27 dezembro 2012

Três lembretes para o Ano Novo

2013“Adeus ano velho, feliz ano novo, que tudo se realize no ano que vai nascer. Muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender.” / “Hoje é um novo dia, de um novo tempo que começou. Nesses novos dias as alegrias serão de todos, é só querer. Todos os nossos sonhos serão verdade, o futuro já começou.”

Começaremos na próxima segunda-feira a contagem de mais 365 dias de um novo ano e os trechos das músicas acima revelam o que muitas pessoas em nossa pátria desejam para 2013, mas, infelizmente, sem uma consciência correta sobre Deus, a maioria dessas pessoas coloca nesses desejos a perspectiva de um ano bom.

Como cristãos, também fazemos planos, temos desejos e esperamos várias coisas boas neste ano que se inicia, contudo, não podemos deixar de observar o que ensina a Palavra de Deus. Tenha, então, em mente esses três “lembretes” contidos nos primeiros versículos de Provérbios 16:

1. Planeje, mas sem esquecer que o Senhor é quem dirige sua vida

“O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor” (16.1).

Temos aqui uma grande verdade: Deus é quem de fato dirige o nosso viver.

Perceba que o texto fala sobre o coração do homem. A Bíblia ensina que somos controlados pelo nosso coração (Mt 6.21). É dele que procedem as fontes da vida (Pv 4.23). Todos os nossos planos e projetos, conforme o texto, partem, então, dos desejos do nosso coração.

O texto não desestimula o planejamento e ele deve mesmo acontecer. A grande questão aqui é que planejamos sabendo que do Senhor é a resposta certa dos lábios. Geralmente, quando a segunda parte desse texto é citada, é da seguinte forma: “a resposta certa vem dos lábios do Senhor”, mas o sentido do texto é outro. Com “a resposta certa dos lábios vem do Senhor” o escritor quer afirmar que é o Senhor é quem capacita o homem para realizar alguma coisa.

Isso quer dizer que só conseguiremos cumprir aquilo que está de acordo com os propósitos do Senhor em nossa vida. Alguns poderiam questionar esta afirmação e dizer: “Mas, se fosse assim, só nos ocorreriam coisas boas. O Senhor não nos capacitaria para fazer o que é errado.” Engana-se quem pensa desta maneira.

Deus nos capacita a realizar até aquilo que é contrário à sua vontade revelada a fim de que, com o coração exposto pelas circunstâncias, sejamos tratados por ele e nos tornemos semelhantes a seu Filho. O Senhor é Soberano e dirige nossa vida a cada momento.

É por isso mesmo que devemos estar atentos ao segundo lembrete:

2. Esteja atento às suas motivações

“Todos os caminhos do homem são puros aos seus olhos, mas o Senhor pesa o espírito” (16.2).

Nesse versículo somos advertidos de que, para o Senhor, a “motivação” é importante.

O texto é claro: para o homem, tudo o que ele planeja está correto. Todos os caminhos a que ele se propõe a seguir são puros. Porém, a segunda parte do verso começa com um eloquente “mas...”. É como se o escritor estivesse dizendo: “a despeito do que pense o homem acerca daquilo que ele propõe”, o Senhor pesa o espírito.

Temos aqui duas palavras importantes: “Pesar”, que significa considerar ou examinar, e “espírito”, que diz respeito à disposição do coração (motivação).

Isso quer dizer que o Senhor sempre considerará o que nos leva a agir de determinada forma, ou planejar qualquer coisa que seja e não simplesmente” o planejamento em si. Sabendo que o Senhor examina as intenções daquilo que fazemos, devemos estar também atentos ao que nos leva a planejar.

Já vimos que os desejos procedem do nosso coração e sabemos pela Bíblia que o nosso coração, muitas vezes, nos engana, mas por meio da Palavra de Deus temos condições de avaliar aquilo que intentamos fazer no ano que se inicia (Hb 4.12).

Pelo menos duas perguntas são importantes aqui e devemos considerá-las: 1) Por que quero fazer (motivo)? 2) Qual o meu alvo com isso (resultado)?

Se respondermos a essas perguntas tendo em mente o que Paulo ensinou aos Coríntios: “Quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31), podemos aferir as nossas motivações e, a partir daí, nos esforçar para realizar tudo aquilo a que estamos nos propondo ou abandonar o plano caso isso não glorifique ao Senhor.

3. Confie no cuidado do Senhor

“Confia ao Senhor as tuas obras, e os teus desígnios serão estabelecidos” (16.3).

O verso 3 nos traz o último lembrete. Ao iniciar um novo ano, devemos reafirmar nossa convicção de que confiamos no cuidado do Senhor. Creio firmemente que a ideia de confiar ao Senhor as obras para ter os desígnios estabelecidos, ensinada aqui por Salomão, é a mesma ensinada por Jesus: “Vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda” (Jo 15.16), e que é repetida por João: “E esta é a confiança que temos para com ele: que, se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve” (1Jo 5.14).

Aqueles que conhecem o Senhor e procuram viver de acordo com a sua Palavra são moldados pelo próprio Senhor e aprendem a pedir em conformidade com sua vontade. Sendo assim, quando confiamos ao Senhor nossas obras e estas estão em conformidade com as Escrituras, ele as estabelece.

Ao planejar o ano de 2013, lembre-se de confiar no cuidado daquele que tem dirigido nossas vidas. A nossa confiança deve ser a tal ponto que, mesmo que as coisas pareçam ir mal, consigamos descansar no Senhor.

Que o Senhor abençoe sua vida neste novo ano e que ele mesmo estabeleça aquilo que você tem planejado, caso sua motivação seja a correta: a glória e a honra daquele que nos salvou.

14 dezembro 2012

Na verdade não, você não pode!

chefe_no_espelho“Sim, nós podemos” (Yes, we can). A frase, popularizada pelo presidente Barack Obama por ocasião de sua campanha, tem como fundamento alguns pressupostos das técnicas motivacionais e também da autoajuda: “bondade inata do homem” e “capacidade de controle”.

Os livros de autoajuda estão recheados de conselhos do tipo “sim, você pode”. Se fizer uma rápida procura nas estantes de livrarias, bancas de revistas ou catálogos de livrarias on-line você verá títulos como: “A arte de viver”, “O poder do agora”, “Dez leis para ser feliz”, “Seja líder de si mesmo”, “Você pode curar sua vida”, “O poder das afirmações positivas” e semelhantes, todos apontando para a capacidade do homem de resolver seus próprios problemas.

Foi Samuel Smiles, em 1859, que lançou o livro “Autoajuda”, considerado o primeiro dessa categoria, que tinha como frase de abertura “O céu ajuda aqueles que ajudam a si mesmos”. Curiosamente, muitos cristãos citam uma frase parecida, atribuindo-a inclusive à Bíblia, na qual Deus diria: “Faça a sua parte e eu te ajudarei”. A intenção da literatura de autoajuda é proporcionar às pessoas um domínio sobre o seu corpo e sua mente, a fim de capacitá-las à autorrealização em todas as esferas da vida.

A ideia de autoajuda, porém, é bem mais antiga que isso. Quando olhamos para Gênesis 3 percebemos que a primeira “palestra” sobre autoajuda aconteceu no Éden, tendo como preletor Satanás, que ensinou sobre o segredo da autossuficiência (ou como ser igual a Deus) e sobre a capacidade de discernir, à parte de Deus, sobre o bem e o mal. Eva acreditou e a queda aconteceu.

O mercado da autoajuda cresce assustadoramente a cada ano, mesmo em meio a críticas e pesquisas que questionam sua eficácia. Conforme o site “Diário da Saúde”, por exemplo, uma pesquisa de uma universidade americana revelou que pessoas que se questionam sobre a capacidade de realizar uma tarefa saem-se melhor do que aquelas que dizem a si mesmas que se sairão bem (veja aqui). Em um livro que satiriza a autoajuda, os escritores afirmam que “o único jeito de ficar rico com um livro de autoajuda é escrever um”.

