16 outubro 2015

Cuidado com a “piedade” impiedosa

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Se você observar atentamente o sermão do monte verá que o Senhor Jesus criticou duramente os fariseus porque davam esmolas, oravam e faziam jejum, e ordenou a seus discípulos que fossem diferentes deles. Os discípulos deveriam dar esmolas, orar e fazer jejum!

Sim, é isso mesmo que você está lendo e isso significa que a diferença entre os discípulos de Jesus e os fariseus não está, necessariamente, nas ações, mas no motivo pelo qual alguém faz o que faz. Relembre comigo. Jesus chamou os fariseus de hipócritas, pois ao fazer todas essas coisas eles não tinham como objetivo a glória de Deus, mas a glória de si mesmos. Eles queriam ser “glorificados pelos homens”, “vistos dos homens” e “parecer aos homens” (Mt 6.2,5,16). Os discípulos deveriam ter outra motivação, sua luz deveria brilhar diante dos homens para que estes, vendo suas boas obras, glorificassem o Pai que está nos céus (Mt 5.16). Por isso mesmo Jesus afirmou que não veio revogar a Lei, mas que a justiça de seus discípulos deveria exceder em muito a dos escribas e fariseus (Mt 5.20).

Diante disso, fica fácil entender por que Agostinho, sistematizando o ensino bíblico, afirmou que o homem, após a queda e sem a redenção em Cristo, é incapaz de não pecar. Suas melhores ações constituem pecado pois, em última instância, ele não as realiza para a glória de Deus, além de não ter um Mediador para interceder por ele.

Mas há mais a se pensar diante dessa realidade. A simples adequação aos preceitos da Lei não é sinal de uma vida piedosa diante de Deus. Isso fica claro quando vemos Deus rejeitando o culto de Israel em Isaías 1. A despeito de o povo oferecer sacrifícios (Is 1.11), o que era requerido pelo próprio Deus, o coração estava enfermo, longe do Senhor (Is 1.5) e, por isso, suas ofertas eram vãs (1.13). Amós, contemporâneo de Isaías, foi usado por Deus para anunciar que o povo cumpria os ritos cúlticos porque gostava e não por causa do Senhor, o que era evidenciado por seu pecado. O que os judeus ouviram, de uma forma bastante irônica, foi:

“Vão a Betel e ponham-se a pecar; vão a Gilgal e queimem ainda mais. Ofereçam seus sacrifícios cada manhã, o seu dízimo no terceiro dia. Queimem pão fermentado como oferta de gratidão e proclamem em toda parte suas ofertas voluntárias; anunciem-nas, israelitas, pois é isso que vocês gostam de fazer (Am 4.4-5).

Deus quer o nosso culto, a nossa adoração, mas, antes de tudo, quer o nosso coração. Não adianta render louvores ao Senhor estando com o coração distante dele. Essa é a atitude que foi reprovada nos fariseus (Mt 15.8).

Guardemos o nosso coração de fazer coisas certas por razões erradas. Infelizmente, muito do que tem sido ensinado no meio evangélico brasileiro não tem a ver com a glória de Deus, mas com o bem-estar dos homens. Li, certa vez, um escritor afirmando que os crentes deveriam “liberar” perdão, pois quem guarda mágoa no coração acaba por destruir a si mesmo. O problema aqui é que, quando a motivação de alguém para perdoar é “não destruir a si mesmo”, a razão é egoísta e até esse tipo de perdão é pecaminoso. O pecado é abominável não por causa das consequências em nós, mas por causa da afronta a um Deus Santo. Devemos perdoar porque fomos perdoados pelo Senhor e ele ordena que façamos o mesmo em relação ao próximo. A glória de Deus é o alvo, não o nosso bem-estar.

De igual forma, uma pessoa pode não se vingar, o que é um mandamento bíblico (Rm 12.19), e ainda assim pecar, por ter como motivação demonstrar que está acima daquele que pecou contra ela, quebrando o mandamento de não pensar de si mesma além do que convém (Rm 12.3); um pastor pode se esmerar no estudo e pecar na entrega do sermão por ter como motivação o ser bem visto em vez de edificar, exortar e consolar a igreja (1Co 14.3); pais podem se dedicar ao ensino e orientação dos filhos e ter como motivação o pecado do orgulho de ser reconhecido e glorificado pelo seu bom trabalho; enfim, podemos fazer muitas coisas biblicamente corretas e ainda assim pecar profundamente contra o nosso Deus.

Um indício de que nossas intenções ao cumprir a Lei são pecaminosas é a constante comparação com outros irmãos e o julgamento daqueles que ainda não são tão “santos” como nós.

Por tudo isso, devemos vigiar nossas intenções, pedir constantemente que o Senhor sonde o nosso coração, prove nossos pensamentos e verifique se há em nós caminho mau e nos guie pelo caminho eterno (Sl 139.23-24), a fim de que ele receba a glória devida a seu nome quando, no poder do Espírito Santo, colocamos em prática os preceitos do nosso Redentor.

09 outubro 2015

Restabelecendo a comunhão com o irmão

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“E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (Mt 6.12). Essa é uma das petições da oração que o Senhor Jesus ensinou a seus discípulos e nos mostra o quão importante é atentar ao que oramos. Pedimos que o Senhor nos perdoe como temos perdoado! Se você é um leitor atento, vai lembrar que após encerrar a oração o Senhor fez um adendo: “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens [as suas ofensas], tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas” (Mt 6.14-15).

