá por satisfeito e se rende à sua condição. Ninguém precisa acreditar na sua alegação, basta que ele saiba que o problema não é ele.

 

Confessando o pecado ao Leão de Judá

 

A Bíblia fala também de outro Leão, este, majestoso. Em Apocalipse João chama o Senhor Jesus de o Leão da Tribo de Judá. Ele é o Deus Todo-Poderoso, aquele que venceu a morte para nos dar uma nova vida. O Leão de Judá é aquele que tem poder para perdoar os pecados e tratar o nosso coração. Em vez de racionalizar os pecados, podemos e devemos confessá-los ao Senhor e receber dele o perdão (1Jo 1.9).

 

Enquanto o verdadeiro problema não for tratado, nunca haverá alegria e satisfação.

 

Voltemos então à Angélica. Ela ouviu e entendeu que estava arranjando desculpas e que o seu orgulho era o verdadeiro problema a ser enfrentado. O grande problema é que não basta entender o problema. Como já foi afirmado, é preciso confessar o pecado e, ainda mais, buscar forças no Senhor a fim de uma mudança efetiva.

 

Angélica não voltou mais à igreja, não quis a ajuda que lhe foi oferecida, mas espero no Senhor que passados tantos anos já tenha tratado o problema.

 

A sua história pode ser diferente. Se você tem tentado racionalizar o seu pecado e ao ler este texto se deu conta do caminho que está tomando, achegue-se confiadamente ao Leão de Judá, confesse a sua falta e rogue que o seu Espírito o ajude em sua caminhada cristã, de modo que honre o Senhor em todo momento.


* O nome é fictício mas a história é real

28 agosto 2013

As mentiras dos outros... e as minhas

mentira-2Esta semana fui novamente levado a pensar sobre a mentira. Abri o Facebook e li a notícia de que um amigo ia ter mais um filho e, claro, tratei de parabenizá-lo. Mais tarde tomei conhecimento de que tudo não passava de uma “brincadeira” feita por amigos dele que entraram em sua conta e colocaram a notícia.

Em princípio fiquei bravo de ter sido enganado e comecei a pensar nos desdobramentos. Quantas pessoas não poderiam ter passado a notícia para frente, até para familiares que não têm acesso ao Facebook, e criar uma falsa expectativa? Isso me deixou ainda mais furioso, mas me levou a pensar também nas minhas mentiras.

Em “brincadeiras” com minha filha, às vezes falo algo que não é verdadeiro só para ver a reação da pequena. Às vezes, diante de uma palavra malcriada da parte dela, ao invés de ensiná-la a honrar os pais, como Deus ordena, finjo que estou triste e chorando para ver se ela vai demonstrar algum arrependimento ou, no caso, remorso, visto que no fim das contas ela não está aprendendo a lamentar pelo que fez, mas pela consequência do que fez.

Quando o foco do meu pensamento passou a ser as minhas mentiras, o caso não me pareceu assim tão grave e fui tentado a racionalizar: “Não podemos levar tudo a ferro e fogo! O que tem de mais numa brincadeira?”, “todos gostamos de nos divertir”, mas pela graça de Deus logo me veio à mente o versículo de Provérbios 26.18-19: “Como o louco que atira brasas e flechas mortais, assim é o homem que engana o seu próximo e diz: ‘Eu estava só brincando!’” (NVI).

Creio que o Senhor fez registrar esse texto na Escritura exatamente por causa dessa nossa tendência de tentar minimizar aquilo que a Bíblia chama de pecado. Se sou eu a quebrar a Lei do Senhor é melhor aliviar um pouco e dizer que é apenas diversão ou que estamos a testar alguém.

Como cristãos sabemos, ou deveríamos saber, de cor o nono mandamento que diz: “Não dirás falso testemunho contra o seu próximo” (Êx 20.16), e aí está o maior dos problemas da mentira. Ela não é má e desaconselhada somente porque pode criar falsas expectativas, como no caso da notícia sobre o “novo filho” do meu amigo, ou porque pode ser usada para ensinar errado, como no meu caso com minha filha, mas porque é uma afronta àquele que é a Verdade (Jo 14.6) e que ordena a seus filhos que falem a verdade. Calvino é preciso em sua interpretação desse mandamento, quanto afirma:

“Por este mandamento Deus, que é a verdade, e que detesta a mentira, obriga-nos a dizer e manter a verdade sem fingimento. O sumário disso é que não prejudiquemos a reputação de ninguém com calúnias ou boatos, nem lhe causemos dano com relação a seus bens com falsas acusações. Enfim, que não prejudiquemos ninguém com calúnias ou com zombaria” (Institutas I.III.69).

Quando falamos a verdade honramos ao Deus da verdade, mas quando mentimos ou damos crédito à mentira agimos como promotores do diabo, que é o pai da mentira (Jo 8.44). Não há meio-termo, não existe possibilidade de falar mentira e, ao mesmo tempo, cumprir o nosso chamado para glorificar a Deus em tudo o que fizermos (1Co 10.31).

Ao mentir desonramos diretamente a Deus quando quebramos a sua Lei, indiretamente ao levar pessoas a louvar a Deus por algo que ele não fez, como no caso dos cumprimentos recebidos por meu amigo, e expomos outros ao pecado, como no meu caso ao instruir errado a minha filha e acabar levando-a ao remorso em vez do arrependimento, e isso só para ficar nos dois casos que estou tratando aqui.

A tentação de mentir está mais presente em nosso dia a dia do que imaginamos: para nos esquivar de responsabilidades sem parecer preguiçosos, não parecer mal-educado diante de alguém que lhe ofereceu uma comida da qual você não gostou muito, não ser repreendido por algum erro cometido no trabalho, não começar uma briga com a esposa que não entenderá se a verdade for dita ou ainda para nos divertir à custa de outros.

Diante disso devemos examinar o nosso coração diante de Deus, lembrando-nos sempre de que fomos chamados para deixar a mentira e falar sempre a verdade com o próximo (Ef 4.25) e, é claro, falando a verdade em amor a fim de crescer em Cristo Jesus (Ef 4.15).

Não brinque com a mentira, pois, como afirmou Salomão, isso é coisa de louco (Pv 26.18-19).

Que Deus nos ajude.

08 agosto 2013

Fique atento às suas motivações

motivação coração2Deus não está mais preocupado com o que fazemos do que com a razão pela qual fazemos e é fácil perceber isso nas Escrituras. Esse foi o motivo de Jesus afirmar categoricamente acerca dos fariseus: “Esse povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mt 15.8). Ao mesmo tempo em que declaravam louvores ao Senhor, os fariseus negavam a Palavra e ensinavam seus próprios princípios (Mt 15.9).

Podemos verificar essa mesma verdade no julgamento de Jesus quanto às “boas ações” dos fariseus, por ocasião do sermão do monte. Ali o Senhor os chamou de hipócritas, repreendendo suas ações de dar esmolas (Mt 6.2), orar nas sinagogas e praças (Mt 6.5) e fazer jejum (Mt 6.16). Conquanto essas atitudes não fossem pecaminosas em si mesmas, acabavam se tornando pecado por causa da motivação dos fariseus para fazerem todas elas: “serem glorificados pelos homens”, “serem vistos dos homens” e “com o fim de parecer aos homens”, respectivamente.

Ao invés de buscar o reino de Deus e a glória do Redentor, os fariseus estavam preocupados com seus reinos pessoais e com a glorificação de si mesmos.

Infelizmente essa não era uma realidade exclusiva dos fariseus. Vemos todos os dias cristãos tentando evitar o pecado, também motivados por seus próprios reinos. Isso pode ser verificado em conselhos como: “Não tenha relações sexuais antes do casamento, pois se você engravidar vai estragar sua vida e terá que parar de estudar para se dedicar ao bebê”; ou, “Eduque o seu filho para que não precise passar vergonha na frente dos outros quando ele lhe desobedecer em público”; ou ainda; “Agrade o seu cônjuge para que conceda o carinho de que você precisa”.

Conselhos como esses estão totalmente comprometidos somente com o “reino do eu”, com aquilo que é bom para mim e, por isso, ainda que os jovens sejam castos, os filhos educados e os cônjuges estejam vivendo bem, Deus não está sendo honrado.

Há ainda outra questão. Quando o motivo para se evitar o pecado é algo que “eu” acho que trará uma consequência ruim para o “meu reino”, além de se ter um entendimento distorcido de em que consiste a vida cristã, bastará que “eu” mude de opinião para começar a fazer o que eu antes proibia. Tomando um dos exemplos acima, teríamos alguém evitando sexo antes do casamento para não correr o risco de uma gravidez indesejada. O ensino distorcido que fica claro é: filhos são um problema. Mas se a opinião sobre isso mudar e se entender que ter filhos é algo bom (o que é verdadeiríssimo) não haveria mais a “barreira” para o sexo pré-marital. Se o reino é meu, as regras são minhas e, por conta disso, nunca haverá honra a Deus.