A despeito disso, o que se vê, infelizmente, são igrejas adotando, cada vez mais, o discurso da autoajuda. Não é difícil perceber que muitos dos sermões hodiernos enfatizam aquilo que podemos fazer para ser felizes ou bem-sucedidos. Assim, em vez de uma proclamação a respeito da obra redentora de Cristo Jesus, o que muitas vezes ouvimos são sermões paulocêntricos, pedrocêntricos, davicêntricos, onde a ênfase está em imitar o que fizeram os personagens bíblicos e não em confiar no Deus que os capacitou a realizar o que realizaram.

A Escritura não quer ensiná-lo a ter uma fé como a de Davi a fim de vencer seus gigantes. Em vez disso, ela o conclama a confiar no filho de Davi, Cristo Jesus. Se Davi, com uma pedrinha, venceu a Golias, imagine o que pode fazer a Rocha Eterna... Não, não é preciso imaginar. Basta olhar para as Escrituras e ver que ele já derrotou o pior dos gigantes, como escreveu Paulo: “Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1Co 15.54-55).

Entender a incapacidade humana é essencial para confiarmos em Cristo. A lei nos foi dada exatamente para percebermos isso (nas palavras de Paulo, para que se cale toda a boca e todo mundo seja culpado diante de Deus – cf. Rm 3.19-20) e olharmos com fé para o único que pode nos salvar, por ter sido o único que pôde cumprir integralmente toda a lei.

Foi por achar que “eles podiam” que os judeus desconheceram a justiça de Deus e procuraram estabelecer sua própria justiça, não se sujeitando à que vem de Deus (Cf. Rm 10.1-4).

Não, você não pode! À parte de Cristo, ninguém pode. Tiago orienta: “Não vos enganeis, meus amados irmãos. Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança. Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas” (1.16-18).

A ênfase bíblica não é naquilo que podemos fazer, mas naquilo que Cristo fez em favor de pecadores, para a glória do Pai. O evangelho diz respeito a Jesus, seu poder, sua glória, sua honra!

Se você compreender corretamente isso, aí, sim, poderá afirmar como Paulo: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fl 4.13), mas, lembre-se, ele não se referia somente às boas coisas boas e às conquistas, mas em estar contente em toda e qualquer situação, humilhado ou honrado, com fartura ou com fome, na abundância ou escassez (conf. 4.10-12).

Confie sempre, naquele que é o Todo-Poderoso.

01 novembro 2012

O céu é um lindo lugar... – Você acha mesmo?

céuNo livro de Hebreus o autor faz uma belíssima afirmação sobre os patriarcas dizendo que “todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (11.13). As promessas, sabemos, diziam respeito ao Messias e a uma nova terra e eles estavam bem firmados nelas.

Foi fundamentado também nessas promessas que Paulo trabalhou pela expansão do reino de Deus mesmo em meio a tribulações, pois para ele o viver era Cristo, e o morrer, lucro. Mesmo sendo útil ao reino e sabendo que estava dando frutos, o apóstolo tinha convicção de que partir e estar com Cristo é incomparavelmente melhor (Fp 1.21-23).

Pedro, em sua epístola, exorta os irmãos a se absterem das paixões carnais, lembrando-os de que eram peregrinos e forasteiros neste mundo.

A igreja também sempre expressou, por meio de cânticos e hinos, a sua esperança no porvir: “O céu é um lindo lugar cheio de graça sem par, meu Jesus vou avistar, o céu é um lindo lugar”; “Lá está o meu tesouro, lá onde não há choro, onde todos cantaremos juntos, hinos de louvor ao Senhor”; “Este mundo jamais pode me separar dos valores celestiais que eu vou receber, meu tesouro e esperança estão no meu novo lar, sou herdeiro com Cristo, vou com ele morar”; “E quando a morte, enfim, me vier chamar, nos céus com o Senhor, irei morar! Então me alegrarei, perto de ti, meu Rei! Perto de ti, meu Rei, meu Deus, de ti! Amém.”; “Oh, pensai nesse lar lá do céu, nas gloriosas moradas de luz, onde os crentes felizes desfrutam da presença de Cristo Jesus”; são apenas alguns exemplos disso.

Entretanto, esse entendimento de que somos apenas peregrinos nessa terra e que enquanto aqui estamos vivemos para a glória do Senhor até que partamos para estar com ele ou que chegue o dia do seu retorno glorioso parece estar cada dia mais longe do pensamento de muitos cristãos.

Observando a teologia da prosperidade que enfatiza a alegria “aqui e agora” e os cânticos que reivindicam “meu milagre”, “minha vitória” e “minha honra diante dos meus adversários”, fica claro que muitos irmãos estão gostando cada dia mais deste mundo e, sendo assim, quanto mais tempo por aqui melhor. Cristo até faz parte dos pensamentos, mas não como o maior e mais precioso tesouro, e sim como uma espécie de “gênio da Bíblia maravilhosa” cuja única serventia é satisfazer os desejos para uma vida feliz neste mundo. A afirmação de Paulo de que “se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co 15.19) deveria ressoar nos ouvidos desses crentes.

É claro que eu não estou aqui fazendo uma apologia da desgraça, insinuando que os crentes não podem ou não devem se alegrar nesta vida e ainda fazer o possível para abreviar sua vida a fim de estar logo com o Senhor. Não! Meu ponto é simplesmente o seguinte: Se ao pensar na morte ou no retorno de Cristo você se entristece por aquilo que vai perder deste mundo, deveria refletir profundamente a respeito do seu amor e devoção ao Salvador.

Uma história me ajuda a ilustrar isso. Quando eu era ainda membro da minha igreja de origem, andávamos em um grupo grande, com jovens e adolescentes de várias denominações. Todos os domingos, após o culto, saíamos juntos e conversávamos bastante. Num desses dias eu estava retornando para casa com uns amigos quando encontramos alguns adolescentes que na época deviam ter uns 13, 14 anos e conversavam sobre o futuro fazendo planos de como as coisas seriam quando se casassem. Depois de ouvi-los eu perguntei: “E se Jesus voltar antes?”, e com cara de frustação um deles respondeu: “Rapaz, não fala uma coisa dessas não!”.

A questão pode ser vista ainda por outro ângulo. Se ao pensar que irá um dia para o céu e a primeira coisa que vem à sua mente é o reencontro com queridos que já partiram, deve também repensar seu amor e estima por Cristo Jesus. Neste caso, a motivação primeira seria o reencontro com aqueles que foram importantes neste mundo, então, o mundo estaria também em primeiro lugar.

A exortação do apóstolo João deve estar em nosso coração: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procedo do mundo. Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente” (1Jo 2.15-17).

Gozemos, portanto, as bênçãos que o Senhor nos concede neste mundo, entretanto, sem nos esquecer de que elas nunca podem tomar o lugar do Redentor. Que possamos, de coração, cantar: “Vou à Pátria – eu, peregrino –, a viver eternamente com Jesus, que concedeu-me feliz destino quando, ferido, por mim morreu na cruz” (Hino 193 – Aspiração do céu – HNC).

Maranata! Vem, Senhor Jesus!

26 outubro 2012

A astúcia da idolatria

a-parc3a1bola-do-fariseu-e-do-publicanoO tema da idolatria é visto de forma abundante nas Escrituras. Quando Deus criou o homem, o fez um servo. Como servo ele deveria obedecer, temer, adorar, buscar satisfação, alegria, segurança, identidade, etc., no Senhor. Creio que isso foi bem colocado pelos teólogos de Westminster no Breve Catecismo, quando perguntaram: “Qual é o fim principal do homem?” e responderam: “O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre” (pergunta 1).

