Em meu primeiro ano de ministério, estive numa região em que, infelizmente, algo se repetia constantemente. Era encontrar os pastores em alguma reunião que logo vinha a pergunta: “Você crê em revelação?”, ao que eu já respondia categoricamente com um sonoro “não”. Digo infelizmente porque pastores presbiterianos deveriam, por dever de ofício na IPB, ser confessionais e, para ser ordenados precisam, necessariamente, subscrever a Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster que são documentos cessacionistas.
Em um determinado encontro, resolvi responder à pergunta de forma diferente, buscando conversar mais acerca do assunto. Um pastor se aproximou e já soltou: “Você crê em revelação?”. Desta vez eu disse: “sim, é claro!”, deixando-o animado com a resposta. Logo, então, continuei: “Creio em revelação, inclusive já a li hoje pela manhã!”
De repente, a animação inicial transformou-se num olhar de decepção. O irmão explicou que estava falando de outro tipo de revelação e eu pedi que ele me explicasse mais sobre sua crença. Segundo ele, a revelação à qual se referia dizia respeito a eventos futuros na vida de alguém. O exemplo que ele me deu foi de alguém que iria viajar e que recebeu uma “revelação” na igreja. Foi dito a ele que se ele viajasse, um acidente aconteceria na estrada causando-lhe a morte.
Diante disso, perguntei: “Então este irmão tinha duas opções pela frente: se ele viajasse, morreria, se não viajasse, permaneceria vivo, é isso mesmo?”, ao que o pastor me respondeu afirmativamente. Perguntei, então, acerca do Salmo 139, em que Davi afirma: “Os teus olhos me viram, a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda” (Sl 139.16). Como entender esse texto em relação ao futuro incerto do irmão que recebeu a revelação? Daquele momento em diante reinou o silêncio. Parecia que aquele pastor nunca tinha pensado acerca da implicação do seu entendimento sobre revelação “particular”.
Como ele, muitos cristãos não param para pensar em sua crença e em como elas podem colocá-los em confronto com a Palavra de Deus. Nesse caso, em particular, parece que o desejo de saber sobre o futuro, de ter um direcionamento “mais seguro” por uma revelação direta de Deus, pode ser uma explicação para um entendimento tão distante da Palavra de Deus. A ideia de Deus estar direcionando a vida por meio de uma revelação específica sobre as escolhas a serem tomadas e seus desdobramentos parece dar mais “segurança”, além de retirar das pessoas a responsabilidade ou, no mínimo, fornecer um bom álibi diante das consequências.
Por exemplo, se eu deixo de viajar para um compromisso importante porque Deus me revelou que eu morreria na estrada se fosse, quem me recriminaria pela decisão de não ir, ainda que tenha faltado com minha palavra? E, ainda que houvesse repreensão, eu ficaria em paz comigo mesmo, afinal de contas, eu somente “ouvi a voz de Deus”.
Voltei a pensar nisso dia desses, enquanto dirigia para o escritório ouvindo no carro a narração do livro de Atos. Importa lembrar aqui que em Atos a revelação ainda não está completa e os livros do Novo Testamento estão sendo escritos. Os dons revelacionais estão em plena atividade. Hoje, cremos (pelo menos os que subscrevem a Confissão de Westminster) que “foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isso torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo” (CFW I.I).
Dito isso, pense na experiência de Paulo, descrita em Atos 21. Ele estava em Cesareia, na casa de Filipe, quando o profeta Ágabo chegou da Judeia. Ágabo pegou o cinto de Paulo “ligando com ele os próprios pés e mãos [e] declarou: Isto diz o Espírito Santo: Assim os judeus, em Jerusalém, farão ao dono deste cinto e o entregarão nas mãos dos gentios” (At 21.8-11).
Diante de tal revelação, Lucas registra que todos eles pediram a Paulo para não ir à Jerusalém. Isso é totalmente compreensível. Diante do anúncio da prisão em Jerusalém os amigos estavam preocupados.
A resposta e a atitude de Paulo nesta situação têm muito a ensinar, sobretudo a irmãos como o da experiência narrada no início deste texto. O apóstolo questionou: “Que fazeis chorando e quebrantando-me o coração? Pois estou pronto não só para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus”. Após a Palavra de Paulo, Lucas diz: “Como, porém, não o persuadimos, conformados, dissemos: Faça-se a vontade do Senhor!” (At 21.13-14).
A pergunta a ser feita aqui é: Por que é que Paulo, mesmo sabendo o que aconteceria com ele em Jerusalém, não deixou de cumprir o seu ministério (Cf. At 20.24)? Como se manteve fiel à sua responsabilidade?
A resposta é simples, quando Paulo foi comissionado por Deus, ele ouviu, da parte do Senhor, que ele levaria o nome do Senhor perante gentios e reis e aprenderia o “quanto [...] importa sofrer pelo meu nome” (At 9.15-16). Ele mesmo havia afirmado: “vou para Jerusalém, não sabendo o que ali me acontecerá, senão que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me assegura que me esperam cadeias e tribulações” (At 20.22-23).
Paulo toma sua decisão pautado na Palavra que o Senhor lhe dera. A consciência, por meio de uma revelação, do que o esperava, não fez o apóstolo deixar de cumprir o seu chamado, pensando em “mudar a sua sorte” e livrar-se do que o Senhor disse que ocorreria.
Tendo os antigos meios de Deus revelar a sua vontade cessado (Hb 1.1-2) temos tudo aquilo de que precisamos para direcionar a nossa vida na Santa Palavra de Deus. Como afirmou Moisés, “as coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” (Dt 29.29).
É triste perceber que muitos que buscam novas revelações para direcionar suas vidas, pouco conhecem daquilo que o Senhor fez registrar nas Escrituras e, exatamente por isso, têm práticas que vão contra a Palavra.
Não precisamos conhecer o futuro. Precisamos conhecer o Senhor Jesus Cristo, como revelado em sua Palavra. Busque, com a iluminação do Espírito de Cristo, encher seu coração da Palavra de Deus a fim de honrá-lo em suas práticas e decisões. Em Cristo, você está seguro!