Para que o Senhor seja honrado as razões para não pecar devem emanar da sua Palavra e do entendimento de que o pecado é primeiramente uma afronta à sua santidade. Assim, o relacionamento sexual antes do casamento deve ser evitado porque afronta a Deus (Hb 12.4), os filhos devem ser educados para honrar a Deus (Dt 6.1-7) e os cônjuges dever servir um ao outro porque essa é a vontade de Deus (Ef 5.21-33).

O pecado não é ruim, primariamente, por causa das consequências que traz, mas por causa de quem é primeiramente afrontado, o Santo Deus, e isso deve nortear também a nossa confissão de pecados, que pode revelar um coração arrependido ou simplesmente remorso e aqui estamos, mais uma vez, a tratar de motivações.

Para ilustrar, pense em dois exemplos conhecidos. Sabemos que Judas traiu a Jesus e às vezes nos esquecemos de que Pedro também o fez, quando o negou. A diferença entre os dois foi que Pedro entristeceu-se por ter traído o mestre (Mt 26.75) e mais à frente foi restaurado (Jo 21.15-17), enquanto Judas entristeceu-se por causa da consequência de sua traição, que foi a condenação à morte de Jesus (Mt 27.1-3), e, não conseguindo viver com o remorso, suicidou-se. Os motivos foram bem distintos.

As motivações procedem do coração (Mt 6.21), razão de lermos em Provérbios que “assim como a água reflete o rosto, o coração reflete quem somos nós” (Pv 27.19 - NVI). É o nosso coração que demonstra se vivemos para Deus ou se vivemos para nós mesmos. Diante disso, devemos fazer coro com o salmista e, perante Deus, afirmar: “Guardo no coração as tuas palavras” – com a mesma e correta motivação – “para não pecar contra ti” (Sl 119.11).

Vivendo dessa forma poderemos, como ordenou Paulo, comer, beber, ou fazer qualquer outra coisa sempre motivados por dar toda a glória a Deus (1Co 10.31).

Deus nos abençoe.

20 julho 2013

Tesouro em vaso de barro ou pirita em vaso de luxo?

trad2

O poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16): era assim que o apóstolo Paulo se referia ao evangelho, do qual dizia não se envergonhar. Contudo, o apóstolo sabia muito bem que, por causa da queda, o homem natural não daria ouvidos a coisas espirituais, pois elas de discernem espiritualmente (1Co 2.14) e que para os mortos espirituais a Palavra da cruz não passa de loucura (1Co 1.18). Conforme Paulo, como “na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por meio da sabedoria humana, agradou Deus salvar aqueles que creem por meio da loucura da pregação” (1Co 1.21 – NVI).

Em sua segunda epístola aos Coríntios o apóstolo enfatizou: “visto que temos este ministério pela misericórdia que nos foi dada, não desanimamos. Antes, renunciamos aos procedimentos secretos e vergonhosos; não usamos de engano, nem torcemos a palavra de Deus. Ao contrário, mediante a clara exposição da verdade, recomendamo-nos à consciência de todos, diante de Deus” (2Co 4.1,2 – NVI). Ao pregar a Jesus Cristo, o Senhor, iria se cumprir o que Deus disse: “Das trevas resplandeça a luz, ele mesmo brilhou em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo” (2Co 4.6 – NVI). A conclusão de Paulo é extraordinária: “temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que este poder que a tudo excede provém de Deus, e não de nós” (2Co 4.7).

O método de Deus para a salvação é, e sempre foi, a fiel pregação da Palavra que, aplicada ao coração do pecador pelo Espírito de Deus, traz os eleitos à fé em Cristo Jesus e glorifica ao Deus que salva pecadores indignos. O alvo principal da evangelização é, portanto, a glória do Deus gracioso. Foi com essas convicções que Paulo pediu a ajuda da igreja de Roma para chegar à Espanha a fim de pregar o evangelho, visto não ter mais campo de trabalho na região em que estava (Rm 15.23-24).

Mesmo diante dessas verdades, temos testemunhado em nossos dias uma completa distorção do propósito primário da evangelização. Ela agora não prioriza a glória de Deus, mas busca, de toda forma, fazer com que o homem seja salvo. Tirando-se o Senhor do centro, perde-se a convicção de que a proclamação fiel da Escritura seja suficiente para o Senhor salvar a quem quer salvar e busca-se ser “mais eficaz” no chamado do pecador.

O resultado disso é uma mensagem antropocêntrica que visa a tornar o evangelho mais “palatável” ao pecador e que parte da falsa premissa de que o homem está interessado em Deus, mas somente a mensagem da Escritura não é suficiente para despertar nele o interesse pelo Senhor. O esforço, então, não é mais para se compreender o texto bíblico dentro do seu contexto, explicá-lo e aplicá-lo à vida dos homens, dependendo da ação do Espírito para convencê-lo do pecado, da justiça e do juízo. Longe disso! A maior concentração de forças está em produzir um ambiente agradável e descolado, um marketing que apela àquilo que o pecador acha que precisa e uma mensagem mais “contemporânea” baseada em poesias, filmes e músicas seculares, com umas poucas referências bíblicas e, é claro, com o devido cuidado de não falar diretamente sobre o pecado e a ira de Deus, assuntos tão “indigestos” e “desnecessários”.

Uma mensagem assim não é o evangelho, poder de Deus para a salvação do que crê e tesouro em vaso de barro, antes, assemelha-se mais à pirita ou, como é comumente chamada, “ouro de tolo”. Parece ter algum valor, mas é puro engano e, como não tem o poder para a salvação que é fruto da clara exposição da verdade (2Co 4.2), tem a oferecer somente entretenimento, resultado da ornamentação do vaso que passa a ser mais importante que o seu conteúdo. Uma mensagem assim, que coloca o homem no centro em detrimento de Deus, fatalmente se encaixa naquela categoria que Paulo chamou de “outro evangelho”.

Tesouro em vaso de barro ou “ouro de tolo” em vaso de luxo? O que você tem procurado apresentar ao homens?

Que o Senhor nos faça cada dia mais convictos da suficiência da mensagem do evangelho que aponta o pecado do homem, sua condenação e a providência do Deus gracioso, em Cristo Jesus, para a salvação de todo aquele que nele crê.

28 junho 2013

O que estará (está) em jogo no próximo domingo (hoje)?

jogo x cruz

Qualquer um que gosta de futebol, como eu, tem a resposta na ponta da língua: O título da copa das confederações!

O brasileiro, de modo geral, ama o futebol. Somos até reconhecidos como o país do futebol, apesar de o esporte nem ter sido criado aqui. As conversas futebolísticas ganham espaço no dia a dia do povo e, apesar de dentro de campo muitas oportunidades serem perdidas “na cara do gol”, o mesmo não pode ser dito em relação à oportunidade de fazer gozações com os torcedores do time perdedor, o que, para um cristão, já pode ser bastante inconveniente dependendo da proporção e da forma com que são feitas as “brincadeiras” (Fp 4.8; Ef 5.3,4).

Mas domingo hoje será diferente! Domingo Hoje não haverá disputas entre as torcidas nacionais, pois o jogo é da seleção brasileira, a “pátria de chuteiras”. A vontade de ver a seleção em campo é tamanha, a ponto de, num momento em que o país está de olho nos políticos e promovendo passeatas por qualquer causa que seja, manifestações que tinham sido marcadas para o horário do jogo terem sido remarcadas para somente depois que acabasse a semifinal jogada pelo time canarinho, como foi o caso aqui de Vitória.

Todos queremos ver a seleção em campo, mas a final está marcada exatamente para domingo, Dia do Senhor e, se não bastasse isso, no horário em que as igrejas se reúnem para prestar o culto àquele que é digno de toda honra, glória e louvor, o Deus da nossa salvação, revelado por meio de Cristo Jesus, o nosso Redentor.

Diante disso, domingo hoje, para os cristãos, estarão em jogo coisas muito mais importantes do que a copa das confederações, como nossa devoção e nosso testemunho.

1º) Devoção – Foi o Senhor Jesus quem afirmou que onde estiver o nosso tesouro, ali estará também o nosso coração (Mt 6.21). Ele também foi enfático ao dizer que não é possível servir a dois senhores, pois, fatalmente, se odiará a um e amará o outro ou se desprezará a um e se dedicará ao outro (Mt 6.24). Em suma: Ou servimos a Deus ou servimos aos ídolos.

Eu sei que nesse texto o Senhor falava sobre o dinheiro, mas o ídolo está caraterizado quando qualquer coisa ou pessoa assume o lugar de Deus em nossas vidas e é o alvo de nossas prioridades, por isso, vale também para o futebol.

A essa altura alguém pode indagar: “mas isso não é muito legalismo? Não é melhor mudar o horário do culto?” E eu já respondo dizendo que se o Senhor fosse mesmo a razão do nosso viver, aquele que ocupa o primeiro lugar em nosso coração e a maior das nossas prioridades não haveria, sequer, essa cogitação. Haveria o entendimento de que o Dia do Senhor e o culto prestado a ele nesse dia são inegociáveis.

Infelizmente, porém, não serão poucos irmãos, Brasil à fora, que optarão em prestigiar a seleção em vez de, juntamente com o povo de Deus, prestar o culto que lhe é devido.