Ocorre que o homem foi posto à prova a fim de testar seu amor a Deus. O Senhor concedeu a ele tudo, menos provar da árvore do conhecimento do bem e do mal sob pena de morrer caso desobedecesse (Gn 2.16,17). O fim da história todos sabemos, o homem pecou e foi expulso do jardim do Éden.

Quando observamos a tentação percebemos a sutileza da serpente. Depois de questionar a bondade de Deus insinuando que ele não dava o que eles mereciam (“É assim que Deus disse: não comereis de toda árvore do jardim?” – Gn 3.1) e ouvir da mulher que Deus os tinha privado apenas da árvore do conhecimento do bem e do mal, a serpente afirmou que era certo que não morreriam. A razão da proibição, disse ela, é que Deus não queria “concorrência”, pois se provassem do fruto eles seriam como Deus, conhecedores do bem e do mal. O que estava em jogo aqui era a autonomia que teriam. Não seria mais preciso servir ao Senhor e buscar nele satisfação, alegria, segurança, identidade, etc., pois eles mesmos seriam deuses.

A idolatria se caracteriza em buscar em coisas, pessoas ou em si mesmo aquilo que só pode ser encontrado no Senhor. É idolatria, portanto, fazer nossa vontade em vez da do Senhor e buscar o nosso reino em vem do Reino de Deus, daí o Senhor ordenar aos que queriam segui-lo que negassem a si mesmos (Mt 16.24).

Muitos acham que a idolatria está restrita ao fazer imagens de escultura e prestar culto a elas, como está ordenado no segundo mandamento (Êx 20.4-6) e nisso já vemos o caráter astuto da idolatria. O pensamento é: “Se não me dobro diante de imagens, não sou um idólatra”. Porém, estes esquecem que antes disso o Senhor também ordenou: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3). Ou seja, a idolatria “escultural” ou “iconográfica” é somente o desdobramento da idolatria que acontece no coração.

Isso se comprova quando vemos o Senhor reprovando, por meio do profeta Ezequiel, os homens que levantavam ídolos em seu coração (Cf. Ez 14.4-11) e quando João termina sua primeira epístola exortando: “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos” (1Jo 5.19), mesmo não tendo falado uma vez sequer em “imagens de escultura”, mas falando abundantemente sobre amar a Deus e não ao mundo e sobre cumprir os mandamentos do Senhor.

Diante disso, alguns podem pensar: “Então basta cumprirmos os mandamentos que estaremos livres da idolatria”. Eu diria talvez, e isso também por causa do caráter astuto da idolatria. Se cumprimos os mandamentos como expressão de amor e submissão a Deus, estamos agindo corretamente, mas infelizmente a idolatria pode transformar ações que seriam corretas em pecado.

Pense como muitas vezes nos enganamos! Quando conhecemos alguém que não contribui financeiramente com a igreja, entregando seus dízimos e ofertas, pensamos rapidamente que se trata de um sovina, de alguém que ama demais o dinheiro. Por outro lado, quando conhecemos um dizimista fiel e pontual em sua oferta, pensamos logo que se trata de um irmão fiel, que ama a Cristo. O problema é que ambos podem amar mesmo é o dinheiro, somente agem de forma distinta. O primeiro ama tanto que não se importa com a ordenança bíblica para as contribuições, já o segundo ama tanto que tem medo de que Deus o amaldiçoe tirando os outros 90% e essa é a única razão para a contribuição.

Pense ainda em alguém que é ultrajado e não se vinga. Esse poderia ser um exemplo de alguém que cumpre o mandamento de não se vingar (Rm 10.18), exceto pelo fato de sua motivação não ser dar lugar à ira de Deus, como ordenado no versículo 19, mas demonstrar como ele é superior ao outro, não se rebaixando ao fazer o mesmo. Nos dois casos a idolatria se caracteriza pelo amor ao dinheiro, ao ego ou à reputação, mais que a Deus.

Pensando em exemplos bíblicos poderíamos citar o desejo de Raquel por um filho. Esse desejo, que em si mesmo não seria pecaminoso, tornou-se um ídolo quando ela achou que dependia disso para ser realizada, ao dizer a Jacó: “Dá-me filhos, senão morrerei” (Gn 30.1), ou Moisés, que diante da possibilidade de ser visto como um líder negligente pelo povo, pediu a Deus: “Se é assim que me tratas, mata-me de uma vez, eu te peço, se tenho achado favor aos teus olhos; e não me deixes ver a minha miséria” (Nm 11.15), demonstrando que amava mesmo era a sua reputação, ou ainda o fariseu da parábola contada em Lucas 18.9-14, que cumpria a lei confiando em sua própria justiça diante de Deus e se achando mais digno que o publicano.

Temos de concordar com Calvino. O coração do homem é, de fato, uma fábrica de ídolos. Tendo a idolatria esse caráter astuto, devemos rogar ao Senhor que guarde nossos corações e mentes em Cristo Jesus enquanto vigiamos e, pela Palavra de Deus, sondamos nosso coração a fim de verificar se aquilo que fazemos tem mesmo por fim a glória de Deus.

20 outubro 2012

Tu me amas?

coraçãoNão são poucas as vezes que nos enganamos acerca do nosso estado espiritual. Esquecendo-nos de que somos pecadores, ainda que redimidos, acabamos pensando de nós mesmos além do que convém e mesmo confessando que somos salvos pela graça depositamos nossa esperança naquilo que fazemos.

Prova disso é a maneira como muitos reagem quando ficam sabendo que alguém que era reputado por um “bom crente” caiu em pecado. Expressões como “não acredito que fulano foi capaz de fazer isso” na realidade dizem o seguinte: “eu nunca seria capaz de fazer algo assim”.

Antes que você afirme que nunca confiou em sua própria justiça, deixe-me demonstrar que esse não é um problema somente nosso.

Em seu ministério, bem perto de ser traído por Judas, Jesus afirmou aos discípulos que todos eles o abandonariam, ao que depressa respondeu Pedro: “Ainda que todos o abandonem, eu nunca te abandonarei!” (Mt 26.33 – NVI). O que Pedro estava afirmando era que o seu amor pelo Senhor era bem maior que o de seus companheiros e, por isso, sua reação seria diferente da dos demais. Jesus então afirmou que ainda naquela noite, antes que o galo cantasse, Pedro, de fato, o negaria e não somente uma, mas por três vezes. É claro que Pedro não acreditou e replicou: “Mesmo que seja preciso que eu morra contigo, nunca te negarei” e, agora, diante de tamanha intrepidez, os outros discípulos também dizem o mesmo (Mt 26.34,35 – NVI).

Após isso Jesus vai ao Getsêmani a fim de orar com seus discípulos e é ali naquele lugar que Judas entrega o Senhor aos soldados, traindo-o com um beijo. Ele é levado perante o Sinédrio e, enquanto era humilhado e condenado à morte, do lado de fora, no pátio, está Pedro assentado quando uma criada o vê e afirma que ele estava com Jesus. Ele nega. Ele ainda negou mais duas vezes e, ao fim da terceira negação, cantou o galo, fazendo com que Pedro se lembrasse das palavras do mestre (Cf. Mt 26.36-75).

Jesus estava certo! Apesar da declaração enfática de Pedro de que nunca abandonaria o Senhor, ao ter a sua vida em risco ele demonstrou que amava mais sua própria vida que aquele que veio para dar a vida eterna. Isso o leva a pecar.

É verdade que o primeiro mandamento ordena: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3), mas é igualmente verdadeiro que não cumprimos isso de forma absoluta e a todo tempo e é por isso que pecamos. Pecamos porque amamos mais a nossa alegria que o Senhor, porque amamos mais o nosso conforto que o Senhor, porque estamos mais interessados em nossos planos que nos do Senhor, porque estamos mais envolvidos como o nosso reino que com o Reino de Deus.

