Não é incomum ver pessoas que sequer começaram a sua vida profissional e já pensam na aposentadoria. Apesar de nada terem produzido por meio do seu trabalho, já sonham com os dias em que só haverá viagens, belas praias, pores do sol esplendorosos, sombra e água fresca.
Além de esta ser uma realidade distante da maioria daqueles que se aposentam, há o fato de que, em se tratando de trabalho, são muitas as distorções. O trabalho é visto como maldição por causa do pecado de Adão, como um mal necessário, como o meio de subsistência, como o sentido da vida, como algo que traz dignidade, afinal, “o trabalho dignifica o homem”, etc.
Biblicamente o trabalho é um mandamento. Deus fez o homem para trabalhar e isto é visto de modo claro no livro de Gênesis, quando o Senhor coloca Adão no Jardim do Éden para cultivá-lo e guardá-lo (Gn 2.15). As coisas não poderiam ser diferentes, pois por ser criado à imagem e semelhança de Deus o homem é um reflexo do seu Criador. E o que você vê Deus fazendo no primeiro capítulo da Escritura? O Senhor está trabalhando, realizando a obra da criação.
No sexto dia ele cria o homem, ação descrita por Davi da seguinte maneira: “Fizeste-o por um pouco, menor do que Deus e de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão” (Sl 8.5-6a). Ao cabo de sua obra, Moisés relata que “havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito” (Gn 2.2).
Com a queda todas as relações do homem foram afetadas. Sua relação com Deus, com o próximo e também com o trabalho. A maldição dada por Deus após o pecado não foi o trabalho, mas a dificuldade e a penosidade de se ganhar o pão: “No suor do rosto comerá o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3.19). O trabalho, bênção do Senhor, se tornara penoso e assim seria até que o homem experimentasse a pior das consequências do seu pecado, a morte.
Entretanto, antes de amaldiçoar o homem o Senhor havia amaldiçoado a serpente, afirmando que da mulher nasceria aquele que iria esmagar a sua cabeça (Gn 3.15). A obra (trabalho) de Cristo estava anunciada. Haveria um dia em que o homem voltaria a encontrar vida e o verdadeiro descanso, prenunciado pela lei.
Quando o Senhor deu a Moisés o quarto mandamento, ordenou-o lembrar do padrão “seis para um” estabelecido na criação:
Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho [...] porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra [...] e, ao sétimo dia, descansou (Ex 20.8-9).
O descanso do Pai após a sua obra era o padrão para o descanso dos seus servos e apontava para o descanso do Filho, após terminar a sua obra de redenção. Esta é, inclusive, a razão de a igreja descansar no primeiro dia, dia da ressurreição do nosso Senhor.
Infelizmente, a lei dada para demonstrar ao homem que o Senhor era o seu cuidador e sustentador, prefigurando o descanso em Cristo, foi transformada pelos judeus em um dia cheio de ritos e proibições vazias que eles entendiam ser necessários à salvação.
Isto pode ser notado no episódio de João 5. Após ter sido curado por Jesus, o paralítico foi questionado pelos judeus, pois estava carregando o seu leito em dia de sábado. Ele respondeu que aquele que o havia curado (um claro sinal de que Jesus era o Messias) o havia mandado carregar o leito. Ao ser perseguido pelos judeus Jesus respondeu que, semelhante ao seu Pai que trabalhava até aquele momento, ele também trabalhava, razão de os judeus quererem matá-lo, pois além de “violar” o sábado se fazia igual a Deus.
Com isso Jesus demonstra que o sábado, dia do descanso das atividades cotidianas para “ganhar” pão de cada dia, era também dia de trabalho, porém, um trabalho para Deus e para o próximo. O Breve Catecismo descreve esse trabalho como “exercícios públicos e particulares de adoração” e “obras de necessidade e misericórdia” (P. 60).
Diante disso, podemos pensar em algumas lições:
1. Não é o trabalho que dignifica o homem – Sua dignidade está em ser imagem e semelhança de Deus. Seu valor não está em quem ele é, mas a quem ele representa. O trabalho é expressão dessa imagem e precisa ser feito para a glória de Deus. Para isso...
2. A penosidade do trabalho é redimida em Cristo – A obra de Cristo, para salvação do seu povo dos seus pecados, liberta o homem para viver para a glória de Deus e encontrar satisfação no que outrora era penoso. Essa é a experiência do homem temente ao Senhor do Salmo 128, que come do trabalho de suas mãos e é feliz.
3. Não trabalhar é pecado – Paulo foi categórico ao exortar os tessalonicenses: “quando ainda convosco, vos ordenamos isto se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2Ts 3.10). Aqui alguém pode questionar: Mas eu já trabalhei, juntei dinheiro e estou aposentado, o que fazer? Concordo com Jay Adams:
Se [...] a pessoa interpreta a aposentadoria como a mudança de um tipo de trabalho para outro, e a entrada numa nova fase de atividade produtiva (possivelmente a realização de muitas atividades não-remuneradas para a igreja de Cristo, coisas que ela nunca tivera tempo para fazer), isto é bom. Quando Deus manda o homem fazer ‘toda a sua obra’ em seis dias, ele se refere a mais do que uma única espécie de trabalho (não meramente trabalho remunerado)[1].
4. Não descansar é pecado – O dia do Senhor continua sendo ordenado aos cristãos. É preciso, neste dia de descanso, servir a Deus e ao próximo, adorar aquele que enviou o seu único Filho para que, por meio do seu trabalho de Redenção, salvasse e purificasse “para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras [trabalho]” Tt 2.14). Todos os domingos você lembra e declara que não é sustentado por causa do seu trabalho, mas por causa do Senhor (Sl 127.1-2) e, por isso, dedica este dia inteiramente ao seu mantenedor!
O Pai de Jesus trabalha até agora e ele também trabalha. Trabalhe você também, para a glória de Deus, vislumbrando no dia de descanso o glorioso e eterno descanso que teremos por estarmos unidos a Cristo, aquele que concedeu a vida!
[1] Jay Adams. Teologia do Aconselhamento Cristão, p. 192. Ed. Peregrino
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