2º) Testemunho – Estará em jogo também o nosso testemunho. Pense em um contrassenso! Proclamamos aos homens que Deus é o único digno de glória, honra e louvor. Afirmamos que não há nada mais importante do que nosso relacionamento com ele e, por isso, chamamos os pecadores ao arrependimento. Entretanto, ao colocar um jogo de futebol, ainda que da seleção brasileira, como prioridade em nossa vida, acabamos por negar com os atos aquilo que tanto declaramos. A mensagem que fica é: O Dia do Senhor e o culto ao seu Nome são importantíssimos, desde que não haja jogo da seleção brasileira (isso vale também para tantos outros motivos que temos para não guardar o Dia do Senhor).

Jesus disse a seus discípulos: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Quem quiser, pois, salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por causa de mim e do evangelho salvá-la-á.” (Mc 8.34-35). Se você não está disposto a abrir mão de um jogo de futebol por amor a Cristo, estaria disposto a perder a vida? Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

Pra terminar...

Por último é preciso mencionar também que NÃO estará em jogo a sua salvação. Ela foi concedida por graça, mediante a fé em Cristo Jesus que venceu a morte e nos justificou diante do Pai. Ainda que você peque quanto à sua adoração e ao seu testemunho, preferindo um jogo à reunir-se para adoração no domingo hoje, se já foi salvo, não perderá a sua salvação.

Contudo, é preciso lembrar também que nossas escolhas podem revelar se, de fato, já fomos salvos ou se já entendemos a seriedade do nosso chamado, por isso, como exortou Paulo aos coríntios, é preciso examinar-nos a nós mesmos se realmente estamos na fé e provar-nos a nós mesmos (Cf 2Co 13.5).

Podemos, no próximo domingo hoje, demonstrar que, de fato, amamos o Senhor de todo nosso coração, alma e entendimento e testemunhar aos homens que, ainda que gostemos de futebol e torçamos por nossa seleção, nada se comprara ao prazer e a alegria de estar na casa do Senhor reunidos com o seu povo para prestar o culto a ele devido.

21 junho 2013

Você tem sede de quê? – O cristão e as manifestações

cruz brasilCerta ocasião os fariseus enviaram seus discípulos para testar Jesus e eles lhe perguntaram: “É lícito pagar imposto a César?” e Jesus respondeu: É claro que não! A carga tributária é muito alta e o governo é corrupto, desvia todas as verbas para fazer suas festas e bacanais. Ajuntem os discípulos e preparem uma manifestação. Se não nos ouvirem, todo o império vai parar!

Tá bom, eu sei que não foi assim, mas é como muitos cristãos acham que deveria ter acontecido, pelo menos considerando as atitudes que estão tomando nestes últimos dias, em que a palavra de ordem é “O gigante acordou! Vem para a rua”.

Tenho lido nestes dias que Jesus era baderneiro, pois jogou mesa para todo lado no episódio em que expulsou do templo os cambistas. Li também que quando houve má administração por parte dos apóstolos, dos recursos arrecadados, houve uma manifestação popular e o resultado foi que os doze entregaram a administração dos fundos ao controle popular (pasme, essa é uma interpretação de Atos 6) e li ainda que “igreja que não protesta não é protestante”. Tudo isso para justificar a presença dos cristãos em meio a toda essa manifestação que inevitavelmente tem acabado em quebra-quebra e depredação de patrimônio público e privado. Haja ginástica hermenêutica e confusão histórica!

Sei muito bem que é direito constitucional manifestar-se. Meu ponto aqui não é sobre a legalidade do que tem acontecido, nem simplesmente afirmar categoricamente que crentes não deveriam estar nas ruas exercendo sua cidadania. Quer protestar, proteste, é seu direito constitucional, mas não precisa forçar a Bíblia como tem sido feito por aí. Meu objetivo aqui é procurar refletir sobre as motivações e incoerências que tenho visto. Vamos a elas:

1) Igreja que não protesta não é protestante – Pelo menos até onde eu sei, o protesto de Lutero não foi contra o Estado, mas contra a religião falsa que levava o povo ao erro. Aí está uma primeira e séria questão. Muitos dos crentes que estão justificando o protesto contra o governo, por serem protestantes, são os mesmos que afirmam que não podemos julgar a falsa religião. São aqueles que atribuem o rótulo de radical, briguento, intransigente aos que denunciam, pautados na Escritura, o que tem sido ensinado por muitos falsos mestres evangélicos (isso para ficar só dentro do nosso arraial). Enquanto escrevia o texto vi no Facebook uma convocação feita por um jovem presbiteriano que conclama todos os jovens, inclusive os da igreja contra a qual Lutero protestava, para orar juntos pela nação. Haja incoerência.

2) Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça – Este é outro “grito de guerra” dos crentes engajados. Mas será que estão entendendo bem sobre o que Jesus estava falando? Estaria Jesus tratando simplesmente sobre justiça social? Não! Como afirma acertadamente o teólogo Hendriksen, “esta justiça consiste em uma perfeita conformidade com a santa lei de Deus, ou seja, com a sua vontade”. Os que têm fome e sede de justiça são aqueles que clamam, não só por justiça pessoal e social, mas por ambas, que só serão plenas no reino messiânico, conforme outro teólogo, Carson.

Se é assim, o que deviam fazer era proclamar aos manifestantes e a todo o povo que eles devem se arrepender dos seus pecados (At 2.38), voltar-se para o Senhor confessando a Jesus Cristo a fim de, justificados mediante a fé, terem paz com Deus (Rm 4.24,25; 5.1-2). É dessa paz com Deus que decorrem as “boas obras” (justiça) de verdade (Tg 2.14). Mas, infelizmente, muitos desses cristãos que estão clamando contra o governo com todo vigor não demonstram a mesma disposição para apontar ao homem que, por melhor que seja o Estado, ele nunca poderá trazer a paz, a satisfação e a segurança que só Cristo pode dar e, sem o Salvador, só resta a dura realidade afirmada por um pastor, meu conhecido: “Quando o Estado é o meu pastor, tudo me faltará”.

3) Cristãos podem se manifestar com essa multidão? – Creio que sim, mas quando juntamente com isso não oram pelas autoridades e não proclamam a Cristo, quando o fazem por qualquer motivo que não seja a glória de Deus, gritando com a multidão palavras de ordem que ofendem autoridades instituídas por ele mesmo (Rm 13) ou compartilhando nas redes sociais imagens e vídeos com palavrões (Fp 4.8; Ef 5.3-5), acabam revelando um coração muito mais comprometido com o reino deste mundo do que com o reino de Deus.

Se você está disposto a pecar ou concordar com o pecado praticado por outros, por conta dos seus direitos, esteja certo de que o seu coração está sendo governado pelo reino errado. Se você protesta porque o roubo dos governantes o prejudica (saúde, educação, etc.) ao invés de pensar que o roubo é pecado contra Deus; se protesta porque a negligência do governo o afeta em vez de, primariamente, pensar que eles também estão pecando contra o Deus que os constituiu autoridade, você ainda não aprendeu como convém protestar.

Sei que o país está um caos. Também anseio por mudanças. Alguns acharão até que não sou patriota, mas entendo que se o compromisso do crente for primeiramente com a sua pátria terrena, inevitavelmente ele pecará contra o Senhor. Entretanto, se o compromisso for primeiro com a pátria celestial, seremos levados a uma vida de santidade diante do Supremo Governante, uma vida de testemunho diante dos homens e, consequentemente, de serviço ao próximo, pautado nas leis da pátria mais importante.

A sua sede de justiça provém de qual reino?

05 junho 2013

Convém que ele cresça! – Refletindo sobre a personificação ministerial

igreja joão batista2

João Batista despontava como um grande líder em seu tempo. Seu ministério de pregação ia bem e, conforme relata Mateus, “saíam a ter com ele Jerusalém, toda a Judeia e toda a circunvizinhança do Jordão; e eram por ele batizados no rio Jordão, confessando os seus pecados” (Mt 3.5). João não negociava a mensagem, não queria simplesmente mais adeptos, mas ver vidas transformadas. Quando percebeu que muitos fariseus e saduceus apresentavam-se ao batismo exortou duramente: “Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura? Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento” (Mt 3.5-8).

Numa ocasião o próprio Jesus se apresentou ao batismo e, mesmo diante da tentativa de dissuasão de João Batista, que dizia que ele é quem precisava ser batizado pelo Senhor, foi batizado para que se cumprisse toda a justiça (cf. Mt 3.13-15). Outro João, o evangelista, relata que após isso o Batista estava em companhia de dois discípulos quando viu passar a Jesus. Prontamente ele afirmou que ia ali o Cordeiro de Deus e seus dois discípulos seguiram o Senhor. João Batista preocupava-se em exaltar a Cristo.

Aconteceu que num dia os discípulos de João Batista discutiram com um judeu sobre a purificação e chegaram a João com uma “queixa”, dizendo: “Mestre, aquele que estava contigo além do Jordão, do qual tens dado testemunho, está batizando, e todos lhe saem ao encontro” (Jo 3.26).

