30 maio 2013

A suficiência da Escritura para a vida e piedade

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Os cristãos, geralmente, não têm problema em afirmar a suficiência da Bíblia para a salvação. Porém, no que diz respeito às emoções, pensamentos, atitudes e comportamento, não são poucos os que negam a suficiência da Palavra. Prova disso é que a literatura de autoajuda é abundantemente consumida, inclusive entre crentes.

Isso é um claro contrassenso. Se a Escritura é suficiente para “nos tornar sábios para a salvação em Cristo Jesus” (2Tm 3.15) ela tem de ser também suficiente para tratar das nossas emoções e atitudes.

Conceitos e explicações seculares têm tomado cada dia mais espaço dentro da igreja e teorias têm ganhado o “status” de verdades absolutas. Tem sido ensinado de muitos púlpitos, por exemplo, que a maioria dos problemas dos crentes é causada pela falta de amor-próprio, o que é uma ideia totalmente antibíblica. A Escritura nunca ensinou que devemos nos amar, mas, sim, que devemos amar o próximo como já nos amamos (Mt 22.39; Ef 5.29).

Mais ainda, ansiedade virou doença, orgulho, egoísmo e soberba receberam o pomposo nome de “transtorno de personalidade narcisista”, e a cada ano surgem novas síndromes e transtornos que tentam “patologizar” o que a Bíblia chama de pecado. Terapeutas têm tentado ajudar seus pacientes a “viver melhor” ao fazê-los crer que eles não são culpados pelos seus atos, antes, a culpa está na forma como foram criados ou no meio em que vivem.

Cada vez menos os crentes recorrem às Escrituras e aos gabinetes pastorais para aconselhamento bíblico a fim de entender seus sentimentos e comportamento, pois, em seu entendimento, isso não é trabalho pastoral, requer ajuda de um profissional qualificado. David Powlison mostra em um artigo que não é à toa que a igreja tenha sido criticada por dois psicólogos seculares, O. Hobart Mower e Karl Manninger. “Mower perguntou: ‘Será que a religião evangélica vendeu seu direito de primogenitura pela panela de cozido da psicologia?’ Menninger escreveu um livro cujo título soa provocador: Whatever Hapenned of Sin? (O que aconteceu com o pecado?)”[1].

Um caminho melhor

Na contramão de tudo isso, o apóstolo Pedro afirma categoricamente que pelo divino poder de Deus “nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3). Para Pedro, se o homem conhece ao Senhor, ele tem tudo aquilo de que necessita para a vida e piedade. Observe bem, Pedro não diz algumas coisas, mas tudo o que é necessário.

A igreja deve urgentemente voltar os olhos para a Palavra de Deus, que é a maneira que temos de guardar puro o nosso caminho (Sl 119.9). Precisamos crer no que Paulo escreveu à Timóteo, que a Palavra de Deus “é útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e educação na justiça a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16,17). Uma possível tradução para a palavra perfeito é “completo”, ou seja, a Palavra é útil para que o homem seja completo.

O escritor da epístola aos Hebreus demonstra a eficácia da Palavra de Deus ao ensinar: “Porque a Palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração (Hb 4.12). Perceba que o escritor afirma que a Palavra sonda o mais profundo do nosso ser e revela as intenções do nosso coração.

A Bíblia ensina que o coração é o centro de controle do homem. É em virtude disso que o livro de Provérbios ensina que devemos guardar, sobretudo, o coração, porque dele procedem as fontes da vida (Pv 4.23). É por isso também que o Senhor Jesus, confrontando os fariseus, afirmou que a boca fala do que está cheio o coração (Mt 12.34) e ensinando os discípulos disse que do coração é que procedem os maus desígnios (Mt15.19).

O rei Davi, no Salmo 139, faz um pedido que deve nos servir de exemplo: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno” (Sl 139.24). Ele faz o pedido certo para a pessoa certa. Só Deus pode esquadrinhar o coração (Jr 17.10); e, como vimos, ele o faz por meio da Palavra (Hb 4.12).