Isso aponta para uma verdade incontestável: o perdão é um imperativo! A Escritura não dá a mínima margem para que exista a falta de perdão. Não poderia ser diferente, pois somos chamados para ser povo do Senhor, corpo de Cristo e, como corpo, precisamos dar suporte uns aos outros e “preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Ef 4.3).

Infelizmente muitos cristãos têm uma ideia equivocada sobre o perdão e, quando “perdoam”, o fazem segundo o seu próprio entendimento. É preciso, entender o que as Escrituras falam acerca do perdão.

Não espere sentir vontade para perdoar

Muitos colocam o perdão no nível do sentimento. “Mas eu ainda não senti no coração a vontade de perdoar...”, dizem. Jesus não disse que a condição para o perdão seria “sentir no coração”, mas o reconhecimento da falta por parte daquele que pecou contra nós.

Em uma ocasião ele ensinou aos discípulos que se um irmão pecasse contra eles sete vezes num mesmo dia e viesse arrependido, deveria ser perdoado. Diante disso os apóstolos pediram para que ele aumentasse sua fé, mas em vez de ouvir que, de fato, era preciso ter uma grande fé para agir assim, ouviram a parábola do servo inútil cujo ensino é que devemos fazer o que nos foi ordenado. Em outras palavras, eles não precisavam de mais fé, precisavam ser obedientes ao Senhor que ordenou o perdão (Lc 17.3-10). Mudando o que deve ser mudado, para perdoar não é preciso “sentir vontade no coração”, mas ter um coração obediente e submisso ao Senhor. Costumo brincar dizendo que sentir no coração é caso de cardiologista, não de fé.

Não esqueça que você já foi perdoado por uma ofensa maior

A parábola do credor incompassivo ensina sobre isso (Mt 18.23-35). Um homem devia cem denários. Um denário era o salário de um dia de serviço, ou seja, ele devia o equivalente a cem dias de serviço, uma dívida que certamente poderia ser paga. Entretanto, quanto encontrou o seu credor e pediu paciência a fim de que pudesse pagar toda a dívida não encontrou misericórdia. Seu credor o lançou na prisão até que saldasse a dívida.

Ao ver essa história, alguns homens procuraram o patrão daquele credor que ficou enfurecido. A razão? Esse credor já estivera no papel de devedor. Ele devia a seu patrão dez mil talentos, uma dívida impagável, mas pediu paciência a seu senhor a fim de pagar a dívida e recebeu dele misericórdia, ao ser perdoado daquilo que ele devia. Só para entendermos, um talento era o equivalente a seis mil denários. Dez mil talentos, portanto, equivalia a sessenta milhões de denários. Faça as contas! Enquanto um homem devia o equivalente a 3 meses e 10 dias de serviço o outro devia o equivalente a 164.384 anos de serviço. Tá bom, vamos ajudar esse homem, consideremos que seu salário fosse de 100 denários por dia. Ainda assim sua dívida continuaria alta, equivalente a 1.644 anos.

Dá para entender claramente o ponto de Jesus. A razão de esse senhor ficar irado foi ver que aquele que havia sido perdoado de tão grande dívida não tratou com igual misericórdia aquele que lhe devia tão pouco. Diante de uma situação onde temos de perdoar, devemos lembrar da cruz, que mostra quão grande era a nossa dívida. Diante da nossa ofensa a Deus, perdoada em Cristo, qualquer ofensa que soframos, por maior que seja, é mínima.

Não esqueça que somos falhos

Vivemos em uma comunidade de pecadores remidos. Até que o Senhor extirpe totalmente o pecado de nossas vidas, no dia final, pecaremos uns contra os outros. A falta de perdão pode revelar que esquecemos dessa verdade, de duas formas.

Primeiro quando temos expectativas muito altas acerca de nós mesmos. A forma como encaramos o pecado alheio demonstra o que pensamos sobre nós. A história do fariseu que orou no templo junto com o publicano exemplifica isso. Ele orava de si para si mesmo dizendo: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano” (Lc 18.11). Ao não perdoar, muitos estão, sem dizer, afirmando que nunca cometeriam pecado como aquele da qual foram alvo.

Segundo quando temos expectativas muito altas sobre o outro. Quando dizemos coisas do tipo: “eu esperava isso de qualquer um, menos de você”, declaramos que esperamos do nosso irmão uma perfeição que não é possível para ele. Nos frustramos com uma falsa expectativa e acabamos não perdoando aquele que “nos decepcionou”.

Não coloque condições para o perdão

É claro que estou tratando de condições além daquela estabelecida pelo Senhor, que é o arrependimento. Isso é também algo que acontece, não poucas vezes, e eu chamo de “perdão desde que...”. “Eu perdoo, desde que não precise mais me relacionar com você, cada um no seu canto”, ou então, “eu perdoo, mas você tem que prometer que nunca mais fará isso...”.

Imagine se Deus nos tratasse de igual forma? Agora lembre-se de que você muitas vezes ora pedindo isso, “perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (Mt 6.12). Já imaginou se Deus dissesse, “eu perdoo, mas você nem precisa orar mais, pois não falo mais com você”, ou, “eu perdoo, mas que seja esta a última vez que você peca contra mim”.

O perdão deve restaurar o relacionamento, unir aqueles a quem o pecado separou. Devemos perdoar da mesma forma que somos perdoados pelo Senhor, como foi demonstrado por Jesus na parábola do credor incompassivo. É isso que ele espera de nós.

Ao sofrer com o pecado de terceiros, tome atitudes bíblicas, para a glória do Senhor, restauração do faltoso e restabelecimento da comunhão.