Ao saber da notícia João tomou uma rápida providência. Reuniu sua equipe de marketing e decidiu inaugurar um novo templo com uma grande placa na frente na qual se podia ler: “Igreja Intercontinental Precursora do Cordeiro” e em letras garrafais: “MINISTÉRIO PROFETA JOÃO BATISTA”. Estampou, também, na placa, uma foto sua com um sorriso forçado e um pedaço de pergaminho na mão, para deixar bem claro quem era o líder daquela comunidade.

Calma! Eu sei que o que está no parágrafo acima não aconteceu. Esta última parte foi uma divagação da minha mente ao pensar no que talvez tivesse acontecido, caso no lugar de João Batista estivessem muitos dos líderes evangélicos de nossos dias.

Vivemos dias difíceis. Dias em que, por parte de muitos líderes, há uma busca pela autoglorificação e, por conta disso, uma propaganda acentuada de seus ministérios ao mesmo tempo em que Cristo é cada vez menos anunciado. Por parte dos crentes, uma louvação a homens e a esperança de que eles são os responsáveis pelo sucesso da igreja. Isso explica o fato de não se colocar apenas o nome da denominação na placa, para indicar que é uma igreja cristã, mas de colocar também o nome da “estrela principal” para aquele grupo.

Gostaria de poder dizer que esse é um fenômeno presente somente em igrejas neopentecostais, mas a realidade aponta para outra direção. Infelizmente, até nos arraiais tradicionais há a tendência de exaltar homens e de achar que um ou outro ministro são essenciais para que a denominação vá bem.

Certa vez ouvi um pastor afirmar que determinado presbitério não estava crescendo e que algo deveria ser feito em relação a isso, mas, em vez de propor que os Conselhos das igrejas zelassem mais pela exposição fiel da Palavra de Deus e dependessem do Espírito Santo que convence o homem do pecado, da justiça e do juízo, a proposta foi: “Deveríamos fazer uma grande cruzada e convidar o Rev. Fulano de Tal para pregar, isso iria encher as igrejas do nosso presbitério”. Há alguns anos a Associação Billy Graham promoveu em nosso país o “Minha Esperança Brasil” e o modelo era o mesmo, centrado na pessoa de um pregador. O projeto consistia em convidar amigos e vizinhos não crentes para irem à sua casa assistir aos programas que teriam como pregadores Billy e Frank Graham, como se a mensagem pregada por esses irmãos fosse mais eficaz que a pregada pelos demais cristãos.

É claro que não estou negando que existem homens mais preparados ou capacitados. Não seria tolo a esse ponto. O Senhor distribuiu dons à sua igreja para que ela fosse equipada e edificada. Sei que ele concedeu “uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo” (Ef 4.11-12). O meu ponto é que, por mais capacitados que sejam os homens, a glória nunca pode ser deles nem a confiança do povo deve estar depositada neles ou, em outras palavras, a glória e a esperança não devem estar nos que são capacitados, mas naquele que os capacita.

É sempre uma tentação para qualquer pregador o aceitar glória para si, mas temos exemplos bíblicos que nos chamam à sensatez. Pense, por exemplo, no apóstolo Paulo. Ele mesmo afirma que tinha propensão à soberba e que, por conta disso, foi-lhe posto um espinho na carne para humilhá-lo (2Co 12.7). Curiosamente, quando pregava em Filipos, lidou com uma tentação exatamente nessa área. Por muitos dias, uma jovem adivinhadora andava após ele e seus companheiros dizendo: “Estes homens são servos do Deus Altíssimo e vos anunciam o caminho da salvação” (At 16.17). Imagine alguém elogiando a sua performance como pregador. O que você faria? O que Paulo fez foi se indignar e repreender o espírito imundo daquela mulher (At 16.18). Foi o mesmo Paulo que exortou aos romanos: “Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um de vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (Rm 12.3).

Voltando a João Batista, o que ele fez diante da tentação de se enciumar com o ministério de Cristo foi humildemente reconhecer que o ministério de Cristo vinha da parte do Senhor (Jo 3.27), reconhecer que ele não era o Cristo, mas seu precursor (Jo 3.28) e reafirmar a sua alegria de, como “amigo do noivo”, ver o noivo ser exaltado (Jo 3.29).

Quanto a nós, cabe-nos humildemente cumprir nosso chamado de proclamar o Redentor e, fazendo coro com o Batista, afirmar: “Convém que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30).

03 junho 2013

A doutrina é mesmo importante?

interrogação (3)Há no evangelicalismo brasileiro um grande número de crentes que não querem saber de doutrina. Em contrapartida, a teologia reformada sempre deu importância à doutrina, porém, não como um fim em si mesmo, mas tendo como imperativo que o conhecimento doutrinário seja evidenciado por ações práticas.

Muitos daqueles que são avessos à doutrina muitas vezes o são porque não fazem, ou não aprenderam a fazer a conexão da doutrina com a prática. Aqueles, porém, que desdenham e nem sequer suportam ouvir a palavra “doutrina”, deveriam olhar para as Escrituras e perceber que quando Jesus falava as multidões se maravilhavam da sua doutrina (Mt 7.28; 22.33).

Em sua epístola Tiago exorta os crentes a praticar a Palavra em vez de serem apenas ouvintes. Ele fala em “considerar atentamente” e ser “operoso praticante”. O resultado de conhecer a Palavra (doutrina) e praticá-la, diz Tiago, é que a pessoa será bem-aventurada no que realizar (Tg 1.22-25).

A prática da Palavra, além de honrar a Deus, acaba também por nos beneficiar. No Antigo Testamento, quando o Senhor ordenou a Israel que guardasse seus estatutos e mandamentos, enfatizou: “para que te vá bem” (Dt 4.40). Atentar à Lei do Senhor nos traz segurança. O Senhor Jesus compara aqueles que ouvem e praticam a Palavra a uma casa firme, edificada sobre a rocha, que resiste às intempéries da vida (Mt 7.24).

Algumas pessoas querem agradar a Deus, mas deixam de lado a sua Palavra. Querem adorar o Senhor sem dar ouvidos à sua Lei. Aprendemos na Bíblia que Deus não se agrada de pessoas assim.

O episódio em que Saul poupa “o melhor” das ovelhas e bois de Amaleque para sacrificar ao Senhor, a despeito de ter recebido a ordem de destruir tudo, ilustra muito bem essa questão. Diz o texto que Samuel foi enviado a Saul e o repreendeu dizendo: “Tem, porventura, o SENHOR, tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura dos carneiros” (1 Sm 15.22) – e continuou com uma palavra bastante dura – “Porque a rebelião é como pecado de idolatria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos do lar. Visto que rejeitaste a palavra do SENHOR, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei” (1 Sm 15.23).

A Bíblia não é simplesmente um livro de conselhos e recomendações que Deus nos deu para seguirmos ou não, antes o salmista afirma: “Tu ordenaste os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca” (Sl 119.4).

Quanto a essa questão, a Confissão de Fé de Westminster ensina que “a lei moral obriga para sempre a todos a prestar-lhe obediência, tanto as pessoas justificadas como as outras, e isso não somente quanto à matéria nela contida, mas também pelo respeito à autoridade de Deus, o Criador, que a deu. Cristo, no Evangelho, não anula de modo algum esta obrigação, antes a confirma” (CFW XIX.V).

A Palavra de Deus é a sã doutrina. Se de fato queremos honrar o Senhor e adorá-lo em espírito e em verdade, é imprescindível o conhecimento e a guarda dos mandamentos. Não existe honra ao Senhor na desobediência.

Cabe a nós, portanto, a mesma exortação que Paulo fez a Timóteo: “Medita estas coisas e nelas sê diligente, para que o teu progresso a todos seja manifesto. Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque, fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes” – 1Tm 4.15-16.

30 maio 2013

A suficiência da Escritura para a vida e piedade

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Os cristãos, geralmente, não têm problema em afirmar a suficiência da Bíblia para a salvação. Porém, no que diz respeito às emoções, pensamentos, atitudes e comportamento, não são poucos os que negam a suficiência da Palavra. Prova disso é que a literatura de autoajuda é abundantemente consumida, inclusive entre crentes.

Isso é um claro contrassenso. Se a Escritura é suficiente para “nos tornar sábios para a salvação em Cristo Jesus” (2Tm 3.15) ela tem de ser também suficiente para tratar das nossas emoções e atitudes.

Conceitos e explicações seculares têm tomado cada dia mais espaço dentro da igreja e teorias têm ganhado o “status” de verdades absolutas. Tem sido ensinado de muitos púlpitos, por exemplo, que a maioria dos problemas dos crentes é causada pela falta de amor-próprio, o que é uma ideia totalmente antibíblica. A Escritura nunca ensinou que devemos nos amar, mas, sim, que devemos amar o próximo como já nos amamos (Mt 22.39; Ef 5.29).

Mais ainda, ansiedade virou doença, orgulho, egoísmo e soberba receberam o pomposo nome de “transtorno de personalidade narcisista”, e a cada ano surgem novas síndromes e transtornos que tentam “patologizar” o que a Bíblia chama de pecado. Terapeutas têm tentado ajudar seus pacientes a “viver melhor” ao fazê-los crer que eles não são culpados pelos seus atos, antes, a culpa está na forma como foram criados ou no meio em que vivem.

