02 julho 2020

Sobre o culto on-line – isso é possível?

Vivemos um tempo difícil. Por causa da pandemia que o mundo enfrenta, a maioria das igrejas suspendeu suas atividades presencias, mas têm buscado alimentar os membros com transmissões de estudo da Palavra de Deus.

Isso tem levado muitos a pensar a respeito deste tema. Por mais que a tecnologia seja uma bênção e esteja sendo usada para edificar os crentes, até que ponto isso substitui ou está em pé de igualdade com as reuniões presenciais?

Dia desse li um artigo em defesa do culto on-line em que um dos argumentos usados foi o de que “digital e concreto se entrelaçam. Uma reunião virtual é uma reunião real. [...] Sendo assim, já não cabe mais falar de reunião on-line versus reunião presencial [...] tais reuniões são presenciais, ainda que a presença seja on-line. O digital nos coloca diante de um novo conceito e experiência de presença”[1].

Pensando nisso, gostaria de analisar o argumento pelo crivo da Escritura. Será que podemos encontrar na Escritura algo que nos leve a pensar sobre isso, ainda que analogicamente? Creio que a forma como o Senhor Jesus ensinou sobre a Lei no Sermão da Montanha pode nos ajudar neste ponto.

No sermão do Monte Jesus contrapôs o ensino errado dos fariseus com o verdadeiro ensino, conforme o espírito da lei. Dentre vários exemplos dados pelo Senhor Jesus, pensemos a respeito do sétimo mandamento. Para os fariseus o adultério acontecia quando um homem se deitava com uma mulher que não fosse a sua. Este pensamento está correto, mas não envolve todo o problema do pecado sexual.

É bom lembrar que o pecado é uma ofensa, primeiramente a Deus. Em razão disso Jesus afirma que um homem que olha para uma mulher com olhar impuro já adulterou com ela. Jesus está tratando a intenção já como pecado, ainda que a conjunção carnal não tenha ocorrido. Ainda que ninguém, a não ser aquele que imaginou, tenha ciência de tal desejo, o Senhor que conhece o coração condena o pecado que, primariamente é contra ele.

Por mais que saibamos que a intenção é pecaminosa, como afirmou Jesus, creio que ninguém defenderia, nem Jesus defendeu, o direito de a esposa separar-se de um marido que pensou de forma maliciosa em relação à sua vizinha. A despeito da intenção de adulterar, o adultério é consumado apenas quando há “comunhão”, ou seja, quando os dois se tornam uma só carne, o que é impossível “virtualmente”. Somente em caso de consumação carnal, “à parte inocente é lícito propor divórcio” (CFW XXIV.V).

Quando escreveu aos Coríntios Paulo afirmou: “Ou não sabeis que o homem que se une à prostituta forma um só corpo com ela? Porque, como se diz, serão os dois uma só carne” (1Co 6.16). É importante notar que a palavra traduzida por “unir” no texto de Coríntios é traduzida por “ajuntar” em Atos 5.13, quando Lucas afirma que dos restantes do povo, “ninguém ousava ajuntar-se a eles” e em Atos 10.28, quando Pedro afirma a Cornélio e sua família que eles bem sabiam “que é proibido a um judeu ajuntar-se ou mesmo aproximar-se a alguém de outra raça”.

Isso corrobora o que eu mencionei acima. A despeito da intenção de adulterar (virtual, no campo do pensamento) ser pecado, isso não se iguala ao adultério consumado, ou seja, real. A consumação do adultério exige “presença física”.

Sendo assim, guardadas as devidas proporções, creio que podemos pensar de forma analógica em relação ao culto on-line. Ainda que haja uma intenção piedosa quando alguém se conecta ao mesmo tempo em que o restante dos irmãos, na frente de um computador, tal “ajuntamento virtual” nunca será um “ajuntamento real”.

O culto, sobretudo a santa convocação do Dia do Senhor, implica participação conjunta. Percebemos no Salmo 122 a alegria do salmista ao ouvir o chamado para ir à Casa do Senhor. A alegria é porque é para lá que “sobem as tribos, as tribos do Senhor, como convém a Israel, para renderem graças ao nome do Senhor” (1-4). O Salmo 133 ensina que no ajuntamento do povo “ordena o Senhor a sua bênção e a vida para sempre” (3).

O templo simbolizava a presença de Deus no meio do seu povo e apontava para o Senhor Jesus Cristo. É por isso que, com sua vinda, não precisamos mais do templo. Ele mesmo profetizou a destruição do templo, além de ter ensinado à mulher samaritana que o culto não estava restrito a um lugar específico, mas que havia chegado a hora “em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (Jo 4.23).

Ainda que não haja um local específico para adorar, o ajuntamento da Igreja, templo do Senhor, se faz necessário. À luz do Novo Testamento, podemos ter a mesma alegria descrita no Salmo 122, não por causa de ir ao templo, mas de ir encontrar-se com a Igreja do Senhor para a adoração.

Somente quanto a Igreja está reunida para cultuar no mesmo lugar é que ela pode participar corretamente dos sacramentos e do serviço mútuo (1Co 11.20; 14.23). Isso demonstra a gravidade da exortação do escritor aos Hebreus: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima” (Hb 10.25). O sentido da palavra congregar que aparece aqui é de “reunir-se em um lugar”. Curiosamente esta palavra só aparece mais uma vez no Novo Testamento, na carta de Paulo aos Tessalonicenses, quando Paulo trata da “vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele” (2Ts 2.1). Nem é preciso explicar o caráter presencial desta reunião!

Entendo que há boa intenção em muitos daqueles que têm considerado as transmissões on-line como culto. São irmãos sinceros que querem, de fato, adorar ao Senhor. Todavia, ainda que cada um esteja realmente adorando a Deus particularmente, tais reuniões estão longe de serem o culto ordenado pelo Senhor.

Temo, entretanto, que a defesa e legitimação de um culto on-line leve muitos crentes a permanecerem assistindo os cultos de seus lares quando as igrejas retornarem com as atividades presenciais. Afinal de contas, se o que se faz em casa conta como um culto coletivo, somente por ser no mesmo momento em que outros estão também conectados, pouco importa se a presença é real ou virtual.

Que Deus nos abençoe a fim de que as igrejas possam voltar às suas atividades regulares e presenciais, principalmente com o culto solene do Dia do Senhor, para a glória de Deus.


[1] https://www.misaelbn.com/a-era-digital-e-o-culto-cristao-em-defesa-do-culto-publico-on-line/ Acessado em 2/07/20