Sendo o coração o que controla o homem e sabendo que é a Palavra de Deus que penetra o coração, devemos recorrer a ela, encher o coração dela, ser santificados por meio dela (Jo 17.17). Ela é suficiente para nossa vida e piedade.

Usando a Bíblia corretamente

Quando falamos da suficiência das Escrituras para a vida e piedade é necessário deixar claro que isso implica uma fiel exposição da Palavra.

Ao recorrer à Bíblia para buscar orientação não devemos procurar simplesmente versículos isolados que validem ou invalidem uma determinada prática, mas estudar com seriedade, buscando um entendimento correto do texto dentro de seus contextos. Fazendo assim, teremos mandamentos e princípios que orientarão com precisão a nossa vida.

A falta de um entendimento correto da Palavra de Deus tem levado muitos a duvidar de que ela é capaz de orientar o homem quanto às suas emoções e comportamento, porém, como afirma Mark Dever: “A Palavra de Deus sempre foi o instrumento que Ele escolheu para criar, convencer, converter e conformar o seu povo. desde o primeiro anúncio do evangelho em Gênesis 3.15 até à promessa inicial feita à Abraão, em Gênesis 12.13, bem como até à regulação dessa promessa, por meio de sua Palavra, nos Dez Mandamentos (Êxodo 20), Deus outorgou vida, saúde e santidade ao seu povo por intermédio de sua Palavra.[2]

Isso torna indispensável ao crente o debruçar-se sobre a Palavra e a busca da iluminação do Espírito a fim de ter um conhecimento correto da Escritura e aplicá-la em todas as áreas da vida.

Conscientes de que vivemos numa sociedade que busca explicar o comportamento humano usando princípios antibíblicos, tenhamos, de fato, a Bíblia como nossa regra de fé e prática e que ao invés de recorrer à sabedoria deste mundo, busquemos o conhecimento da Palavra de Deus enchendo o coração dela.

Certamente o Senhor se agradará e derramará sobre nós suas bênçãos.


[1] David Powlison. Integração ou inundação? In: Religião de Poder. São Paulo: Cultura Cristã, 1998, pp. 166,167

[2] Mark Dever & Paul Alexander. Deliberadamente Igreja. São Paulo: Fiel, 2005, pp. 41,42

24 maio 2013

A aliança do casamento

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[1]Quando Deus criou o homem, criou-o num relacionamento de Aliança. O substantivo aliança significa, segundo o Dicionário Aurélio – Século XXI, “ajuste”, “acordo”, “pacto” ou “contrato”. Diferentes versões da Bíblia em português usam os substantivos pacto, aliança, acordo e concerto para traduzir o substantivo hebraico berith que aparece cerca de 290 vezes no Antigo Testamento.

O termo berith aparece em vários lugares da Escritura, não só para a Aliança entre Deus e o homem, mas também para uma aliança entre duas pessoas ou grupos (Js 9.15; 1Rs 5.12).

Quando a aliança era estabelecida entre homens, a ideia que estava por trás era a da bilateralidade da aliança e a igualdade das partes contratantes.

Podemos dizer que aliança, em seu aspecto mais essencial, é aquilo que une as pessoas. Palmer Robertson diz que “nada está mais perto do coração do conceito bíblico de aliança do que a imagem de um laço inviolável”.[2]

Essa é uma verdade que deve estar na mente de todos os que são casados (e dos que estão pensando em casar) e deve ser continuamente lembrada.

