28 outubro 2010

Reforma Protestante – mantendo vivos os ideais

Lá se vão 493 anos desde que Lutero afixou suas 95 teses às portas da igreja de Wittemberg, e, à medida que nos distanciamos cronologicamente daquele 31 de outubro de 1517, mais o evangelicalismo brasileiro, que reverbera e consegue piorar em muito as heresias que vêm de fora, se afasta dos ideais dos Reformadores.

Os famosos Solas da Reforma, se não são totalmente desconhecidos, têm sido completamente deixados de lado pela maioria dos evangélicos tupiniquins.

Ao invés do Sola Scriptura (só a Escritura é regra de fé e prática), o que vemos são líderes ensinando e o rebanho acreditando em várias aberrações retiradas sabe-se lá de qual mente fértil e inconsequente. Não é mais necessário ter uma ordenança bíblica, basta alguma experiência que “deu certo”. Com isso a evangelização e, sobretudo, o culto, para não citar outros problemas, têm sido pensados em termos de como agradar às pessoas para que simpatizem com a igreja.

Solus Christus (salvação somente por Cristo), Sola Gracia (somente a graça de Deus é a causa da salvação do homem) e Sola Fide (somente a fé é o instrumento dessa salvação) são doutrinas que, apesar de algumas vezes proclamadas, na prática, são negadas. Em lugar de ensinar que o homem é incapaz de agradar a Deus e fazer algo em favor de sua salvação, que a salvação só é possível pelos méritos de Cristo, por causa de sua obediência perfeita à Lei, de sua morte expiatória e sua ressurreição, e que basta o pecador crer nisso para que a justiça de Cristo lhe seja creditada (Rm 4.1-5), “apóstolos” e afins têm levado o povo para longe das Escrituras. O que fazem é ensinar o povo a confiar em campanhas, correntes e esforços pessoais a fim de ter salvação, isso quando mencionam a salvação, pois para a maioria Jesus é simplesmente o “gênio da Bíblia maravilhosa”, disposto a realizar nossos desejos a fim de termos uma vida mais feliz, esquecendo-se, porém, da exortação paulina de que “se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co 15.19).

Esta semana li um texto em que uma estudante de teologia relata sua ida à seita Mundial do Poder de Deus a fim de realizar uma pesquisa sobre liturgia. Para exemplificar o que citei no parágrafo anterior, transcrevo aqui suas palavras:

“O que me chamou a atenção foi a total negação da salvação pela fé, diferencial do discurso protestante. Ao contrário, o pastor enfatizou (muitíssimo) que não basta ir à igreja, o fiel tem que se esforçar para conseguir a salvação. Ir à igreja está no menu, mas também contribuir com a obra, ajudar os outros, dar testemunho...”[1]

Com tudo isso, não seria nem preciso mencionar que não há lugar para o Soli Deo Gloria (somente Deus é digno de ser glorificado). Se o homem pode, por seus esforços, alcançar a salvação e o favor divino, se são métodos pragmáticos, aplicados, transformados em livro e recebidos como o que há de melhor para o crescimento da igreja os responsáveis pelo sucesso desse ou daquele ministério, Deus, de fato, não merece glória, pelo menos não sozinho.

Aqueles que têm se mantido fiéis aos princípios da Reforma têm sobre si a responsabilidade de influenciar e chamar ao arrependimento os que estão no erro. Mais do que nunca precisamos reafirmar e viver coerentemente o mote “Igreja reformada, sempre se reformando”, vivendo a simplicidade do Evangelho a fim de que o Senhor seja glorificado.


[1] Texto de Nani Rezende no blog Genizah

07 outubro 2010

Simão, o mágico, e os “Simões” modernos

negocio bencao a parteO livro de Atos narra, no capítulo 8, a história de Simão, um mágico da cidade de Samaria que era um grande “sucesso” entre o povo. Ele iludia a população com mágicas, o que lhe rendeu grande fama. O texto diz que todos lhe davam ouvidos chamando-o, inclusive, de “Grande Poder”.