O cristianismo consiste justamente em deixarmos de lado a nossa própria vida para fazer a vontade do Senhor. Foi isso que Jesus ensinou ao afirmar: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16.24).

A boa notícia é que, em Cristo, e somente por meio dele, cumprimos de forma perfeita o mandamento de amar ao Senhor de todo o nosso coração, alma e entendimento. A obediência completa e perfeita de Jesus a seu Pai é atribuída a todo aquele que nele crê, por isso, nele, somos salvos.

Por ter Cristo amado a seu Pai sobre todas as coisas e cumprido toda a sua vontade, morrendo na cruz maldita em lugar dos seus, ele pode perdoar nossos pecados.

Ele fez isso com Pedro, ainda que tenha lembrado ao apóstolo que ele não amava tanto a Cristo como dizia. Você já reparou no detalhe da primeira pergunta feita por Jesus, no momento da restauração de Pedro?: “Simão, filho de João, você me ama mais do que estes?” (Jo 21.15 – NVI).

Fuja da tentação de achar que sua salvação e caminhada cristã dependem primariamente do seu amor por Cristo. Graças a Deus não dependem, pois estaríamos todos condenados, visto não termos condições de amá-lo a todo o tempo com inteireza de coração.

O amor a Deus é mesmo ordenado, mas ele é consequência e não causa da salvação. Como afirmou o apóstolo João: “Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 4.10).

Em vez de se orgulhar por seu amor a Cristo, louve a Deus por tê-lo amado, sendo você ainda um pecador (cf. Rm 5.8) e, bem consciente disso, lute, com o auxílio do Espírito Santo, para viver de modo digno do Evangelho de Cristo Jesus (cf. Fp 1.27).

14 setembro 2012

Pregue o evangelho e sempre use palavras

bullhorn_preacher“Pregue o evangelho, se necessário, use palavras”. Há muito tempo ouço essa frase, ora atribuída a Agostinho, ora atribuída a Aquino (vai ver não é de nenhum dos dois[1]), sendo usada como padrão para o testemunho cristão. Geralmente os que citam a frase a usam para afirmar que a melhor e mais eficaz pregação do evangelho é a que é feita com a vida. Há uma variante desse mesmo pensamento, que circula nas redes sociais, que diz mais ou menos o seguinte: “sua vida pode ser a única Bíblia que um incrédulo lerá”.

Confesso que a frase não cai bem aos meus ouvidos e vou explicar o porquê.

É bem verdade que as Escrituras falam sobre a obrigação de o cristão viver o evangelho. Jesus afirmou que aquele que ouve suas palavras e não as pratica é como um homem que constrói a sua casa sobre a areia (Mt 7.26), e ordenou também a seus discípulos que vivessem o evangelho a fim de que os homens, ao verem suas boas obras, glorificassem ao Pai (Mt 5.16). Tiago, seu irmão, exortou seus leitores a não somente ouvirem a Palavra, mas praticarem-na a fim de não se enganar (Tg 1.22) e Paulo, não poucas vezes, falou acerca do testemunho cristão (2Co 8.21; Gl 2.14; Fp 1.27; Cl 1.10; 1Ts 2.12; 1Tm 4.12; Tt 2.7).

Diante de todas essas citações, parece que faz mesmo sentido pensar como a frase citada; porém, uma leitura mais cuidadosa vai demonstrar que em nenhum desses textos há a ordem de pregar com a vida e, caso seja necessário, que se usem palavras. O que os textos ensinam é que aqueles que professam fé no Redentor devem viver coerentemente em conformidade com suas ordenanças.

A questão fica mais clara quando entendemos que Deus se revela de forma proposicional, isto é, por meio de afirmações (ou proposições) registradas nas Escrituras e que, de fato, devem ser vividas no dia a dia. Por isso a Palavra deve ser proclamada e não somente vivida. Ao comissionar os discípulos, Jesus não mandou simplesmente que eles vivessem o evangelho, mas que o pregassem a toda a criatura (Mc 16.14). De igual forma o apóstolo Paulo escreveu aos Romanos: “Como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão se não há quem pregue? [...] E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.14,17).

Aqueles que nunca pararam para pensar neste assunto acabam ignorando que o conceito de somente “pregar com a vida” sutilmente se opõe às ordens claras e diretas da Escritura sobre a proclamação do Evangelho. Há algo ainda pior, aqueles que assentem a essa ideia podem estar se autoenganando e fazendo disso uma “boa” desculpa para “justificar” a sua desobediência à ordem de estarmos preparados para arrazoar a respeito da esperança que há em nós (cf. 1Pe 3.15) ou ao fato de não querer se passar por “chato”, “bitolado”, etc.

Há ainda outras questões sérias sobre o “testemunhar somente com a vida”. Vejamos:

1. Dependência do “interesse” do pecador para a proclamação – Alguns que advogam esta ideia dizem que o “viver o evangelho” é apenas o início, é para despertar nas pessoas o interesse em saber o porquê de viver daquela forma. O problema aqui é óbvio, pois condiciona a pregação ao interesse do pecador. Não podemos restringir a pregação somente àqueles que demonstram algum interesse, mas exortar todos os homens a se reconciliar com Deus (2Co 5.20).

2. Atitudes, em si mesmas, não honram a Deus – A falácia de que somente o modo de vida é bastante para testemunhar o evangelho é facilmente refutada. Basta perceber que existem muitas pessoas honestas, respeitáveis, saudáveis, etc., mas que não conhecem a Cristo, ou seja, ao viver de modo correto não estão testemunhando nada, ou em última instância, estão testemunhando a si mesmos.

Por melhores que sejam as ações, se não tiverem a Cristo como Mediador e a glória de Deus como alvo, são pecaminosas em si e esta é a razão de o Senhor aceitar a boa obra de um cristão e rejeitar a mesma “boa obra” de um não cristão. Não é uma questão simplesmente da ação em si, mas da motivação para a sua efetuação. Isso nos leva a mais uma questão.

3. O responsável pelo “testemunho de vida” deve ser exaltado – Se nossas boas obras só são consideradas como tal por causa de Cristo, ele e somente ele deve ser exaltado. Quando um cristão deixa de falar sobre aquele que efetua em nós o querer e o realizar conforme sua boa vontade, em vez de glorificar a Cristo chama atenção para si mesmo, pois, se não há uma razão ou alguém que o faz ser como é, o mérito é mesmo todo dele. Logo, o que está sendo pregado não é o evangelho, mas “boas maneiras” que, como já foi dito, em si mesmas não exaltam a Cristo.

Para terminar...

A verdade de que você deve viver o evangelho é bendita e, com o auxílio do Espírito, você deve mesmo se esforçar para viver de modo digno do evangelho de Cristo (Fp 1.27). Contudo, não cesse também de falar do livro da lei (Js 1.8). Como ordenado a Josué, procure também meditar nele dia e noite e ter o cuidado de fazer tudo quanto nele está escrito.

Agindo assim você horará ao Senhor com seu viver e o exaltará pregando o evangelho a tempo e fora de tempo (2Tm 4.2 – ARC).


[1] Curiosamente, enquanto escrevia o texto vi no perfil do facebook de um amigo a citação atribuída a Francisco de Assis, com uma tirada perspicaz de um amigo dele: “Faça água, se preciso use água” (Eduardo Bornelli de Castro).

27 julho 2012

Desejos que podem matar

coração (3)“Cada um, porém, é tentado pelo próprio mau desejo, sendo por este arrastado e seduzido. Então esse desejo, tendo concebido, dá à luz o pecado, e o pecado, após ter se consumado, gera a morte” (Tiago 1.14,15 - NVI).