O apóstolo Paulo considera o vínculo do casamento tão sério que, ao escrever aos Efésios, compara o relacionamento do marido e da mulher ao relacionamento entre Cristo e sua igreja (Ef 5.22-33). Nesta perspectiva o casal Van Groningen diz que “o casamento é uma aliança estabelecida por Deus, para expressar simbolicamente a união de Deus e o seu povo por meio de um amor real. O casamento humano expressa todos os dias simbolicamente a união de Deus e o seu povo por meio de um amor real”.[3]

As implicações da afirmação paulina são muito sérias. Vejamos:

a) O casamento exige fidelidade

No livro de Gênesis podemos perceber que Deus instituiu o casamento como uma monogamia, ao criar Adão e lhe dar como esposa uma mulher, Eva. Isso significa que ele espera que haja fidelidade na relação e a própria Aliança requer isso. Quando Cristo dá a vida pela sua igreja, o faz por causa da fidelidade do Senhor a ele mesmo e ao pacto que ele instituiu. Ele prometeu redenção e a executou, para o louvor de sua glória.

Da mesma forma marido e mulher devem ser fiéis um ao outro. O relacionamento deve ser tal qual o cantado no livro de Salomão: “Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu” (Ct 6.3).

Nossa sociedade tem experimentado um novo tipo de infidelidade, a infidelidade “virtual”. Na onda da internet, muitos maridos e muitas esposas têm dado vazão aos seus desejos por meio do computador, achando que assim conseguirão realizar fantasias sem colocar em risco o casamento. Sobre isso, temos uma palavra muito clara do Senhor Jesus: “Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela” (Mt 5.27-28).

As palavras de Jesus nos mostram que a intenção do coração já é pecaminosa por si. Portanto, mesmo que virtualmente, aqueles que se envolvem com outras pessoas estão sendo infiéis.

b) O casamento tem por base o compromisso assumido diante de Deus

Da mesma forma que o Senhor empenha sua Palavra e, por isso, nunca revogará a Aliança com seu povo, a palavra empenhada pelo casal diante de Deus é a base do casamento. Justamente por esse motivo é que o casamento é perene.

Quando Jesus foi questionado pelos fariseus sobre ser lícito repudiar a mulher por qualquer motivo, ele evocou as palavras de Gênesis: “Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe e se unirá à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne?” – e concluiu – “De modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mt 19.4-6). O Senhor leva a sério o voto que fazemos diante dele (Dt 23.21-23; Ec 5.1-7; Pv 20.25).

A Bíblia é clara ao afirmar que Deus odeia o divórcio (Ml 2.16) e ensina que as duas únicas razões em que o divórcio é permitido são o adultério, e isso como concessão e não mandamento, por causa da dureza do coração do homem (Mt 5.31-32; Mt 19.3-12; Mc 10.2-12; Lc 16.18), e o abandono por parte do cônjuge incrédulo (1Co 7.10-16), porém, somente no caso citado por Paulo em que ambos os cônjuges eram incrédulos e um se converteu à fé cristã.

Novamente recorro ao casal Van Groningen, que percebe de modo claro a implicação da Aliança no casamento e afirma que “como Deus não se divorcia, assim marido e mulher não devem se divorciar”.[4]

É importante frisar isso porque, infelizmente, até em nossas igrejas, muitos são aqueles que se casam já pensando na separação. “Se não der certo a gente separa”, dizem eles. Esse “não dar certo” pode ser a incompatibilidade de gênios, a falta de objetivos comuns, a constatação de como o outro é “de verdade” e até mesmo o término do amor.

Muitos têm afirmado que o amor é o principal vínculo para que o casamento continue, e se a pessoa não “sente” mais amor pelo outro não deve permanecer casada. Essa, porém, não é a verdade bíblica.

O amor bíblico não é um mero sentimento, mas uma ação em favor de outra pessoa. Se fosse meramente um sentimento, seria muito complicado cumprir a ordem de Jesus de amar o inimigo (Mt 5.43-44), pois é improvável que alguém sinta amor por alguém que lhe faz mal. Se fosse um mero sentimento, Paulo não poderia ordenar aos maridos que amassem sua esposa (Ef 5.25) nem ordenar a Tito que falasse às mulheres idosas “para que ensinem as mulheres novas a serem prudentes, a amarem seus maridos, a amarem seus filhos” (Tt 2.4).

