30 maio 2015
20 maio 2015
O “após-tolo” Lameque
Dia desses me mostraram um vídeo de um autodenominado apóstolo demonstrando todo o seu “poder”. No vídeo, o culto é interrompido por um obreiro que informa que um suposto feiticeiro tinha ido desafiar o após-tolo afirmando que não havia poder de Deus que pudesse convertê-lo. O que vem depois disso é uma encenação das mais toscas que já vi. O “feiticeiro” caminha até o púlpito no pior estilo das lutas de “vale tudo” (ao som de uma música de suspense para criar o clima) e encara o tal após-tolo Agenor Duque. O após-tolo dá uns gritos e o feiticeiro cai no chão, aos brados da plateia. Mas não para aí, aos gritos de algo parecido com “Holy Espírito”(?) (agora com uma trilha sonora de vitória) a “galera” fica ensandecida, grita e pula, comemorando a vitória do “após-tolo” no UFC gospel.
Agenor continua a manipulação da massa histérica gritando: “Vale a pena ser fiel”, mas o que mais me chamou a atenção foi o que veio após isso. Ele olha com cara de mau para a câmera e ameaça: “Vem desafiar! Vem desafiar!”. O recado está dado: Não ouse mexer ou desafiar um homem com tamanho poder. Uma variação do já famoso e desgastado “Cuidado! Não toque no ungido do Senhor”, também usado como ameaça por muitos líderes de igrejas.
Ao ver isso me veio à mente a história de Lameque. Ela está registrada no capítulo 4 do livro de Gênesis. Ao listar a genealogia daqueles que estavam em oposição a Deus, encabeçada por Caim, Moisés escreve que Lameque havia quebrado o padrão monogâmico estabelecido pelo Senhor, tomando duas esposas: Ada e Zilá. Esse homem um dia se dirigiu às suas esposas nesses termos: “Ada e Zilá, ouvi-me; vós, mulheres de Lameque, escutai o que passo a dizer-vos: Matei um homem porque ele me feriu; e um rapaz porque me pisou. Sete vezes se tomará vingança de Caim, de Lameque, porém, setenta vezes sete” (Gn 4. 23,24).
Lameque se vangloriava de sua maldade e violência. Ele afirma ser ainda pior que seu ancestral Caim, que havia matado seu irmão, Abel. A palavra hebraica, traduzida por rapaz, indica que não passava de uma criança aquele que o havia pisado, o que torna ainda mais desproporcional a sua violência. Mas creio que há algo mais do que a simples exaltação de sua maldade. Ao que tudo indica, relatando o caso às esposas, ele também manda a elas um recado: “Cuidado comigo! Vejam o que sou capaz de fazer, então, andem na linha”, bem parecido com o “vem desafiar” do após-tolo Agenor.
A liderança pelo medo não é algo novo, entretanto, é triste perceber que dentro do cenário evangélico brasileiro, muitos olham para o tal Agenor e o consideram, de fato, um homem de Deus, revelando assim um total desconhecimento do padrão bíblico quanto às qualificações dos pastores, das quais destaco aqui o ser temperante, sóbrio, não violento e inimigo de contendas (1Tm 3.1-7; Tt 1.5-9). Mais ainda, há desconhecimento quanto às características de um falso mestre, ou, no caso, falso apóstolo, como veremos agora.
Começando com a advertência de Pedro, percebemos que os falsos mestres estariam na igreja, introduziriam heresias destruidoras (procure na Escritura algo parecido com o que esse homem faz), seriam seguidos por muitos, estariam movidos por avareza fazendo comércio dos fiéis com palavras fictícias. Louvado seja o Senhor, pois Pedro declara também que o juízo sobre esses não tarda e que sua destruição não dorme (Confira 2Pe 2.1-3).
Na segunda epístola aos coríntios temos também Paulo acusando aqueles que pregavam “outro Jesus” de serem “falsos apóstolos, obreiros fraudulentos, transformando-se em apóstolos de Cristo”, mas que a igreja não deveria se admirar, “porque o próprio Satanás se transforma em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus próprios ministros se transformem em ministros de justiça;”, além de, como fez Pedro, declarar a condenação deles: “e o fim deles será conforme as suas obras” (2Co 11.13-15).
Tanto Pedro, quanto Paulo, não estavam ensinando nenhuma novidade. O próprio Senhor Jesus, em seu ministério, exortou os discípulos: “Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7.15,16a).
Aos pastores fiéis, fica a palavra de Pedro: “pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória” (1Pe 5.2-4).