Tiago nos ensina sobre a dinâmica do pecado. Conquanto muitas vezes queiramos dar desculpas para nossas ações pecaminosas, a verdade retratada nesse texto é que pecamos por causa dos desejos do nosso coração. Atente, porém, para um detalhe. Tiago não está falando de qualquer desejo, mas daquele que ele qualifica como “mau desejo”.

Podemos pensar sobre o “mau desejo” em dois sentidos: primeiro, é mau desejo tudo aquilo que é diretamente proibido pela lei de Deus. Só para exemplificar, o desejo de adulterar é em si mau, pois é explicitamente contrário à santa Lei de Deus.

Porém, há outro sentido que devemos considerar. Bons desejos podem tornar-se maus, quando queremos que se concretizem custe o que custar. A Bíblia não proíbe que os filhos de Deus desejem coisas lícitas, mas quando começamos a ser “controlados” por elas a ponto de pecar para conseguir o que queremos ou pecar por não ter conseguido o que queremos significa que um bom desejo tornou-se um mau senhor. Não é sem razão, portanto, que o Senhor Jesus adverte que “onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6.21).

Quando estamos com os olhos fixos somente nos desejos do coração, acabamos por ignorar as ordenanças do Senhor. Permita-me ilustrar isso.

Sempre gostei muito de mergulhar. Quando coloco máscara, canudo (snorkel) e pés de pato (nadadeiras) e me lanço ao mar, quase me esqueço da vida “aqui fora”. Quando eu era ainda um adolescente, costumava pegar, com amigos, peixinhos ornamentais para vender a um revendedor de peixes de aquário, que havia em minha cidade. Alguns peixes eram mais caros e quando encontrávamos um desses era uma grande alegria. Um dia foi a minha vez de achar um desses. Ele era lindo e logo pensei no dinheiro da venda (que hoje reconheço que não era tanto assim... rs) e no prazer de capturar um daqueles. Tomei fôlego, prendi a respiração e mergulhei atrás. Era um peixe arisco! Eu cercava por um lado com a mão, tentando levá-lo à direção da “redinha” que estava do outro lado e ele se escondia atrás de alguma pedra. A vontade de ter aquele peixinho era tanta que me esqueci de uma lei básica: sem oxigênio eu morro! Quando me vi já quase sem fôlego e olhei para cima, os poucos metros de água até a superfície pareciam quilômetros. Tive de nadar muito rápido e cheguei à superfície ofegante. O desejo pelo peixe me fez esquecer uma lei e isso poderia ter me levado à morte.

Creio que é isso que Tiago está ensinando. O mau desejo me leva a desprezar a lei de Deus e eu peco para consegui-lo ou por não tê-lo conseguido. O que se segue é a morte! O mau desejo se torna senhor, um ídolo, que determina como o homem deve agir, desprezando a Lei do verdadeiro Senhor.

Ao exortar Caim, Deus falou exatamente sobre isso: “Se procederes bem [de acordo com a Lei do Senhor], não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal [pecando por obedecer ao desejo], eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas cumpre a ti dominá-lo (Gn 4.7 – grifo meu).

Embora as Escrituras sejam claras, constantemente deixamos que os desejos tomem conta do nosso coração e se tornem falsos deuses que fazem promessas de alegria, satisfação, paz, tranquilidade, etc. que nunca poderão cumprir. Essa é razão de pecarmos. Se amássemos absolutamente ao Senhor sobre todas as coisas, nunca pecaríamos, pois faríamos sempre a sua vontade. Isso implica que qualquer pecado que cometamos seja uma consequência de um primeiro pecado, a quebra do primeiro mandamento em que Deus nos ordena: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3).

Muitos servos de Deus têm tomado decisões pautadas não na Lei do Senhor, mas na simples satisfação de seus desejos e têm colhido as consequências trágicas que resultam da desobediência.

É lícito desejar um bom emprego, um bom casamento, a casa própria dos sonhos, o reconhecimento pelo bom trabalho, respeito, liderança na igreja, etc. Todas essas coisas não são más em si mesmas, mas quando estamos dispostos a pecar por elas ou ficamos irritados, irados, mal-humorados, enfim, quando pecamos não respondendo de forma piedosa quando não as conseguimos, estamos diante do “mau desejo” que Tiago afirma que conduz à morte.

O Senhor Jesus nos ensina de forma prática como devemos colocar nossos desejos diante do Pai. Em sua oração, antes de ser preso e morrer em lugar do seu povo, ele expressou seu desejo: “Aba Pai, tudo te é possível; passa de mim este cálice” – entretanto, não se rebelou e submeteu-se a vontade do Pai, que era totalmente diferente do que ele estava pedindo, quando terminou a sua oração – “contudo, não seja o que eu quero, e sim o que queres” (Mc 14.36).

A Bíblia afirma que a vontade de Deus é “boa, agradável e perfeita” (Rm 12.2) e também que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28).

Se estivermos convictos dessas verdades poderemos colocar sempre os nossos desejos diante do Senhor, já abrindo mão deles, e afirmar: “faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6.10), pois saberemos que para nossa alegria e satisfação dependemos somente do Senhor e não daquilo que ele pode ou não nos conceder.

Agindo assim, honraremos sempre o Redentor.

19 maio 2012

Geração de adoradores ou de soberbos?

qual o peso maiorUma das marcas que deve estar presente no cristão é a humildade. Porém, a luta para não pensarmos de nós além do que convém (Rm 12.3) é sempre grande. Como exemplo disso, basta lembrar que vez por outra os discípulos discutiam sobre qual deles seria o maior no reino de Deus (Mt 18.1-5; Mc 9.33,34; Mc 10.35-45; Lc 22.24).

Mas graças a Deus que na Bíblia temos também exemplos maravilhosos de humildade. O Senhor Jesus continua sendo o modelo a ser seguido. O apóstolo Paulo, após exortar os filipenses a terem o mesmo sentimento que houve nele, afirmou que “ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, [...] a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”.

“Para Jesus era mais fácil, pois ele é Deus”, diriam alguns, e para demonstrar que é possível que um pecador cultive a humildade cito o exemplo de João Batista. Quando seus discípulos foram ter com ele, após discutirem com um judeu com relação à purificação, dizendo que Jesus, que havia sido batizado por João, estava também batizando e muitos iam a seu encontro, ouviram de João: “Convém que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.25-30).

A concepção teológica da igreja de Cristo pode ser notada por meio daquilo que é cantado. As músicas entoadas pelos crentes refletem o entendimento (ou a falta dele) que eles têm acerca do evangelho.

Repare nestas duas letras, uma mais antiga e uma mais contemporânea:

“Com tua mão segura bem a minha, pois eu tão frágil sou, ó Salvador, que não me atrevo a dar jamais um passo sem teu amparo, Cristo, meu Senhor!”

Amparo Divino – Hino 153 do Hinário Novo Cântico

“Pois se por pouco, um momento só, deixasses de olhar para mim, me guardar, eu estaria caído ao pó. Mal sei cuidar de mim... só se o Senhor cuidar”.

Graça – Jorge Camargo

O que elas têm em comum? O reconhecimento humilde da nossa condição diante do Senhor. Somos tão falhos e pecadores que dependemos totalmente dele e de sua graça. As letras glorificam ao Senhor e exaltam a quem de direito.

Ultimamente, porém, temos testemunhado dentro do evangelicalismo brasileiro uma mudança catastrófica de concepção que tenho chamado de “ufanismo gospel”. Leia a letra a seguir (vou enumerar as linhas para comentar depois):

1. “Que não passe de nós o teu espírito, que tudo o que foi dito a nós venha se cumprir.

2. Que não seja preciso que se levante outra geração que vá avante. Venha sobre nós e realize o seu querer.

3. Geração de adoradores queremos ser, sacerdócio santo para oferecer o perfeito louvor e em nossas vidas fluir o teu querer.”