É por esta razão que não encontramos na Bíblia um mandamento para nos casarmos com quem amamos, mas encontramos a ordem para amar aquele ou aquela com quem nos casamos.

Se entendermos bem que o casamento é uma aliança e que, por conta disso, sua base é a palavra empenhada diante de Deus, buscaremos no Senhor forças e sabedoria para superar as crises e dificuldades que certamente enfrentaremos.


[1] O conceito de Aliança expresso aqui é baseado no artigo do Rev. Mauro Meister, com citações indiretas do texto que pode ser lido aqui: http://migre.me/i1Q0D . Recomendo enfaticamente a leitura.

[2] O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, LPC, 1997, p. 8.

[3] Harriet e Gerard Van Groningen, A família da Aliança, Cultura Cristã, 1997, p. 48.

[4] Harriet e Gerard Van Groningen, A família da Aliança, Cultura Cristã, 1997, p. 49.

22 maio 2013

Aconselhamento: o que tem a ver comigo?

Pontos-de-interrogação

Uma situação cotidiana

Depois do futebol, numa roda de amigos, um deles acaba “soltando” que está prestes a se divorciar e fala de suas razões para isso. Rapidamente surgem várias opiniões, totalmente distintas umas das outras, apoiando ou reprovando a ideia. Isso é aconselhamento.

Na escola, um rapaz queixa-se com uma colega sobre a atitude de seus pais em proibi-lo de ir a um show e que isso o tinha deixado furioso. A colega, depois de ouvir, passa a falar sobre como ele deveria agir em relação a seus pais. Eis aqui novamente o conselho!

Duas amigas se encontram no supermercado. Durante a rápida conversa uma menciona os problemas que está enfrentando com o comportamento do filho. A outra, tentando ajudar, dá algumas dicas de educação de filhos. Isso também é aconselhar.

Há um ditado que diz que “se conselho fosse bom não se dava, vendia-se”, porém, os exemplos mencionados acima servem para demonstrar que, quer queiramos, quer não, estamos diariamente envolvidos com aconselhamento, seja na condição de conselheiros ou de aconselhados. Ainda que nem todos desenvolvam um ministério “oficial” de aconselhamento, a verdade é que aconselhamos a todo o tempo.

A diferença de uma para outra pessoa que aconselha é a base que usam para isso e aí está o principal dos problemas. Como vivemos em uma sociedade psicologizada, conceitos como “autoestima”, “necessidades sentidas” e mais outros tantos focados sempre no ego humano já fazem parte da visão de mundo de muitos crentes que, ao invés de recorrer à infalível Palavra de Deus, dão conselhos baseados em uma visão secular da vida.

Não ande no conselho dos ímpios

Sendo o aconselhamento algo tão presente na vida do ser humano, percebemos que não é sem razão a advertência da Palavra de Deus: “Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores” (Sl 1.1).

Aqueles que não temem a Deus não se preocupam com a sua glória, portanto ao aconselhar não levarão em conta as ordenanças e os princípios bíblicos.

Como exemplo, pense em um dos casos citados no início, mas agora com mais informações. Depois do futebol, um grupo de amigos se senta para beliscar uns petiscos e conversar um pouco. Um deles, o Luís, professor de escola dominical em sua igreja local, afirma que ultimamente tem percebido que não ama mais a esposa como no início do casamento, que o relacionamento esfriou e que eles têm travado grandes discussões. Ele confessa estar muito triste com tudo isso e que tem pensado seriamente no divórcio.

Seu amigo Fábio, que não é crente, querendo ajudar, pondera que sem amor é impossível sustentar o casamento e que se ele não “sentia” mais nada pela esposa, o melhor mesmo era separar, afinal de contas, o importante mesmo é ser feliz.