Cada vez menos os crentes recorrem às Escrituras e aos gabinetes pastorais para aconselhamento bíblico a fim de entender seus sentimentos e comportamento, pois, em seu entendimento, isso não é trabalho pastoral, requer ajuda de um profissional qualificado. David Powlison mostra em um artigo que não é à toa que a igreja tenha sido criticada por dois psicólogos seculares, O. Hobart Mower e Karl Manninger. “Mower perguntou: ‘Será que a religião evangélica vendeu seu direito de primogenitura pela panela de cozido da psicologia?’ Menninger escreveu um livro cujo título soa provocador: Whatever Hapenned of Sin? (O que aconteceu com o pecado?)”[1].

Um caminho melhor

Na contramão de tudo isso, o apóstolo Pedro afirma categoricamente que pelo divino poder de Deus “nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3). Para Pedro, se o homem conhece ao Senhor, ele tem tudo aquilo de que necessita para a vida e piedade. Observe bem, Pedro não diz algumas coisas, mas tudo o que é necessário.

A igreja deve urgentemente voltar os olhos para a Palavra de Deus, que é a maneira que temos de guardar puro o nosso caminho (Sl 119.9). Precisamos crer no que Paulo escreveu à Timóteo, que a Palavra de Deus “é útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e educação na justiça a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16,17). Uma possível tradução para a palavra perfeito é “completo”, ou seja, a Palavra é útil para que o homem seja completo.

O escritor da epístola aos Hebreus demonstra a eficácia da Palavra de Deus ao ensinar: “Porque a Palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração (Hb 4.12). Perceba que o escritor afirma que a Palavra sonda o mais profundo do nosso ser e revela as intenções do nosso coração.

A Bíblia ensina que o coração é o centro de controle do homem. É em virtude disso que o livro de Provérbios ensina que devemos guardar, sobretudo, o coração, porque dele procedem as fontes da vida (Pv 4.23). É por isso também que o Senhor Jesus, confrontando os fariseus, afirmou que a boca fala do que está cheio o coração (Mt 12.34) e ensinando os discípulos disse que do coração é que procedem os maus desígnios (Mt15.19).

O rei Davi, no Salmo 139, faz um pedido que deve nos servir de exemplo: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno” (Sl 139.24). Ele faz o pedido certo para a pessoa certa. Só Deus pode esquadrinhar o coração (Jr 17.10); e, como vimos, ele o faz por meio da Palavra (Hb 4.12).

Sendo o coração o que controla o homem e sabendo que é a Palavra de Deus que penetra o coração, devemos recorrer a ela, encher o coração dela, ser santificados por meio dela (Jo 17.17). Ela é suficiente para nossa vida e piedade.

Usando a Bíblia corretamente

Quando falamos da suficiência das Escrituras para a vida e piedade é necessário deixar claro que isso implica uma fiel exposição da Palavra.

Ao recorrer à Bíblia para buscar orientação não devemos procurar simplesmente versículos isolados que validem ou invalidem uma determinada prática, mas estudar com seriedade, buscando um entendimento correto do texto dentro de seus contextos. Fazendo assim, teremos mandamentos e princípios que orientarão com precisão a nossa vida.

A falta de um entendimento correto da Palavra de Deus tem levado muitos a duvidar de que ela é capaz de orientar o homem quanto às suas emoções e comportamento, porém, como afirma Mark Dever: “A Palavra de Deus sempre foi o instrumento que Ele escolheu para criar, convencer, converter e conformar o seu povo. desde o primeiro anúncio do evangelho em Gênesis 3.15 até à promessa inicial feita à Abraão, em Gênesis 12.13, bem como até à regulação dessa promessa, por meio de sua Palavra, nos Dez Mandamentos (Êxodo 20), Deus outorgou vida, saúde e santidade ao seu povo por intermédio de sua Palavra.[2]

Isso torna indispensável ao crente o debruçar-se sobre a Palavra e a busca da iluminação do Espírito a fim de ter um conhecimento correto da Escritura e aplicá-la em todas as áreas da vida.

Conscientes de que vivemos numa sociedade que busca explicar o comportamento humano usando princípios antibíblicos, tenhamos, de fato, a Bíblia como nossa regra de fé e prática e que ao invés de recorrer à sabedoria deste mundo, busquemos o conhecimento da Palavra de Deus enchendo o coração dela.

Certamente o Senhor se agradará e derramará sobre nós suas bênçãos.


[1] David Powlison. Integração ou inundação? In: Religião de Poder. São Paulo: Cultura Cristã, 1998, pp. 166,167

[2] Mark Dever & Paul Alexander. Deliberadamente Igreja. São Paulo: Fiel, 2005, pp. 41,42

24 maio 2013

A aliança do casamento

aliança bíblia

[1]Quando Deus criou o homem, criou-o num relacionamento de Aliança. O substantivo aliança significa, segundo o Dicionário Aurélio – Século XXI, “ajuste”, “acordo”, “pacto” ou “contrato”. Diferentes versões da Bíblia em português usam os substantivos pacto, aliança, acordo e concerto para traduzir o substantivo hebraico berith que aparece cerca de 290 vezes no Antigo Testamento.

O termo berith aparece em vários lugares da Escritura, não só para a Aliança entre Deus e o homem, mas também para uma aliança entre duas pessoas ou grupos (Js 9.15; 1Rs 5.12).

Quando a aliança era estabelecida entre homens, a ideia que estava por trás era a da bilateralidade da aliança e a igualdade das partes contratantes.

Podemos dizer que aliança, em seu aspecto mais essencial, é aquilo que une as pessoas. Palmer Robertson diz que “nada está mais perto do coração do conceito bíblico de aliança do que a imagem de um laço inviolável”.[2]

Essa é uma verdade que deve estar na mente de todos os que são casados (e dos que estão pensando em casar) e deve ser continuamente lembrada.

O apóstolo Paulo considera o vínculo do casamento tão sério que, ao escrever aos Efésios, compara o relacionamento do marido e da mulher ao relacionamento entre Cristo e sua igreja (Ef 5.22-33). Nesta perspectiva o casal Van Groningen diz que “o casamento é uma aliança estabelecida por Deus, para expressar simbolicamente a união de Deus e o seu povo por meio de um amor real. O casamento humano expressa todos os dias simbolicamente a união de Deus e o seu povo por meio de um amor real”.[3]

As implicações da afirmação paulina são muito sérias. Vejamos:

a) O casamento exige fidelidade

No livro de Gênesis podemos perceber que Deus instituiu o casamento como uma monogamia, ao criar Adão e lhe dar como esposa uma mulher, Eva. Isso significa que ele espera que haja fidelidade na relação e a própria Aliança requer isso. Quando Cristo dá a vida pela sua igreja, o faz por causa da fidelidade do Senhor a ele mesmo e ao pacto que ele instituiu. Ele prometeu redenção e a executou, para o louvor de sua glória.

Da mesma forma marido e mulher devem ser fiéis um ao outro. O relacionamento deve ser tal qual o cantado no livro de Salomão: “Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu” (Ct 6.3).

Nossa sociedade tem experimentado um novo tipo de infidelidade, a infidelidade “virtual”. Na onda da internet, muitos maridos e muitas esposas têm dado vazão aos seus desejos por meio do computador, achando que assim conseguirão realizar fantasias sem colocar em risco o casamento. Sobre isso, temos uma palavra muito clara do Senhor Jesus: “Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela” (Mt 5.27-28).

As palavras de Jesus nos mostram que a intenção do coração já é pecaminosa por si. Portanto, mesmo que virtualmente, aqueles que se envolvem com outras pessoas estão sendo infiéis.

b) O casamento tem por base o compromisso assumido diante de Deus

Da mesma forma que o Senhor empenha sua Palavra e, por isso, nunca revogará a Aliança com seu povo, a palavra empenhada pelo casal diante de Deus é a base do casamento. Justamente por esse motivo é que o casamento é perene.

Quando Jesus foi questionado pelos fariseus sobre ser lícito repudiar a mulher por qualquer motivo, ele evocou as palavras de Gênesis: “Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe e se unirá à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne?” – e concluiu – “De modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mt 19.4-6). O Senhor leva a sério o voto que fazemos diante dele (Dt 23.21-23; Ec 5.1-7; Pv 20.25).

A Bíblia é clara ao afirmar que Deus odeia o divórcio (Ml 2.16) e ensina que as duas únicas razões em que o divórcio é permitido são o adultério, e isso como concessão e não mandamento, por causa da dureza do coração do homem (Mt 5.31-32; Mt 19.3-12; Mc 10.2-12; Lc 16.18), e o abandono por parte do cônjuge incrédulo (1Co 7.10-16), porém, somente no caso citado por Paulo em que ambos os cônjuges eram incrédulos e um se converteu à fé cristã.

Novamente recorro ao casal Van Groningen, que percebe de modo claro a implicação da Aliança no casamento e afirma que “como Deus não se divorcia, assim marido e mulher não devem se divorciar”.[4]

É importante frisar isso porque, infelizmente, até em nossas igrejas, muitos são aqueles que se casam já pensando na separação. “Se não der certo a gente separa”, dizem eles. Esse “não dar certo” pode ser a incompatibilidade de gênios, a falta de objetivos comuns, a constatação de como o outro é “de verdade” e até mesmo o término do amor.

