20 julho 2016

Tenha bons argumentos, mas... confie no Senhor!

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Dia desses vi uma postagem no Facebook em que um cristão tenta colocar os ateus em maus lençóis. O meme era mais ou menos assim: mostrava um ateu dizendo que não é possível provar que Deus existe, seguido de um texto em que se pedia para refutar uma série de argumentos como o “argumento ontológico”, o “argumento teleológico”, o “argumento do desígnio”, dentre muitos outros, com uma imagem do ateu com cara de espanto depois disso tudo.

A ideia da imagem é refutar o argumento ateu de que cristãos têm uma crença sem fundamento algum. Em seu precioso livro, Crer é também pensar, John Stott afirma que “é um grande erro supor que a fé e a razão são incompatíveis. A fé e a visão são postas em oposição, uma à outra, nas Escrituras, mas nunca a fé e a razão. Pelo contrário, a fé verdadeira é essencialmente racional, porque se baseia no caráter e nas promessas de Deus. O crente em Cristo é alguém cuja mente medita e se firma nessas certezas”.

Stott acerta em cheio. As Escrituras não nos chamam à uma fé cega ou à um “salto no escuro”. O apóstolo Pedro ordena aos cristãos que santifiquem a Cristo no coração, “estando sempre preparados para responder (no grego, apologia = argumento raciocinado) a todo aquele que pedir razão da esperança que há em vós” (1Pe 3.15).

Entretanto, ainda que eu saiba que a fé cristã não é irracional nem ilógica, preocupo-me como fato de muitos cristãos estarem entrando em uma guerra contra ateus apenas para não parecerem bitolados, esquecendo-se que até a apologética (explicação e defesa da fé) deve ter como fim a glória de Deus e o desejo de levar pecadores aos pés do Redentor. A defesa da fé preocupada apenas em provar a existência de Deus, sem apontar para Cristo, pode até levar ateus a se tornarem teístas, mas teístas que não creem no “único Deus verdadeiro” e em Jesus Cristo, enviado por ele (cf. Jo 17.3), terão o mesmo destino dos ateus, a danação eterna.

É preciso crer em Cristo, como diz a Escritura (Jo 7.38) e essa fé salvadora, apesar de racional, é dom de Deus (Ef 2.8). A pregação cristã requer bons argumentos, mas, em última instância, depende totalmente daquele que pode abrir os corações. Uma pessoa pode chegar à conclusão de que a fé cristã é plausível, de que ela faz sentido e, ainda assim, não crer em Cristo.

Penso que um bom exemplo do que eu estou afirmando aqui pode ser visto no episódio em que Paulo discursa perante o rei Agripa, registrado no capítulo 26 de Atos dos apóstolos. Ele inicia sua defesa dizendo-se feliz por poder falar de sua fé diante de Agripa que era “versado em todos os costumes e questões que há entre os judeus” (26.3).

No começo do seu arrazoado Paulo fala sobre sua vida como fariseu, o que era de conhecimento de todos os judeus, e de que estava sendo julgado por causa da esperança na promessa que Deus havia feito aos seus antepassados. Em sua caminhada ele havia se oposto à igreja perseguindo os santos, castigando-os, obrigando-os a blasfemar, tendo, inclusive, prendido a muitos e dado o seu voto para que outros tantos fossem mortos (26.6-11).

O apóstolo passa, então, a narrar sua conversão, no caminho de Damasco, e seu chamado para ser ministro e testemunha de Cristo. Paulo afirma ao rei não ter sido desobediente e conta de como começou a proclamar a Cristo, o que estava fazendo também perante Agripa (26.12-23).

Nesse ponto Paulo é interrompido por Festo que o acusa de estar louco e delirando, por conta das “muitas letras”. Diante disso, ele afirma o que quero destacar para provar meu ponto: “Não estou louco, ó excelentíssimo Festo! Pelo contrário, digo palavras de verdade e de bom senso (26.25). Repare bem o que Paulo diz. Ele afirma que está falando a verdade. Suas palavras fazem sentido, elas têm nexo, coerência e são plausíveis. O apóstolo afirma ainda que tudo o que estava dizendo era de conhecimento de Agripa (que ele já havia dito que era versado nos costumes e questões dos judeus), e dirige uma pergunta diretamente ao rei: “Acreditas, ó rei Agripa, nos profetas? Bem sei que acreditas” (26.27).

Com esta pergunta Paulo está colocando o rei em xeque. Conhecedor como era dos costumes judeus e exposto ao arrazoado de Paulo, ele deveria render-se à argumentação, mas, diferente do que eu já li alhures, de que Agripa era um “quase salvo”, mas fatalmente perdido, tendo “quase” crido no evangelho, ele responde com ironia. A tradução da NVI capta bem o sentido do que ele diz: “Você acha que em tão pouco tempo pode convencer-me a tornar-me cristão?” (26.28).

A resposta de Paulo não deixa dúvidas de que, a despeito de bons argumentos, a obra de convencimento do pecador pertence a Deus: Assim Deus permitisse que, por pouco ou por muito, não apenas tu, ó rei, porém todos os que hoje me ouvem se tornassem tais qual eu sou, exceto estas cadeias” (26.29 – ênfase minha), e é assim que devemos crer.

Portanto, tenha bons argumentos e dedique-se ao estudo sério e sistemático das Escrituras. Não deixe, entretanto, que isso o conduza ao orgulho e a soberba de achar que são os seus bons argumentos que convencerão pecadores a crer no Deus da Bíblia. Essa é uma obra exclusiva do Espírito de Deus, que muda corações. Confie nele!