Qual o problema com esse conselho? Justamente por não levar em conta o Senhor e a sua Palavra, o “conselheiro” focou apenas o resultado que traria “alívio” ao Luís. Para ele não importa qual a visão bíblica sobre o casamento, quais circunstâncias permitem o divórcio, ele também não entende que amor, nas Escrituras, é bem mais que um sentimento, mas uma atitude ordenada pelo Senhor. A única coisa que importa para Fábio é “resolver” o problema do seu amigo e, se Luís der ouvidos ao conselho, estará somente complicando ainda mais a sua vida, por quebrar o padrão estabelecido pelo seu Deus, pois, como afirmou Salomão, “os pensamentos do justo são retos, mas os conselhos do perverso, engano” (Pv 12.5).

Cuide para não dar conselhos ímpios

Outro problema que acontece corriqueiramente diz respeito a crentes dando conselhos ímpios. É bem verdade que todo cristão que se preza não hesita em afirmar que a Bíblia é a sua única regra de fé e de prática, mas, na prática, muitos demonstram não estar muito preocupados com o que foi estabelecido pelo Senhor.

Um episódio bíblico exemplifica perfeitamente essa questão. Abrão foi chamado por Deus para sair da sua terra e ir para uma terra que o Senhor iria mostrar. Deus ainda prometeu que faria dele uma grande nação (cf. Gn 12.1-2). Abrão era casado com Sarai, que era estéril, mas, a despeito disso, o Senhor prometeu que lhe daria um filho. Como se passaram 10 anos e Sarai ainda não tinha engravidado, ela resolveu dar um jeito na situação, tomou sua serva Agar, deu a Abrão para que se deitasse com ela e Sarai se edificasse com filhos por meio dela (cf. Gn 16.2).

O texto afirma que “Abrão anuiu ao conselho de Sarai”. Mesmo sendo uma serva do Senhor, Sarai dá um conselho ímpio e, ao acatar o conselho, Abrão fez de seu lar uma grande confusão, além do fato de ter colocado em dúvida a Palavra do Senhor.

Como servos de Deus, devemos estar bem vigilantes para não cair na cilada de aconselhar de forma ímpia, na expectativa de solucionar os problemas de forma rápida. Não são poucas as vezes que cristãos, sem ter o devido cuidado em avaliar biblicamente as situações, têm servido de instrumento de destruição e não de edificação na vida do próximo.

É necessário agir como se segue.

Aconselhe a Palavra de Deus

Cristianismo e aconselhamento são duas coisas que estão intrinsicamente ligadas. Os membros do corpo de Cristo são chamados a aconselhar, admoestar, repreender, instruir, corrigir, e consolar uns aos outros (Rm 14.4; Cl 3.16; Gl 6.1; 1Ts 5.14).

Para isso, o cristão deve crer que na Escritura Sagrada temos tudo aquilo que é necessário para nossa vida e para a nossa piedade (cf. 2Pe 1.3). O apóstolo Paulo, escrevendo ao jovem pastor Timóteo, afirmou que “toda a Escritura é inspirada por Deus” – e por isso – “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16). Diante disso, o resultado do uso das Escrituras no aconselhamento não poderia ser outro, senão o que Paulo afirma no versículo seguinte: “A fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.17).

Deus nos escolheu antes da fundação do mundo, a fim de sermos conformes à imagem de seu Filho, nosso Redentor, Cristo Jesus (cf. Rm 8.29). Dia após dia ele nos aperfeiçoará, santificando as nossas vidas e o meio que ele usará para isso será sempre a sua Palavra. Ao orar pelos seus discípulos, foi isso que o Senhor Jesus pediu ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17).

Se queremos, portanto, ser eficazes ao cumprir a ordenança de aconselhar uns aos outros, precisamos:

a) Conhecer a Escritura – O apóstolo Paulo exortou Timóteo a que procurasse se apresentar diante de Deus como um obreiro aprovado e que maneja bem a palavra da verdade (cf. 2Tm 2.15). Devemos investir tempo na leitura da Bíblia Sagrada, não simplesmente fazendo uma leitura superficial, mas procurando entender os textos dentro de seus devidos contextos a fim de poder aplicá-los de forma correta às situações que sobrevêm em nossa vida cotidiana.