Muitos têm afirmado que o amor é o principal vínculo para que o casamento continue, e se a pessoa não “sente” mais amor pelo outro não deve permanecer casada. Essa, porém, não é a verdade bíblica.

O amor bíblico não é um mero sentimento, mas uma ação em favor de outra pessoa. Se fosse meramente um sentimento, seria muito complicado cumprir a ordem de Jesus de amar o inimigo (Mt 5.43-44), pois é improvável que alguém sinta amor por alguém que lhe faz mal. Se fosse um mero sentimento, Paulo não poderia ordenar aos maridos que amassem sua esposa (Ef 5.25) nem ordenar a Tito que falasse às mulheres idosas “para que ensinem as mulheres novas a serem prudentes, a amarem seus maridos, a amarem seus filhos” (Tt 2.4).

É por esta razão que não encontramos na Bíblia um mandamento para nos casarmos com quem amamos, mas encontramos a ordem para amar aquele ou aquela com quem nos casamos.

Se entendermos bem que o casamento é uma aliança e que, por conta disso, sua base é a palavra empenhada diante de Deus, buscaremos no Senhor forças e sabedoria para superar as crises e dificuldades que certamente enfrentaremos.


[1] O conceito de Aliança expresso aqui é baseado no artigo do Rev. Mauro Meister, com citações indiretas do texto que pode ser lido aqui: http://migre.me/i1Q0D . Recomendo enfaticamente a leitura.

[2] O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, LPC, 1997, p. 8.

[3] Harriet e Gerard Van Groningen, A família da Aliança, Cultura Cristã, 1997, p. 48.

[4] Harriet e Gerard Van Groningen, A família da Aliança, Cultura Cristã, 1997, p. 49.

22 maio 2013

Aconselhamento: o que tem a ver comigo?

Pontos-de-interrogação

Uma situação cotidiana

Depois do futebol, numa roda de amigos, um deles acaba “soltando” que está prestes a se divorciar e fala de suas razões para isso. Rapidamente surgem várias opiniões, totalmente distintas umas das outras, apoiando ou reprovando a ideia. Isso é aconselhamento.

Na escola, um rapaz queixa-se com uma colega sobre a atitude de seus pais em proibi-lo de ir a um show e que isso o tinha deixado furioso. A colega, depois de ouvir, passa a falar sobre como ele deveria agir em relação a seus pais. Eis aqui novamente o conselho!

Duas amigas se encontram no supermercado. Durante a rápida conversa uma menciona os problemas que está enfrentando com o comportamento do filho. A outra, tentando ajudar, dá algumas dicas de educação de filhos. Isso também é aconselhar.

Há um ditado que diz que “se conselho fosse bom não se dava, vendia-se”, porém, os exemplos mencionados acima servem para demonstrar que, quer queiramos, quer não, estamos diariamente envolvidos com aconselhamento, seja na condição de conselheiros ou de aconselhados. Ainda que nem todos desenvolvam um ministério “oficial” de aconselhamento, a verdade é que aconselhamos a todo o tempo.

A diferença de uma para outra pessoa que aconselha é a base que usam para isso e aí está o principal dos problemas. Como vivemos em uma sociedade psicologizada, conceitos como “autoestima”, “necessidades sentidas” e mais outros tantos focados sempre no ego humano já fazem parte da visão de mundo de muitos crentes que, ao invés de recorrer à infalível Palavra de Deus, dão conselhos baseados em uma visão secular da vida.

Não ande no conselho dos ímpios

Sendo o aconselhamento algo tão presente na vida do ser humano, percebemos que não é sem razão a advertência da Palavra de Deus: “Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores” (Sl 1.1).

Aqueles que não temem a Deus não se preocupam com a sua glória, portanto ao aconselhar não levarão em conta as ordenanças e os princípios bíblicos.

Como exemplo, pense em um dos casos citados no início, mas agora com mais informações. Depois do futebol, um grupo de amigos se senta para beliscar uns petiscos e conversar um pouco. Um deles, o Luís, professor de escola dominical em sua igreja local, afirma que ultimamente tem percebido que não ama mais a esposa como no início do casamento, que o relacionamento esfriou e que eles têm travado grandes discussões. Ele confessa estar muito triste com tudo isso e que tem pensado seriamente no divórcio.

Seu amigo Fábio, que não é crente, querendo ajudar, pondera que sem amor é impossível sustentar o casamento e que se ele não “sentia” mais nada pela esposa, o melhor mesmo era separar, afinal de contas, o importante mesmo é ser feliz.

Qual o problema com esse conselho? Justamente por não levar em conta o Senhor e a sua Palavra, o “conselheiro” focou apenas o resultado que traria “alívio” ao Luís. Para ele não importa qual a visão bíblica sobre o casamento, quais circunstâncias permitem o divórcio, ele também não entende que amor, nas Escrituras, é bem mais que um sentimento, mas uma atitude ordenada pelo Senhor. A única coisa que importa para Fábio é “resolver” o problema do seu amigo e, se Luís der ouvidos ao conselho, estará somente complicando ainda mais a sua vida, por quebrar o padrão estabelecido pelo seu Deus, pois, como afirmou Salomão, “os pensamentos do justo são retos, mas os conselhos do perverso, engano” (Pv 12.5).

Cuide para não dar conselhos ímpios

Outro problema que acontece corriqueiramente diz respeito a crentes dando conselhos ímpios. É bem verdade que todo cristão que se preza não hesita em afirmar que a Bíblia é a sua única regra de fé e de prática, mas, na prática, muitos demonstram não estar muito preocupados com o que foi estabelecido pelo Senhor.

Um episódio bíblico exemplifica perfeitamente essa questão. Abrão foi chamado por Deus para sair da sua terra e ir para uma terra que o Senhor iria mostrar. Deus ainda prometeu que faria dele uma grande nação (cf. Gn 12.1-2). Abrão era casado com Sarai, que era estéril, mas, a despeito disso, o Senhor prometeu que lhe daria um filho. Como se passaram 10 anos e Sarai ainda não tinha engravidado, ela resolveu dar um jeito na situação, tomou sua serva Agar, deu a Abrão para que se deitasse com ela e Sarai se edificasse com filhos por meio dela (cf. Gn 16.2).

O texto afirma que “Abrão anuiu ao conselho de Sarai”. Mesmo sendo uma serva do Senhor, Sarai dá um conselho ímpio e, ao acatar o conselho, Abrão fez de seu lar uma grande confusão, além do fato de ter colocado em dúvida a Palavra do Senhor.

Como servos de Deus, devemos estar bem vigilantes para não cair na cilada de aconselhar de forma ímpia, na expectativa de solucionar os problemas de forma rápida. Não são poucas as vezes que cristãos, sem ter o devido cuidado em avaliar biblicamente as situações, têm servido de instrumento de destruição e não de edificação na vida do próximo.

É necessário agir como se segue.

Aconselhe a Palavra de Deus

Cristianismo e aconselhamento são duas coisas que estão intrinsicamente ligadas. Os membros do corpo de Cristo são chamados a aconselhar, admoestar, repreender, instruir, corrigir, e consolar uns aos outros (Rm 14.4; Cl 3.16; Gl 6.1; 1Ts 5.14).

Para isso, o cristão deve crer que na Escritura Sagrada temos tudo aquilo que é necessário para nossa vida e para a nossa piedade (cf. 2Pe 1.3). O apóstolo Paulo, escrevendo ao jovem pastor Timóteo, afirmou que “toda a Escritura é inspirada por Deus” – e por isso – “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16). Diante disso, o resultado do uso das Escrituras no aconselhamento não poderia ser outro, senão o que Paulo afirma no versículo seguinte: “A fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.17).

Deus nos escolheu antes da fundação do mundo, a fim de sermos conformes à imagem de seu Filho, nosso Redentor, Cristo Jesus (cf. Rm 8.29). Dia após dia ele nos aperfeiçoará, santificando as nossas vidas e o meio que ele usará para isso será sempre a sua Palavra. Ao orar pelos seus discípulos, foi isso que o Senhor Jesus pediu ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17).

Se queremos, portanto, ser eficazes ao cumprir a ordenança de aconselhar uns aos outros, precisamos:

a) Conhecer a Escritura – O apóstolo Paulo exortou Timóteo a que procurasse se apresentar diante de Deus como um obreiro aprovado e que maneja bem a palavra da verdade (cf. 2Tm 2.15). Devemos investir tempo na leitura da Bíblia Sagrada, não simplesmente fazendo uma leitura superficial, mas procurando entender os textos dentro de seus devidos contextos a fim de poder aplicá-los de forma correta às situações que sobrevêm em nossa vida cotidiana.

Foi por entender a importância do conhecimento da Palavra de Deus que o salmista afirmou que o homem bem-aventurado é aquele que o seu prazer “está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite” (Sl 1.2).

b) Praticar a Escritura – Não basta conhecer a Palavra de Deus, é necessário colocá-la em prática. Jesus afirma que aqueles que ouvem a Palavra e não a praticam são insensatos (cf. Mt 7.26). Seu irmão, Tiago, ensina que aqueles que somente ouvem a Palavra e não a praticam enganam a si mesmos (cf. Tg 1.22). Entretanto, continua Tiago: “Aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar” (Tg 1.25).