Geração de adoradores – Igreja Nova Vida de Alcântara

Embora a última linha diga que a tal geração de adoradores quer ser um sacerdócio santo para oferecer a Deus o perfeito louvor, a letra revela outras coisas:

1. Até hoje não se levantou nenhuma geração que adora “perfeitamente”, tem que ser a nossa;

2. Essa frase expressa que gerações anteriores à nossa não deixaram Deus realizar o seu querer e o anseio é de que Deus não precise esperar por outra geração após a nossa para poder cumprir seu propósito (no caso, levantar uma geração que adora perfeitamente);

3. Por último, o falso entendimento de que podemos oferecer a Deus uma adoração perfeita.

“Ufanismo”, conforme os dicionários, é a “atitude de quem se vangloria exageradamente de alguma coisa”. E não é exatamente isso que está refletido na música? Quem a escreveu simplesmente ignorou que não há adoração perfeita. O Senhor só recebe a nossa adoração por causa da mediação de Cristo Jesus. Não há adoração perfeita, mas um perfeito Mediador.

Foi ignorada também toda a história da igreja que mostra homens que morreram e foram perseguidos por causa do amor a Deus e à sua Palavra, colocando a tal “geração de adoradores” como a melhor que se levantou até hoje.

Mas, convenhamos, deve ser mesmo difícil dizer que somos “A” geração de adoradores que tem a adoração como estilo de vida em um país em que há liberdade religiosa, não é mesmo? Fácil era adorar a Deus no passado, como retrata o escritor aos Hebreus:

“Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate, para obterem superior ressurreição; outros, por sua vez, passaram pela prova de escárnios e açoites, sim, até de algemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos, maltratados (homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, pelos montes, pelas covas, pelos antros da terra” (Hb 11.35-38).

Podemos lembrar ainda como foi tranquila a vida da igreja primitiva sob o Império Romano, que atirava para os leões aqueles que professavam a Cristo, a facilidade que era para John Huss cantar os Salmos enquanto queimava na fogueira ou como era pacífico o governo que cortava a língua dos huguenotes para que não testemunhassem da sua fé.

De fato, diante de gerações tão apáticas e tão sem amor ao Senhor como foram essas, precisamos de que ele levante uma geração que o leve mais a sério e clamar para que não seja preciso que se levante outra geração além da nossa, que prestará o louvor perfeito.

O “ufanismo gospel” tem levado cristãos a pensarem de si além do que convém, contrariando assim a Palavra de Deus. Temos de clamar ao Senhor que opere mesmo uma mudança em nossa geração, mas não para sermos “A” geração de adoradores, antes, para sermos humildes em reconhecer que o Deus que sustentou nossos irmãos que o adoraram no passado é o mesmo que nos sustenta hoje e que aceita nosso imperfeito louvor pelos méritos do seu Filho, nosso perfeito Mediador.

“Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11.36).

20 abril 2012

Sobre jugos desiguais

mula_e_boiJugo, ou cangalha, como se diz aqui no Espírito Santo, é o nome dado àquela peça de madeira que é colocada sobre dois animais para que possam puxar a carroça, o arado, etc.

Quando se colocam animais para puxar uma carga, deve-se ter o cuidado para que não sejam de tamanho ou força “desigual” a fim de que um deles não fique sobrecarregado, ou seja, para que não seja um “jugo desigual”.

A Bíblia fala sobre jugos desiguais e é bastante clara ao afirmar que os crentes não devem se prender a jugo desigual com os incrédulos. Na segunda epístola aos Coríntios Paulo escreveu: “Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas? Que harmonia entre Cristo e o Maligno? Ou que união, do crente com o incrédulo?” (2Co 6.14-15).

O ensino diz respeito a qualquer associação entre um crente e um incrédulo, apesar de ser mais comumente usado para se referir ao chamado “casamento misto”.

A razão para essa ordenança, creio ser bem simples de se compreender. Tendo princípios e motivações diferentes, sempre haverá uma carga mais pesada para uma parte que para a outra e, geralmente, pesando para o lado do crente. Ouvi certa vez, de alguém que não via problemas no casamento misto, que a ordem de Paulo se referia apenas a sociedades civis, mas pense na implicação dessa posição: você pode casar com um incrédulo e dividir com ele a grande responsabilidade de educar os filhos, mas não pode abrir um negócio com o cônjuge. Isso chega a soar de forma ridícula.

Um cristão comprometido com o Senhor deve ponderar muito bem sobre essa questão, pois as dificuldades certamente virão e, ainda que fosse possível garantir que elas não fossem surgir, a desobediência continua existindo. Eu sei que existem, e conheço alguns, casamentos assim, em que os cônjuges vivem bem e outros em que a parte incrédula acabou se convertendo, mas isso é pura graça e misericórdia do Senhor, e constituem-se exceções. A regra continua sendo o ensino de Paulo, que simplesmente ecoa o que outras passagens das Escrituras ensinam (Gn 6.1-3; Ex 34.12-17; Ne 13.23-27; 1Co 7.39).

São várias as razões que levam um crente a buscar relacionamento com um incrédulo e por trás de todas elas, indubitavelmente, está a vontade de satisfazer os próprios sentimentos em vez de obedecer ao Senhor e esperar nele. Por vezes, a ansiedade de conseguir um cônjuge torna-se um peso tão grande que a paciência em “esperar” alguém com a mesma fé dá lugar ao afoito desejo de fazer as coisas do seu próprio jeito e, assim, estabelece-se o jugo desigual, tão claramente desautorizado pela Palavra.

Mas, se por um lado a Escritura proíbe o jugo desigual com os incrédulos, por outro lado, ela nos ordena entrar numa relação que também é de jugo desigual, porém com o Senhor Jesus. Foi ele mesmo quem disse: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mt 11.28-30).

No relacionamento com Cristo Jesus ele assume todo o peso, em nosso favor.

A Bíblia nos mostra que, além do peso do pecado, o homem tem sobre si outro grande fardo, pois para que ele seja salvo Deus requer dele o cumprimento da Lei. O problema é que, por ser pecador, o homem não tem condições de guardá-la de forma plena e tem sobre si o peso da condenação do Senhor.

Jesus guardou a Lei de forma perfeita, tomou sobre ele os nossos pecados e recebeu sobre si o peso da nossa condenação. Descrevendo o sofrimento do Servo do Senhor, Isaías afirmou que “certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si [...] ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.4-5).

O apóstolo Pedro, citando o texto de Isaías, nos ensina como deve ser a nossa vida, após sermos aliviados pelo Senhor, do peso da condenação: “Carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas fostes sarados” (1Pe 2.24).

Por carregar o peso por nós, Jesus pode então ordenar e afirmar: “Tomai sobre vós o meu jugo [...] porque o meu jugo é suave.” Sem o peso da condenação o crente pode cumprir os mandamentos, não para autojustificação, mas para honrar aquele que o justificou, entendendo que “os seus mandamentos não são penosos” (1Jo 5.3).

O cristão pode ainda lançar todo o peso causado pelas ansiedades (incluindo a busca pelo cônjuge) sobre aquele que o carrega por nós, como exortou Pedro: “Lançando sobre ele a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós” (1Pe 5.7).

Não insista em buscar um jugo que o Senhor afirma ser sobremodo pesado, antes, tome sobre você o jugo suave daquele que suporta o peso por nós, honrando-o em todo tempo no cumprimento dos seus mandamentos.