A liderança bíblica não é estabelecida pelo medo. O líder bíblico, à semelhança do Senhor Jesus, é servo e receberá sua recompensa das mãos do Supremo Pastor.
Quanto ao após-tolo Agenor “Lameque”, ao ver sua grotesca encenação, lembrei-me também de uma frase que li em algum lugar, com a qual concordo plenamente: “apóstolo bom é apóstolo morto” e, para que não me acusem de igualmente incitar a violência, deixo bem claro: não estou desejando a morte do tal Agenor, antes, enfatizando que o último apóstolo autorizado pela Escritura morreu no início do primeiro século.
07 maio 2015
Amar a quem?
Em nossos dias a palavra “amor” tem perdido completamente o seu sentido e isso ocorre porque a compreensão sobre ela é equivocada. Um poeta secular, ao falar sobre esse assunto, expressa sua compreensão dizendo que o amor não é imortal, posto que é chama, mas deve ser infinito enquanto durar.
Isso se agrava ainda mais quando não se têm uma compreensão bíblica sobre o alvo do amor. A ênfase no amor-próprio como requisito para outras “conquistas” é difundida por todos os lados. Uma música da década de 80 serve para exemplificar isso, na última estrofe e no refrão temos:
Foi tão difícil pra eu me encontrar,
é muito fácil um grande amor acabar,
mas eu vou lutar por esse amor até o fim
não vou mais deixar eu fugir de mim.
Agora eu tenho uma razão pra viver,
agora eu posso até gostar de você.
Completamente eu vou poder me entregar,
é bem melhor você sabendo se amar.
Eu me amo, eu me amo,
não posso mais viver sem mim”[1] (grifos meus)
Essa forma de pensar é encontrada também nas igrejas que assumiram o “dogma” da autoajuda.
A Escritura, porém, caminha na contramão de tudo isso. Vemos no Evangelho que, ao ser questionado por um intérprete da Lei sobre qual seria o grande mandamento, Jesus respondeu que o principal era amar a Deus de todo o coração, alma e entendimento e que o segundo era amar ao próximo como a si mesmo. Disse mais ainda: “Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22.40). Devemos notar que Jesus não fala em momento algum de amor próprio, ainda que muitos tentem enxergar no texto este “terceiro mandamento”, demonstrando um total descompromisso com a interpretação do texto.
O mais espantoso é perceber que raciocínio dos cristãos que pensam assim é semelhante ao do autor da música citada acima: se alguém não se ama não conseguirá amar o próximo.
Esse “terceiro mandamento” não está no texto por uma simples razão: o homem, por natureza, já se ama demais e não precisa ser estimulado a se amar mais ainda. Jesus parte do princípio de que esse amor por si mesmo já existe. As palavras de Paulo corroboram esse pensamento. O apóstolo afirma: “Porque ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida” (Ef 5.29).
Quando a Escritura menciona o amor próprio, trata-o como um problema: “Sabe, porém, isto: nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis, pois os homens serão egoístas (amantes de si mesmos na versão Revista e Corrigida de Almeida)” (1Tm 3.1,2), afirma Paulo a Timóteo.
A despeito disso, várias publicações cristãs e inúmeros pregadores têm afirmado que o homem deve amar a si mesmo. Com isso, ensinam que o homem precisa fazer justamente aquilo que a Escritura aponta como um dos males dos últimos tempos.
Se queremos honrar a Deus agindo de forma bíblica precisamos entender o que a Escritura, de fato, ensina sobre o amor e o que ela requer que façamos. Somos alvo do amor maior, o amor do Senhor demonstrado na cruz do Calvário, e, por isso, podemos e devemos amá-lo da forma correta, colocando-o em primeiro lugar em nossas vidas e também dispensando esse amor ao próximo.
Segundo Paulo, “o amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba” (1Co 13.4-8). Esse amor deve ser sem hipocrisia (Rm 12.9), cordial, fraternal, preferindo o próximo em honra (Rm 12.10), edificante (1Co 8.1), demonstrado de fato e de verdade (1Jo 3.18).
Somos exortados a não nos conformar com este século (Rm 12.1-2) e, por isso, devemos deixar de lado o que o mundo ensina sobre o amor egoísta (amor próprio) e viver o amor bíblico, por Deus e pelo próximo, para a glória daquele que nos amou primeiro.
*Texto republicado, com modificações.
[1] Música: Eu me amo; Banda: Ultraje a rigor