20 março 2019

Rótulos são importantes

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Imagine que você tenha alergia à lactose e vá a um supermercado comprar um queijo. Chegando lá você pergunta a um funcionário se há tal produto para vender e ele aponta a direção da seção de queijos, afirmando que nela você encontraria o que procura.

Você caminha até lá, é uma seção grande, com muitos queijos, mas para a sua surpresa, não há rótulos em nenhum deles. Você está com muita vontade de comer queijo, mas sabe que por causa da sua alergia, que é grave, pode vir à morrer. Você pegaria qualquer um e levaria, ou deixaria todos para trás, a despeito de sua vontade, por não ter informações claras que demonstrem a você que não há risco?

Rótulos são ignorados por muitas pessoas, mas aqueles que se preocupam com o que estão comprando e consumindo sabem da sua importância.

Dentro da tradição cristã há muitos “rótulos”. Reformado (ou Calvinista), Luterano, Anabatista, Pentecostal, Cessacionista, Integracionista, Amilenista, Dispensacionalista, Dicotomista, Tricotomista, Arminiano, Presbiteriano, Batista, Metodista, etc. Estes, são apenas alguns dos vários “rótulos” que usamos. Infelizmente, ainda que se assuma a importância dos rótulos quando se trata do que alimenta os nossos corpos, muitos não se preocupam com os “rótulos” que identificam as doutrinas que alimentam a alma.

Isso se nota, por exemplo, no discurso daqueles que dizem que a doutrina só serve para dividir e que o que importa, na verdade, é Jesus. É claro que o que importa é Jesus! Pergunte a membros de diversas tradições cristãs se eles concordam com isso e, certamente, a resposta será afirmativa. O problema é que, a despeito disso e de a Escritura ser a mesma para todos, a percepção e o entendimento a respeito do que Deus revelou em sua Palavra é e tem sido diferente no decorrer dos séculos.

Creio ser essa uma das razões de a Confissão de Fé de Westminster afirmar que a “Igreja católica [universal] tem sido ora mais, ora menos visível” – e – “As igrejas particulares [locais], que são membros dela, são mais ou menos puras conforme nelas é, com mais ou menos pureza, ensinado e abraçado o Evangelho, administradas as ordenanças e celebrado o culto público” (CFW XXV.IV).

Perceba! Eu tenho esse entendimento a respeito da Igreja por ser um presbiteriano, subscritor da Confissão de Fé de Westminster, mas ele certamente difere do entendimento de muitos irmãos de outras denominações.

Por que existem presbiterianos, batistas e assembleianos (para ficar só em alguns “rótulos”), senão por percepções diferentes acerca do que a Bíblia ensina sobre o sistema de governo eclesiástico, cessação ou não dos dons, batismo, sobre como se dá a salvação, etc.? Por mais que sejamos irmãos, salvos pelo mesmo Redentor, temos diferenças, fruto de entendimento, certo ou errado, de determinadas doutrinas.

Não pense que isso é uma novidade. O Novo Testamento frequentemente cita dois grupos, ambos de judeus, os fariseus e os saduceus. Uma das diferenças entre eles, apontada pela Bíblia de Estudo ARA, é que “quanto às suas doutrinas, [os saduceus] se apegavam somente à lei mosaica escrita e, para interpretá-la, desprezavam a tradição oral em que se apoiavam os fariseus”. Além disso, os saduceus não criam em ressurreição. Foram eles que questionaram a Jesus sobre quem seria o marido de uma mulher que, por causa da viuvez, havia casado com vários irmãos em cumprimento à lei do levirato (Mt 22.23-33).

Curiosamente, foi exatamente por saber qual era a crença de cada grupo que Paulo provocou uma dissenção entre eles, quando esteve perante ao Sinédrio, composto pelos dois grupos, ao afirmar que estava sendo julgado por causa da esperança na ressurreição dos mortos (At 23.6).

É importante definir aquilo em que se crê e, por causa de entendimentos distintos, é inevitável que se nomeie as linhas de pensamento.  É por causa dessa importância que temos, por exemplo, o Credo dos Apóstolos. Diante de várias heresias, a Igreja precisou afirmar que aquilo em que ela cria diferia dos falsos ensinos.

Um fato curioso, que mostra a importância de definir o que se crê, é a mudança que muitos fazem na cláusula do Credo em que se afirma: “Creio na santa igreja católica”, para “Creio na santa igreja universal”, a fim de não se confundir com a Igreja Católica Apostólica Romana (nesse sentido, acho que atualmente ficou pior, pois a associação pode ser com a Igreja Universal do Reino de Deus).

Foi o entendimento de que é importante definir o que se crê que levou irmãos do passado a escreverem tantas Confissões e catecismos, nos dias da Reforma.

Nós, presbiterianos, temos um corpo doutrinário. Se alguém perguntasse a respeito do que crê (ou deveria crer) um membro da Igreja Presbiteriana do Brasil, a resposta deveria ser óbvia: Um presbiteriano (da IPB) crê nas Escrituras como única regra de fé e de prática e adota como sistema de doutrina e prática a Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster (CI-IPB – Art. 1º). O “rótulo” presbiteriano, implica necessariamente isso.

Infelizmente, fruto de uma época em que as pessoas não querem saber de absolutos, hoje temos presbiterianos pentecostais, que creem em línguas e profecias (eu morro e não vejo o contrário, um assembleiano cessacionista); presbiterianos congregacionais, que acham que o governo da igreja cabe à assembleia; presbiterianos batistas, que não apresentam seus filhos ao batismo infantil, por acharem que eles é que têm de tomar essa decisão em idade apropriada; presbiterianos católico-luteranos, que deixam de lado o princípio regulador do culto e entendem que o fato de não haver proibição na Escritura é motivo para inserir no culto aquilo que o Senhor não ordenou; e muitos outros tantos tipos de presbiterianos que engrossam as fileiras daqueles que dizem: rótulos não são importantes.

Desta forma, ao desprezar os “rótulos”, corremos o risco de ver uma denominação morrer para a sua rica história doutrinária e crendo num evangelho diferente do que criam nossos pais, enquanto afirmam: O importante é Cristo, ao mesmo tempo em que não conseguem definir coerentemente a sua fé.

Tenha preocupação com o que você come, mas, sobretudo, preocupe-se com o que você crê. Leia os rótulos!

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