Podemos e devemos colocar em prática a Lei do Senhor, não por causa da nossa própria capacidade, mas porque contamos com o auxílio daquele que opera em nós o querer e o realizar, conforme a sua boa vontade e, por isso mesmo, nos ordena a desenvolver a nossa salvação (cf. Fp 2.12-13).

A razão de buscar o conhecimento da Palavra (“Guardo no coração as tuas palavras” – Sl 119.11a) não pode ser outra, senão o desejo de honrar o Senhor ao praticá-la (“para não pecar contra ti” – Sl 119.11b).

Devemos ser como Esdras, que dispôs “o coração para buscar a Lei do Senhor, e para a cumprir, e para ensinar em Israel os seus estatutos e juízos” (Ed 7.10). A última das atitudes de Esdras é a que veremos a seguir e que precisamos também fazer.

c) Aconselhar com a Escritura – Vivemos em meio a uma sociedade em que várias vozes querem se fazer ouvir, e dizem saber como entender o homem, resolver seus conflitos interiores e modificar o seu comportamento.

Como afirmou Paulo, devemos ter todo o cuidado para não ser enredados com filosofias e vãs sutilezas que são conforme a tradição dos homens e os rudimentos do mundo e não segundo Cristo (cf. Cl 2.8).

No tempo do profeta Jeremias, falsos profetas confundiam o povo de Israel, “instruindo” o povo conforme os sonhos que diziam ter. O Senhor, por meio de Jeremias, então afirmou: “O profeta que tem sonho conte-o como apenas sonho; mas aquele em quem está a minha palavra, fale a minha palavra com verdade” (Jr 23.28).

Guardadas as devidas proporções, devemos entender que as teorias seculares que tentam explicar o homem e a forma como ele se comporta também acabam instruindo de forma errada. Nessas teorias, o pecado passa a ser visto como doença (ou transtorno) e a responsabilidade pessoal é deixada de lado, pois o problema geralmente está no meio em que se vive ou naquilo que outros fizeram contra nós. O homem, na maioria das vezes, é visto como “vítima”.

É dever da igreja do Senhor fazer ecoar a voz daquele que entende perfeitamente o homem e sabe exatamente qual é a razão de todos os seus problemas. Devemos proclamar a voz do Criador e único capaz de redimir o homem.

Sendo a Escritura suficiente para a vida e para a piedade (cf. 2Pe 1.3), devemos ter a mesma convicção de Davi: “A Lei do Senhor é perfeita e restaura a alma” (Sl 19.7a). O que ele afirma aqui, literalmente, é que a Lei do Senhor traz a alma de volta para Deus.

É por tudo isso que devemos ser diligentes em nossa tarefa de aconselhar uns aos outros, instruindo-nos mutuamente pela Palavra de Deus. A Bíblia deve ser o nosso livro texto para avaliar os problemas e trazer a solução.

Que “habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” (Cl 3.16).

Isso será trabalhoso? Certamente! Mas permaneça firme e inabalável, sendo abundante na obra do Senhor, sabendo que nele o nosso trabalho não é vão (cf. 1Co 15.58).

Artigo escrito para a Revista “Proposta”, da União de Homens Presbiterianos (UPH), publicada pela Editora Cultura Cristã (2º Trimestre de 2013)

28 março 2013

Cristo, nosso cordeiro pascal

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Ano após ano a história se repete. Por ocasião da semana chamada “santa” há uma enxurrada de filmes na TV relatando a última semana de vida do Senhor Jesus. Também nas igrejas existe toda uma expectativa em torno das “encenações de Páscoa” e em muitos lugares isso já se tornou mesmo um grande espetáculo.

Entretanto, me chama a atenção, tanto nas produções “seculares” quanto nas religiosas, a grande ênfase no sofrimento físico do Senhor. Geralmente essa é a parte em que o “público” mais se emociona. Não são poucos os que saem da frente da TV, da sessão de cinema ou de uma cantata totalmente impactados e emocionados, por verem que Jesus apanhou tanto e sofreu tantas humilhações por eles.

Conquanto todo esse sofrimento tenha sido, de fato, verdadeiro, terá sido ele a razão da grande angústia do Senhor, quando orou ao Pai pedindo que, se possível, passasse dele esse cálice (Mt 26.39)? Deve ser simplesmente esse sofrimento a razão de os cristãos estimarem o Senhor?

É claro que não quero minimizar o sofrimento físico e humilhações sofridas pelo meu Senhor. Mas temos de ser honestos. Durante a história da humanidade houve vários casos de pessoas que, fisicamente, sofreram da mesma forma ou até mais que o Senhor. Nas Escrituras, vemos, por exemplo, Eliseu chorando por saber o que seria o sofrimento do povo de Israel sob Hazael que iria deitar fogo às fortalezas, matar à espada os jovens, esmagar os pequeninos e rasgar o ventre das mulheres grávidas (cf. 2Re 8.12). O escritor de Hebreus afirma que muitos santos do passado “passaram pela prova de escárnios e açoites, sim, até de algemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada [...], afligidos, maltratados” (Hb 11.36,37). A história dos primeiros mártires cristãos está também repleta de exemplos de sofrimentos impensáveis.

Se o sofrimento de Cristo consistisse “apenas” no castigo físico ele seria, no máximo, mais um mártir na história da igreja.

Bem-aventurados os que não viram e creram

Essas foram as palavras de repreensão que Tomé ouviu de Cristo Jesus e que foram precedidas de: “Porque me viste, creste?”. Ele havia duvidado quando ouviu que o Senhor havia ressuscitado e afirmou que só acreditaria vendo (cf. Jo 20.24-29).

Estou lembrando esse episódio, pois tenho para mim que a ênfase no castigo físico de Cristo nas encenações seja por uma razão óbvia: O maior sofrimento que o Senhor experimentou não pode ser encenado, ele deve ser entendido e crido. É triste perceber que muitos cristãos, ao lerem o evangelho, não demonstram a mesma emoção que têm nas encenações.

Sabemos, pela Escritura, que desde que o homem pecou ele está sob a ira de Deus. Adão foi advertido de que no dia em que pecasse ele certamente morreria e, claro, isso não se restringiria à morte física (Gn 2.17; Ap 20.14; 21.8). Paulo afirma que essa morte passou a todos os homens, porque todos pecaram (Rm 5.12). Em Apocalipse lemos, finalmente, que o homem que não se rende ao Senhor “beberá do vinho da cólera de Deus, preparado, sem mistura, do cálice da sua ira, e será atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro” (14.10).

No evangelho, João é enfático ao afirmar que aqueles que não creem em Cristo já estão julgados. Porém, de igual modo, ele afirma que quem nele crê não é julgado (cf. Jo 3.18). Mas qual a razão destes que creem não serem condenados, se também são pecadores?

A razão é exatamente o fato de Cristo Jesus ter assumido a nossa dívida e tomado o cálice da ira de Deus em lugar do seu povo. Essa foi também a razão de sua angústia no Getsêmani. Por amor do seu povo, ele experimentaria um sofrimento incomparavelmente maior que o físico, a quebra da comunhão perfeita com o Pai e a sua ira. Foi isso que o levou a bradar na cruz: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste” (Mt 27.46).

Isaías, bem antes de isso acontecer na história, havia profetizado: “Ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. [...] ao Senhor agradou moê-lo, fazendo- enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias [...] (ele) levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu” (Leia todo capítulo 53 de Isaías).

Jesus não levou simplesmente uma surra em seu lugar, mas recebeu sobre si a ira do Deus Todo-Poderoso que deveria cair sobre você.

Como nos lembramos disso?

Durante toda a história da redenção podemos ver Deus ordenando a seu povo a lembrança de alguns eventos. Foi assim com a Páscoa. Deus iria derramar sua ira sobre o Egito, matando todos os primogênitos, mas faria distinção não matando os primogênitos do seu povo. Ele ordenou então que se tomasse um cordeiro, colocasse o seu sangue na verga das portas e o comessem assado. Quando o Senhor começasse a ferir o Egito ele “passaria” as casas com sangue. Páscoa significa exatamente isso, passagem, e os israelitas deveriam celebrá-la todos os anos para lembrar que o Senhor os havia libertado do Egito e os livrado também da sua ira. O cordeiro foi morto em lugar dos filhos de Israel.

No Novo Testamento percebemos que foi exatamente na Páscoa que Cristo Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1.29), instituiu a Ceia, como uma lembrança de sua obra (Mt 26.18-30). A Ceia seria em memória daquele que deu o seu corpo e o seu sangue, “o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” (Mt 26.28).

A Ceia representa para o cristão aquilo que a Páscoa representa para o judeu. É interessante notar que, após a morte do Senhor, não há mais menção às comemorações da Páscoa pela igreja, mas às celebrações da Ceia do Senhor.