Quando a mensagem salvadora do Evangelho chegou a Samaria por meio de Filipe, diácono da Igreja primitiva, que anunciava a Cristo e realizava sinais e prodígios (8.4-8), a multidão que andava após Simão creu no Senhor. Aparentemente o próprio Simão abraçou a fé, sendo até batizado. Digo aparentemente porque o texto sugere que o que despertou o interesse de Simão não foi propriamente a Palavra pregada, mas os sinais realizados. O versículo 13 diz que ele “acompanhava a Filipe de perto, observando extasiado, os sinais e grandes milagres praticados.

Notamos, porém, que Simão não estava preocupado com a glória de Deus, mas com a sua própria, queria mesmo era voltar a ser visto como o “Grande Poder”. Cristo Jesus não era o Deus digno de adoração, mas simplesmente aquele que poderia conceder o que ele realmente queria, voltar a ser notado pelo povo.

A evidência disso está nos versículos subsequentes. Quando os apóstolos tomam conhecimento da conversão de samaritanos, enviam para lá Pedro e João. Lucas narra que, quando Simão viu que mediante a imposição de mãos dos apóstolos os que creram recebiam o Espírito Santo, tratou de tentar “comprar a bênção”, ofereceu dinheiro aos apóstolos para que lhe fosse concedido o mesmo poder, e isso rendeu a ele uma dura repreensão por parte de Pedro, que afirmou: “o teu dinheiro seja contigo para perdição, pois julgaste adquirir, por meio dele, o dom de Deus” (8.20). Pedro afirmou ainda que Simão não tinha parte naquele ministério, que seu coração não era reto e que ele deveria se arrepender, o que não sabemos se, de fato, ocorreu.

Mudando o que tem de ser mudado, notamos que quase dois mil anos depois do ocorrido com Simão e devidamente registrado nas Escrituras para o nosso ensino, o evangelicalismo brasileiro, sobretudo no meio neopentecostal, padece do mesmo pecado. A grande diferença é que no caso bíblico foi Simão que tentou comprar dos apóstolos a bênção, enquanto hoje são os “apóstolos”, “pastores” e “missionários” que tentam vender os favores divinos aos milhares de incautos “Simões” hodiernos.

Não é preciso pesquisar muito para verificar. Basta perder (esse é o termo exato) tempo assistindo à maioria dos programas evangélicos ou navegar um pouco pela internet para encontrar “pastor” chamando de trouxa aqueles que ofertam simplesmente porque amam a Deus, sem esperar nada em troca, “apóstolo” pedindo o trízimo (pasme! 10% para cada pessoa da Trindade.) e garantindo que após isso os ofertantes terão um bom ano, e “missionário” pedindo “contribuição” a fim de orar pela salvação dos que foram indicados pelos associados.

Se vivesse hoje, Simão, o mágico, teria como escolher o melhor investimento, pechinchar e ficaria até indeciso de quem comprar devido à grande quantidade de oferta no vergonhoso mercado “da fé”.

A triste ironia é que tudo isso tem acontecido em igrejas que são tidas por muitos como “herdeiras” da Reforma Protestante, mas que desconhecem, ou fingem não saber, que um dos grandes problemas atacados por Lutero em suas 95 teses foi justamente a simonia, nome dado à compra ou venda ilícitas das coisas espirituais, que tem origem na história de Simão, o mágico.

Na verdade, tanto os estelionatários da fé, que têm vendido bênçãos, como os que têm comprado cometem o mesmo pecado de Simão, tentam usar Deus para os seus próprios interesses. Estes pensando que conseguirão o favor divino com ofertas, aqueles querendo faturar com a fé alheia, contudo, sempre com a mesma motivação egoísta.

Como se vê, não é de hoje que os homens querem se aproximar de Deus para os seus próprios benefícios. Cuidemos para não cair nessa mesma cilada e entendamos que o Senhor deve ser adorado não por aquilo que ele pode nos dar, mas por quem ele é como afirma o salmista: “grande é o Senhor e mui digno de ser louvado, temível mais que todos os deuses” (Sl 96.4).