01 abril 2012

E por falar em mentira...

imageQuando eu era criança uma música de Roberto e Erasmo Carlos fazia muito sucesso nas rádios. Nela havia várias afirmações absurdas como, por exemplo, “Zico está no Vasco, com Pelé” (na época o amor pelo clube ainda falava mais alto que o dinheiro), “Minas importou do Rio a maré”, “acabou-se a inflação”, e o refrão emendava: “Pega na mentira, pega na mentira, corta o rabo dela, pisa em cima, bate nela, pega na mentira”.

A música fazia muitos rirem, mas acabava por refletir um consenso geral: ninguém gosta de ser enganado!

Ainda que seja um contra senso, o dia 1 de abril é celebrado em nosso país como “o dia da mentira”. Nesse dia muitas “brincadeiras” são feitas, algumas que levaram um bom tempo para serem pensadas, a fim de enganar os outros e não são poucos, até mesmo dentro das igrejas cristãs, aqueles que abrem uma “exceção” para brincar com algo que Deus abomina, a mentira. Para esses, é preciso lembrar o texto de Provérbios 26.18-19 que demonstra a visão do Senhor sobre isso: “Como o louco que lança fogo, flechas e morte, assim é o homem que engana a seu próximo e diz: fiz isso por brincadeira”.

Há, porém aqueles que fazem da mentira algo sério. Nas últimas semanas as seitas Universal do Reino de Deus e Mundial do Poder de Deus tem se digladiado na mídia e as mentiras são escancaradas.

Enquanto a emissora de TV do falso bispo denuncia os bens milionários do falso apóstolo fazendeiro, este vai para o seu programa afirmar que nunca comprou nada com dinheiro dos fiéis, ainda que as informações do cartório provem o contrário.

Por outro lado, o falso bispo, que comprou sua emissora também com dinheiro dos fiéis, promove em um de seus cultos outra mentira descabida. Uma mulher simula estar endemoninhada, é pega pelos cabelos e o “demônio” é entrevistado por Macedo. Em suas respostas afirma que o falso apóstolo fazendeiro é seu instrumento para tirar pastores da seita Universal (a mentira diz respeito somente ao endemoninhamento). As mentiras não param por aí e com as denúncias feitas na TV (a despeito das intenções nada honradas por trás disso) a Polícia Federal está com a faca e com o queijo na mão e pode, se quiser, enquadrar um estelionatário, enquanto continua investigando o outro.

Ainda que as mentiras para esconder as fraudes, por si só, sejam um grande problema e constituam pecado contra o Senhor, há ainda algo muito pior a se considerar nos referidos senhores, a saber, a falsificação do evangelho de Cristo.

Enquanto Macedo continua promovendo a sua “macumba gospel” e defendendo o aborto ao torcer versículos das Escrituras, Waldemiro, usando o mesmo “método de interpretação”, investe pesado na propaganda da prosperidade e na ideia de que crentes não precisam sofrer com enfermidades. Ele até vende lenços com seu suor para que seja usado na cura de enfermos. Tudo isso se enquadra na afirmação de Paulo aos gálatas que diz serem malditos todos aqueles que preguem um evangelho que vá além daquele que foi ensinado por Cristo e pelos verdadeiros apóstolos, ainda que fossem eles mesmos ou até um anjo vindo do céu.

Não é preciso entrevistar um falso endemoninhado para saber que ambos, com tudo o que têm feito, tem sido instrumentos de Satanás. Basta lembrar o que o Senhor Jesus afirmou para os fariseus: “Vós sois do diabo, que é o vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44).

Diante de um texto como esse, muitos podem afirmar que não podemos julgar. É necessário, então, relembrar o ensino de Jesus:

“Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons. Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo. Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis.” (Mt 7.15-20 – grifos meus).

Ainda há esperança para os estelionatários da fé? Certamente que sim, mas desde que se voltem arrependidos para aquele que é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14.6) e, aprendendo de Cristo (Ef 4.20,21) deixem a mentira, falando a verdade ao próximo (Ef 4.25).

Quanto a nós, que o Senhor nos ampare a fim de que “seguindo a verdade, em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef 4.15).

19 março 2012

Teologia: da teoria à prática

practice-theory-ideaEu já me preparava para sair do gabinete pastoral e ir para casa quando Murilo[1] chegou. Ele era um jovem de uns 26 anos que vivia pelos fóruns de discussão da vida (na web), debatendo teologia reformada. Segundo o que me informou, ele havia ouvido falar que eu era um pastor de linha reformada e, como estava desanimado com a comunidade que frequentava, resolveu ir conversar comigo.

Teologia na cabeça

Após tentar me impressionar com todo o seu conhecimento teológico, ele perguntou se haveria problema em me fazer algumas perguntas. Após eu dizer que não havia problema algum, ele passou então a avaliar a minha teologia (parecia até exame de presbitério).

Depois de algum tempo, parece que ele ficou satisfeito com minhas respostas e aí passou para uma segunda fase. Agora ele pediu para ver minha biblioteca. Mais uma vez disse que ficasse à vontade.

Ele se levantou e começou a “averiguação”. Quando via um livro de algum autor brasileiro fazia questão de comentar: “Esse cara é muito bom!” Como tive o privilégio de estudar em uma excelente instituição, que contava com alguns desses autores no seu corpo docente, eu respondia: “Foi meu professor no seminário.”

Depois disso, aquele jovem, que parecia ainda mais precavido que os bereanos (pois estes analisavam o que ouviam pelo crivo das Escrituras (At 17.11), e ele já estava analisando o que possivelmente iria ouvir para ver se valeria a pena) e que, em princípio, se mostrava alguém que manejava bem a palavra da verdade (2Tm 2.15), afirmou: “Pastor, eu vou frequentar sua congregação.” Finalmente eu estava “aprovado”.

Teologia sem prática

Depois de ouvir o Murilo por bastante tempo, responder às suas perguntas, ser avaliado e ouvir a notícia de que ele iria frequentar a congregação, falei a ele que agora eu é que gostaria de fazer algumas perguntas. Ele assentiu ao pedido.

Passei então a questioná-lo sobre a razão de gostar tanto da teologia reformada. Perguntei se era simplesmente por causa da sua beleza, lógica, por causa das discussões acadêmicas, etc., ou se era porque ele entendia ser ela uma interpretação fiel das Escrituras e, sendo assim, algo que o faria conhecer mais intimamente a Deus enquanto, pelo Espírito do Senhor, o habilitava a se afastar cada vez mais do pecado. Afirmei ainda que, se a segunda opção fosse a razão de amar a teologia reformada, ele seria muito bem-vindo à congregação.

Alguns instantes de silêncio.

Depois disso, Murilo confessou que gostava muito das discussões teológicas, mas que estava preso ao pecado da pornografia. Nesse momento, passei então a aconselhá-lo.

Teologia na prática

Comecei a falar ao Murilo sobre a gravidade do pecado e da ofensa àquele que deu sua vida no Calvário a fim de vivermos em novidade de vida. Ele respondia que era muito difícil se livrar da pornografia.

Mesmo sabendo que tratar o comportamento em si não resolveria nada enquanto ele não chegasse à raiz do problema[2], instruí-o então a “cortar o fio da internet”, pois era onde ele mais via pornografia. Meu objetivo era demonstrar a teologia na prática para alguém que só a tinha no campo das ideias.

A resposta não poderia ser outra. Murilo afirmou que necessitava da internet para ver e-mails do trabalho e que não podia ficar sem acesso, então, pedi que ele mudasse o computador do seu quarto para a sala de casa e que todas as vezes que fosse acessar a rede pedisse que sua mãe se assentasse a seu lado.

Dito isso, perguntei-lhe: “Você teria coragem de acessar pornografia com sua mãe ao lado?” De olhos arregalados Murilo respondeu rapidamente: “Tá doido, pastor!?” Cheguei então ao ponto que eu queria demonstrar a ele.

Aquele jovem, que conhecia muito bem a sua mãe, sabia que ela não aceitaria um comportamento como aquele e, por temê-la, se absteria de ver algo que ele havia afirmado ser muito difícil ficar sem.