Foi por entender a importância do conhecimento da Palavra de Deus que o salmista afirmou que o homem bem-aventurado é aquele que o seu prazer “está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite” (Sl 1.2).

b) Praticar a Escritura – Não basta conhecer a Palavra de Deus, é necessário colocá-la em prática. Jesus afirma que aqueles que ouvem a Palavra e não a praticam são insensatos (cf. Mt 7.26). Seu irmão, Tiago, ensina que aqueles que somente ouvem a Palavra e não a praticam enganam a si mesmos (cf. Tg 1.22). Entretanto, continua Tiago: “Aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar” (Tg 1.25).

Podemos e devemos colocar em prática a Lei do Senhor, não por causa da nossa própria capacidade, mas porque contamos com o auxílio daquele que opera em nós o querer e o realizar, conforme a sua boa vontade e, por isso mesmo, nos ordena a desenvolver a nossa salvação (cf. Fp 2.12-13).

A razão de buscar o conhecimento da Palavra (“Guardo no coração as tuas palavras” – Sl 119.11a) não pode ser outra, senão o desejo de honrar o Senhor ao praticá-la (“para não pecar contra ti” – Sl 119.11b).

Devemos ser como Esdras, que dispôs “o coração para buscar a Lei do Senhor, e para a cumprir, e para ensinar em Israel os seus estatutos e juízos” (Ed 7.10). A última das atitudes de Esdras é a que veremos a seguir e que precisamos também fazer.

c) Aconselhar com a Escritura – Vivemos em meio a uma sociedade em que várias vozes querem se fazer ouvir, e dizem saber como entender o homem, resolver seus conflitos interiores e modificar o seu comportamento.

Como afirmou Paulo, devemos ter todo o cuidado para não ser enredados com filosofias e vãs sutilezas que são conforme a tradição dos homens e os rudimentos do mundo e não segundo Cristo (cf. Cl 2.8).

No tempo do profeta Jeremias, falsos profetas confundiam o povo de Israel, “instruindo” o povo conforme os sonhos que diziam ter. O Senhor, por meio de Jeremias, então afirmou: “O profeta que tem sonho conte-o como apenas sonho; mas aquele em quem está a minha palavra, fale a minha palavra com verdade” (Jr 23.28).

Guardadas as devidas proporções, devemos entender que as teorias seculares que tentam explicar o homem e a forma como ele se comporta também acabam instruindo de forma errada. Nessas teorias, o pecado passa a ser visto como doença (ou transtorno) e a responsabilidade pessoal é deixada de lado, pois o problema geralmente está no meio em que se vive ou naquilo que outros fizeram contra nós. O homem, na maioria das vezes, é visto como “vítima”.

É dever da igreja do Senhor fazer ecoar a voz daquele que entende perfeitamente o homem e sabe exatamente qual é a razão de todos os seus problemas. Devemos proclamar a voz do Criador e único capaz de redimir o homem.

Sendo a Escritura suficiente para a vida e para a piedade (cf. 2Pe 1.3), devemos ter a mesma convicção de Davi: “A Lei do Senhor é perfeita e restaura a alma” (Sl 19.7a). O que ele afirma aqui, literalmente, é que a Lei do Senhor traz a alma de volta para Deus.

É por tudo isso que devemos ser diligentes em nossa tarefa de aconselhar uns aos outros, instruindo-nos mutuamente pela Palavra de Deus. A Bíblia deve ser o nosso livro texto para avaliar os problemas e trazer a solução.

Que “habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” (Cl 3.16).

Isso será trabalhoso? Certamente! Mas permaneça firme e inabalável, sendo abundante na obra do Senhor, sabendo que nele o nosso trabalho não é vão (cf. 1Co 15.58).

Artigo escrito para a Revista “Proposta”, da União de Homens Presbiterianos (UPH), publicada pela Editora Cultura Cristã (2º Trimestre de 2013)