Muitos são aqueles que vivem preocupados com o que será dito a seu respeito anos após a sua morte. Em nome, então, de sua própria reputação, vivem tentando fazer grandes coisas a fim de serem bem lembrados deixando o seu legado para as futuras gerações.
Ultimamente tenho pensado bastante a respeito dessas coisas e, olhando para a Escritura, à luz do que temos em nossos símbolos de fé, especificamente na resposta à primeira pergunta do Breve Catecismo que aponta como fim principal do homem o “glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”, entendo que buscar “deixar um legado” não deve ser um alvo para o cristão.
Não me entenda mal! Não estou negando que muitos homens fizeram coisas extraordinárias e são, inclusive, reconhecidos historicamente como pessoas que contribuíram muito, até mesmo como grandes exemplos para gerações futuras.
Meu ponto é outro. Conquanto seja uma ordenança bíblica dar honra a quem mereça honra (Rm 13.7), a busca por ser honrado é sempre algo pecaminoso, pois está ligada ao orgulho, à vaidade, ao desejo de ser reconhecido.
Calvino instrui de forma maravilhosa a esse respeito:
“Se prestarmos atenção às instruções das Escrituras, observaremos que nossos talentos não nos pertencem, mas que são dons que o Senhor nos dá em sua graça infinita.
Se nos orgulharmos de nossos talentos, estamos sendo ingratos para com Deus. ‘Pois, quem toma você diferente de qualquer outa pessoa? O que você tem que não tenha recebido? E se o recebeu, por que se orgulha, como se assim não fosse?’ (ver 1Co 4.7).
Devemos observar e sermos conscientes de nossas falhas, de modo verdadeiramente humilde. Fazendo assim, não nos encheremos de orgulho; do contrário, teremos grandes razões para nos sentirmos abatidos.
Por outro lado, quando vemos algum dom de Deus em outra pessoa, não devemos estimar somente o dom, mas também o seu possuidor, pois seria uma maldade de nossa parte roubar do nosso irmão a honra que lhe tem sido dada por Deus” (Verdadeira Vida Cristã)
As palavras do reformador são um tiro certeiro no orgulho dos que querem ser reconhecidos. Ao mesmo tempo em que não devem esperar honra por suas realizações, eles devem honrar a seus irmãos por seus feitos.
A Escritura deixa bem claro o fato de que o coração humano é enganoso. Enquanto viverem debaixo do sol os cristãos precisarão tomar cuidado com isso a fim de não encontrar “desculpas piedosas” para o seu orgulho.
Desta forma, aqueles que buscam “deixar um legado”, ainda que assumam o discurso de que seu objetivo é contribuir com outras gerações, na verdade assemelham-se aos construtores da torre de Babel. Entretanto, estes, ao menos, deixaram bem clara a sua motivação: “vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome” (Gn 11.4).
No livro de Atos temos um relato que pode ajudar na compreensão desta questão. No final do capítulo 4 Lucas demonstra que a comunhão da igreja era tamanha a ponto de ninguém considerar exclusivamente suas as coisas que possuía. Muitos vendiam suas propriedades a fim de repartir os valores com quem tinha necessidade (At 4.32-35).
Após este breve relato, Lucas registra a história de Barnabé, mostrando que ele vendeu sua propriedade e doou aos apóstolos para que distribuíssem aos necessitados. Você pode ter certeza do grande impacto que teve a vida de Barnabé na igreja e nas futuras gerações ao se dar conta de que, no século XXI, ainda nos inspiramos com aquilo que um irmão nosso fez no primeiro século.
Mas a história ainda não acabou. Lucas contrasta a atitude de Barnabé com o casal Ananias e Safira. Você sabe que, quando tomamos conhecimento de atos virtuosos de irmãos, muitos chegam a exclamar: “eu queria ser assim”, conscientes de que precisam ser mudados em áreas específicas de sua vida, no caso, na liberalidade.
Todavia, olhando para o texto é possível inferir que há outro tipo de sentimento que pode brotar diante de relatos assim. Ao que tudo indica, o casal queria o mesmo reconhecimento que teve Barnabé, apesar de não estar disposto a ser tão liberal quanto ele. Foi isso que levou os dois a entrar em acordo para mentir a respeito do valor de venda do campo a fim de depositar aos pés dos apóstolos apenas parte, enquanto diziam estar doando tudo. Há em seus corações uma verdadeira guerra de ídolos. Eles amavam tanto a reputação quanto ao dinheiro e pecaram a fim de ter os dois.
Você conhece o fim da história. Eles foram julgados pelo Senhor e mortos por sua mentira ao Espírito Santo. Atente bem à lição: Barnabé, que buscava amar a Deus e aos irmãos abrindo mão de sua propriedade, teve o seu legado reconhecido e registrado por Lucas. Ananias e Safira, que buscavam reconhecimento, pecaram fingindo se importar com os irmãos enquanto estavam amando a si mesmos, mentindo para ficar com o dinheiro e ao mesmo tempo com a fama. Curiosamente, se não tivéssemos o desfecho da história revelada pelo Senhor, talvez estivéssemos aqui sonhando em ser como eles. Imagine que bela forma de morrer! Morrer enquanto entrega uma oferta ao Senhor para benefício dos irmãos!
Seu objetivo de vida não deve ser conquistar fama com o seu trabalho, entrar para a história como alguém que fez diferença para a humanidade ou empreender algo que será lembrado por gerações. Aqueles que sonham com isso muitas vezes acabam frustrados, entendendo que sua vida não teve sentido.
Não é o seu nome que importa, mas o nome de Jesus, a quem Deus deu o nome que está acima de todo nome, para que diante dele se dobre todo o joelho (Fp 2.9-10).
Como cristão você é chamado a honrar a Jesus em tudo aquilo que faz. Deus é honrado quando você, com seus dons e talentos, ama a ele e ama aos que estão à sua volta, ainda que empreendendo tarefas simples, que muitos não acham nem dignas de serem lembradas.
Em um de seus livros Michael Horton demonstra que o cristão é chamado a glorificar a Deus em tudo o que faz, pois o que importa, no último dia, é ser encontrado fiel. Ele ensina:
"Como deveríamos ser encontrados naquele dia quando Jesus retornar? Nós devemos estar amando e servindo ao nosso próximo, suprindo-lhes o que é necessário de acordo com os dons que Deus nos deu. Quando Cristo retornar, o que você quer que ele lhe encontre fazendo? [...]
Sabendo que você tem tudo o que necessita de Deus, você deseja que Jesus lhe encontre em um dos seus postos, oferecendo os seus dons a quem precisa deles. Não seria maravilhoso se ele lhe encontrasse levando uma criança doente ao médico, alimentando seus filhos no café da manhã ou tendo relações sexuais com seu cônjuge? Ou preenchendo um relatório no trabalho, consertando o telhado do vizinho ou lavando o piso como zelador?" (Cristianismo essencial).
Você não é ordenado na Escritura a construir um legado. Você é ordenado a glorificar a Deus e ter alegria nele para sempre. Vivendo desta forma, você se dedicará ao máximo a fim de honrar ao Senhor em sua vocação e, como muitos irmãos do passado, pode um dia até ser um grande exemplo para as futuras gerações, não necessariamente por suas grandes realizações, mas por aquilo que deve mover cada minuto de sua vida: o amor a Jesus Cristo, seu glorioso Redentor.