Porém, mesmo sabendo o que a teologia diz sobre Deus, seu caráter e sua Santidade, na prática ele demonstrava que não cria, de fato, em tudo aquilo. Ele não conhecia ao Senhor da mesma maneira que conhecia a sua mãe, ainda que tivesse muitas informações a respeito dele.

Eu me propus a continuar conversando com ele e tentar ajudá-lo em sua luta contra o pecado, por meio do estudo das Escrituras, mas nunca mais o vi. Por fim ele se mostrou mais parecido com aqueles falsos mestres mencionados na carta de Paulo a Tito que “no tocante a Deus, professam conhecê-lo; entretanto, o negam por suas obras” (Tt 1.16).

Para alguém que ama o pecado, o conhecimento teológico só servirá para trazer maior condenação. Jesus, em uma parábola, afirmou: “Aquele servo, porém, que conheceu a vontade do seu senhor e não se aprontou, nem fez segundo a sua vontade, será punido com muitos açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade do seu senhor e fez coisas dignas de reprovação levará poucos açoites. Mas àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão” (Lc 12.47-48).

O conhecimento das Escrituras é uma grande bênção que o Senhor nos concede, mas que deve vir acompanhado de uma vida prática a fim de que o homem seja bem-aventurado, ao invés de enganar a si mesmo (Tg 1.22-25).

Que o Senhor nos conceda a bênção de ser como Esdras, que dispôs o coração não só para buscar a Lei do Senhor, mas também para cumpri-la e ensinar seus estatutos e juízos (Ed 7.10).


[1] Murilo é um nome fictício, para preservar a identidade da pessoa a quem se refere o caso.

[2] Postagens sobre esse assunto: “Mudança de comportamento: e a Bíblia com isso?” e “Quem manipula quem? O problema da abordagem comportamental”

06 janeiro 2012

Um olhar para o passado – esperança ou nostalgia pecaminosa?

liberte-se_do_passado1A onda “retrô” parece ter vindo para ficar. Desde camisas de times de futebol até aparelhos de TV, os designs antigos acabam por reavivar a memória de tempos de outrora.

A lembrança do passado é algo normal. O problema reside em como ele é encarado.

Há muitas pessoas que vivem imersas em meio a problemas, lutas e provações e que já assumiram, como se pudessem prever o futuro, que se a situação mudar certamente será para pior. Pessoas assim tendem a olhar para o passado em busca de um momento feliz ou de um período em que gozaram de alegria e acabam, muitas vezes, querendo “repetir” o que era a sua vida em outros tempos achando que com isso experimentarão novamente paz e alegria.

Essa forma de olhar para o passado é o que chamo de nostalgia pecaminosa. Afirmo que é uma nostalgia pecaminosa porque leva a pessoa:

       1) A desconsiderar tudo o que o Senhor já efetuou desde aquele momento até o presente;

       2) A viver murmurando, pensando em como a sua vida era boa em comparação com o atual estado;

       3) A viver sem a esperança de novamente gozar de paz e alegria;

       4) A não reconhecer que o Senhor dirige a sua vida e que nada foge a seu governo Soberano em que ele cumpre a sua vontade sempre boa, agradável e perfeita.

Por outro lado, a Escritura nos estimula a considerar, sim, o passado. Podemos começar olhando para o Salmo 126. O escritor certamente passava por momentos de aflição, o que é verificado diante do seu pedido: “Restaura, Senhor, a nossa sorte” (126.4). Perceba que antes do pedido o salmista relembra o passado: “Quando o Senhor restaurou a sorte de Sião, ficamos como quem sonha. Então, a nossa boca se encheu de riso, e a nossa língua de júbilo; então entre as nações se dizia: Grandes coisas fez o Senhor por eles. Com efeito, grandes coisas fez o Senhor por nós; por isso, estamos alegres” (126.1-3).

O salmista não olha para o passado e começa a murmurar dizendo: “Como era bom naquele tempo em que o Senhor era conosco, agora só temos problemas e dificuldades.” Não! A lembrança dos grandes feitos de Deus no passado fornecia esperança ao salmista no tempo de tribulação e confiança no Deus que continuava dirigindo a sua história.

Podemos nos lembrar ainda da história de Davi. Quando ainda nem era o rei de Israel e presenciou Saul e todo o exército de Israel temerosos e espantados diante de Golias (1Sm 17.11, 24), dispôs-se a lutar com o gigante (1Sm 17.32). Ao ouvir de Saul que ele não poderia pelejar contra o gigante, contou ao rei que quando apascentava as ovelhas do seu pai, um leão e um urso foram tomar as ovelhas do rebanho e ele matou tanto um quanto o outro. Logo depois disso afirmou: “O Senhor me livrou das garras do leão e do urso; ele me livrará das mãos deste filisteu” (1Sm 17.37). Quando olha para o passado, Davi não pensa: “Como eu queria voltar àquele tempo. Os problemas lá eram tão menores, não havia um gigante, somente um leão e um urso e tudo era mais fácil.” Em vez disso, a lembrança do passado e daquilo que o Senhor fez por meio dele foi o que deu confiança a Davi para sair à peleja contra Golias.

De igual modo Jeremias, ao ter a visão do cativeiro e do sofrimento que o povo enfrentaria, sofrimento este vindo do próprio Deus que iria tratar o pecado do povo que havia quebrado os termos da Aliança, exclamou: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se a cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lm 3.21-23). Não há nos lábios do profeta uma palavra de desânimo, mas a lembrança do passado faz com que ele contemple com esperança as misericórdias do Senhor, que continuariam sobre o povo da Aliança, por causa da fidelidade de Deus às suas promessas.

Diferente da nostalgia pecaminosa, olhar para o passado da forma como a Escritura orienta nos traz esperança. Não é à toa que a Ceia do Senhor, que nos fornece a esperança de dias melhores na vinda do Senhor, nos remete primeiro ao passado, à cruz do Calvário, onde o Senhor derramou sua vida em resgate do seu povo.

O Deus que dirigiu a nossa história no passado continua soberanamente governando a nossa vida no presente. Diante disso, podemos confiar que até mesmo os momentos de dor e sofrimento são ferramentas de Deus para conformar a nossa vida à vida do nosso Redentor.

Com essa convicção, você pode cantar o que o poeta sacro escreveu de forma tão bela em uma das estrofes do hino “Direção Divina”: “As tuas mãos dirigem meu destino, acasos para mim não haverá! O grande Pai vigia o meu caminho, e sem motivo não me afligirá! Encontro em seu poder constante apoio, forte é seu braço, insone o seu amor; por fim, entrando na cidade eterna, eu louvarei meu Guia e Salvador.”

Sobre os anônimos

Entendedor-Anonimo

Desde que comecei o blog recebo comentários elogiando, concordando, discordando e sempre procuro publicar todos, afinal, da mesma forma que tenho liberdade para crer no que quero, aqueles que leem o blog têm para discordar do que escrevo.

Contudo, algo que sempre me incomoda é o tal do “comentário anônimo”. O último que recebi, no texto sobre a Cris Poli, dizia simplesmente: “Pai perdoa esse homem porque não sabe o que diz”.

Reservo-me ao direito de não publicar críticas anônimas. Quem faz crítica anônima só as faz por estar “escondido”, e nesta posição é fácil dizer que alguém está errado simplemente afirmando isso, sem apresentar nenhum argumento.

Se você é um leitor que discorda do que é dito aqui, sinta-se à vontade para enviar suas críticas, com sua argumentação. Sempre vou interagir com pessoas que discordam respeitosamente de mim. Porém, se quiser ficar no anonimato, não perca seu tempo enviando comentários, pois como já afirmei, não serão publicados.