Diante da Ceia nos examinamos para comer do pão e beber do cálice (1Co 11.28), entendendo que não podemos permanecer em nosso pecado diante da lembrança do sacrifício do Cordeiro de Deus. Na carta aos Coríntios, Paulo afirmou que eles não poderiam se orgulhar do pecado exatamente porque “Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós” (1Co 5.7).

A Páscoa cristã é a Ceia do Senhor. Entendendo-a, você poderá expressar diante dela toda a emoção por ter Cristo Jesus recebido a ira de Deus em seu lugar. Porém, se a Ceia não encena isso, nenhuma outra encenação o fará.

21 março 2013

Enterre, também, seus ídolos

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“Levanta-te, sobe a Betel e habita ali; faze um altar ao Deus que te apareceu quando fugias da presença de Esaú, teu irmão” (Gn 35.1). A ordem foi dada pelo Senhor a Jacó num momento em que o seu coração estava cheio de temor. Ele estava com medo de ser destruído, juntamente com sua família, pelos cananeus e ferezeus, após seus filhos Simeão e Levi cometerem uma chacina matando todos os homens da cidade de Siquém.

Siquém havia violentado e levado cativa Diná, filha de Lia, portanto, irmã “plena” de Simeão e Levi. Jacó foi negligente não dando importância ao ocorrido e ainda consentindo com o casamento misto proposto por Hamor, pai de Siquém. Simeão e Levi entenderam corretamente a gravidade da situação, mas tomaram uma atitude errada. Pensando somente na vingança, profanaram a circuncisão, sinal da Santa Aliança. Dolosamente eles afirmaram que só permitiriam o casamento caso os homens da cidade se submetessem à circuncisão, o que eles fizeram. Porém, a trama era se aproveitar da fragilidade dos homens após esse ato e assassinar a todos, o que, de fato, fizeram.

Diante disso, Jacó repreendeu seus filhos, mas não foi pelas razões corretas. Ele não estava preocupado com o fato de os filhos terem feito uma guerra sem a chancela de Deus. Também não se preocupou com a profanação do sinal da Aliança e com o esvaziamento do seu significado numa empreitada de vingança. Não! Jacó repreendeu seus filhos porque entendeu que a atitude deles o havia tornado odioso entre os moradores daquela terra e ele corria o risco de ser destruído. Sua razão para repreender os filhos, além de egoísta, revelava falta de confiança no Deus que lhe havia feito promessas e mudado o seu nome para Israel (= “Deus prevalece”).

O temor invade o coração de Jacó quando a sua confiança deixa de ser no Deus que prevalece e passa a ser no seu “bom relacionamento” com os moradores da terra (confira no capítulo 34 de Gênesis).

Uma extraordinária lembrança

No início do capítulo 35, Deus então ordena que Jacó vá para Betel (35.1). A ordem é para que ele habitasse em Betel e ali fizesse um altar. É importante notar que, neste momento, Deus está trazendo algo à lembrança de Jacó. O altar seria feito “ao Deus que te apareceu [a Jacó] quando fugias da presença de Esaú”.

O fato de o Senhor enfatizar isso é extraordinário. Jacó estava com medo dos cananeus e ferezeus, temendo que eles o destruíssem juntamente com sua casa e Deus está lembrando que, em outra ocasião de temor, quando estava sob o risco de perecer sob a ira do seu irmão Esaú (a quem tinha enganado), o Senhor o havia guardado. É como se Deus estivesse dizendo: “Jacó, lembre-se de que eu sou o Deus que te apareceu em Betel e fiz promessas. Lembre-se de que eu já te livrei de morrer e minhas promessas permanecem de pé”.

Jacó entendeu o recado. Ele convoca sua caravana e diz: “Subamos a Betel. Farei ali um altar ao Deus que me respondeu no dia da angústia e me acompanhou no caminho por onde andei (35.3). Ele relembra, então, que Deus tem estado ao seu lado, o tem amparado e tem cumprido suas promessas e afirma que faria, em Betel, um altar a esse Deus.

Ao chegar a Betel e edificar o altar, a lembrança permanece em sua mente. Ele chama o lugar de “El-Betel; porque ali Deus se revelou quando fugia da presença de seu irmão” (35.7).

Em um momento de angústia e temor, Jacó foi lembrado a respeito da fidelidade e da segurança que tinha no Senhor.

Livrando-se dos ídolos

Essa lembrança produziu um resultado piedoso. Assim que ouviu o Senhor mencionar o momento em que tinha aparecido a Jacó pela primeira vez, ele ordenou à sua família e toda a caravana que lançassem fora os deuses estranhos.

É necessário lembrar que toda idolatria iconográfica é o resultado final da idolatria do coração. Aqueles que chegam a esculpir ou desenhar seus deuses simplesmente revelam aquilo em que o seu coração confia.

É preciso lembrar também que na saída da casa de Labão, seu sogro, Raquel havia roubado de seu pai os ídolos do lar, mas ainda que não houvesse a presença física dos ídolos, tanto ela quanto Jacó e sua irmã Lia revelaram um coração bastante idólatra, tempos atrás. Jacó tinha na beleza a sua razão de viver, tanto que, ao ser enganado por Labão e ter se casado com Lia, dispôs-se a trabalhar mais sete anos em favor daquela que “era formosa de porte e de semblante” (Gn 29.17), estabelecendo assim um casamento bígamo. Lia tinha no amor de Jacó a sua razão de viver e usava seus filhos para tentar conseguir esse amor (Gn 29.31-34; 30.20). Raquel, por sua vez, tinha na maternidade a sua razão de viver chegando a se irar com Jacó e declarar toda a sua idolatria ao afirmar: “Dá-me filhos, senão morrerei” (30.1). A idolatria era tamanha que ao conceber, de forma milagrosa, pela primeira vez, em vez de louvar a Deus disse: “quero ainda outro”, chamando-o de José.

Perceba que nenhum desses desejos é pecaminoso em si. Querer uma esposa bonita, o amor do marido ou a bênção de ter filhos eram desejos lícitos que se tornaram pecaminosos a partir do momento em que cada um desses personagens pecou para consegui-los ou pecou por não ter o que queria.

Voltando então ao ponto, convocar a família e o povo a lançar fora os deuses estranhos significava que somente no Senhor deveria estar a confiança, a alegria, a segurança e tudo mais que buscavam.

Jacó ordena ainda que eles se purifiquem e mudem de vestes, gesto que simbolizava purificação da contaminação dos ídolos para a pureza diante de Deus. Eles deveriam trilhar um novo e purificado caminho de vida (35.2).

A caravana atendeu a Jacó (35.4) e cada um entregou os deuses e as argolas que usavam nas orelhas como uma espécie de amuleto. Jacó pegou tudo aquilo, todos os amuletos e todos os deuses estranhos, e os enterrou debaixo de um carvalho, em Siquém.

Experimentando alívio

Quando eles partiram, após entenderem que o Senhor era fiel e que deviam temer a ele e não aos ídolos (no momento, as nações eram também ídolos, pois eram vistas como maiores que Deus), eles experimentam algo maravilhoso.

Eles viram aqueles que eram o motivo de seu temor, temendo o “Deus que prevalece” quando “o terror de Deus invadiu as cidades circunvizinhas” (35.5) e, consequentemente, não perseguiram os filhos de Jacó. O temeroso Jacó teve mais uma prova de que o Deus da Aliança estava cumprindo fielmente o plano de fazer dele uma nação. Não havia, então, o que temer.

Ele termina, como já foi visto, levantando um altar e adorando ao Senhor.

Enterre os seus ídolos aos pés da cruz

Quais são os temores que tomam conta do seu coração? Em que ou em quem você tem depositado a sua confiança? Quais desejos o têm levado a pecar contra o Senhor?

As razões que podem tirar o seu sossego, trazer angústia, tristeza e deixá-lo ansioso podem ser variadas, mas uma coisa é certa: sempre que você procurar conforto, segurança, alegria, satisfação fora do Senhor, estará levantando um falso deus diante de si e incorrendo, assim, em idolatria. Os falsos deuses podem até prometer alegria, mas eles não são capazes de cumprir suas promessas.

Quais são os falsos deuses que você precisar enterrar hoje, não debaixo do carvalho como fez Jacó, mas aos pés da cruz de Jesus Cristo? Faça uma análise de sua vida e verifique se você não tem buscado alegria no dinheiro, em pessoas, status, comida, bebida, prazeres dessa vida, etc. Se a fonte do seu prazer está em coisas ou pessoas em vez de estar somente em Cristo, confesse ao Senhor esse pecado.

Ao enterrar seus ídolos aos pés da cruz você, certamente, experimentará a paz de Cristo que excede todo entendimento (Fp 4.7). Você estará seguro e louvará a Deus a despeito das circunstâncias (Fp 4.10-13). Tendo o Senhor como único Deus você poderá usufruir tudo aquilo que ele nos concede sem se deixar dominar por nenhum deles (1Co 6.12), fazendo tudo para a glória dele (1Co 10.31).

Em seus momentos de dificuldade obedeça então à ordem do apóstolo Pedro e lance sobre Cristo Jesus toda a sua ansiedade, sabendo que ele cuida dos seus (1Pe 5.7). Lembre-se também das palavras do Senhor, que prometeu: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mt 11.28-30).