Já ouvi muitas vezes esta afirmação, na boca de vários cristãos. Para ser sincero, durante um curto tempo de meu ministério eu também defendi esta tese.
Aparentemente ela faz sentido. O pensamento por trás dela é que o Senhor irá se agradar daquilo que você está fazendo em obediência ao que a Bíblia diz, independente da sua vontade ou de como você se sentirá em relação a isso. Desta forma, há pessoas extremamente obedientes a Deus, ao menos externamente, mas com corações tristes, angustiados e imensamente frustrados em sua vida.
Entretanto, a atitude de obedecer apenas externamente é diretamente condenada por Jesus ao citar para os fariseus o que fora dito por Isaías: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mt 15.8). Talvez aqui alguém diga que Jesus não estava se referindo à obediência aos preceitos do Senhor, mas como ele mesmo condena, às “doutrinas que são preceitos de homens” que estavam sendo ensinadas pelos fariseus (Mt 15.9).
Contudo, você percebe exatamente o mesmo problema no livro de Amós que afirma de forma irônica: “proclamem em toda parte suas ofertas voluntárias; anunciem-nas, israelitas, pois é isto que vocês gostam de fazer, declara o Senhor, o Soberano” (Am 4.5). Aqui, externamente há uma atitude correta e ordenada que é a oferta voluntária, mas internamente há uma motivação egoísta que será de igual forma condenada por Jesus nos evangelhos: “quando, pois, deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens” (Mt 6.2).
Isto demonstra também que a satisfação com o que se está fazendo ou um sorriso estampado na face não é indicador da verdadeira alegria e obediência. Como dito numa canção do Grupo Logos: “a alegria não é o indicador verdadeiro da paz. Há sorridentes bebendo as próprias lágrimas do coração” (Servos. Paulo César).
Deus não está apenas interessado nas ações externas, mas nos motivos do coração. O que se faz é importante, mas a razão para se fazer não é menos importante. Pensando na frase inicial, outro pode dizer: “Agora está ainda mais claro que a frase está correta, pois a pessoa está fazendo motivada pela glória de Deus, ainda que não esteja alegre em fazer. Qual o problema disso?”
Creio que um bom ponto de partida para a compreensão do problema está na resposta à primeira pergunta do Catecismo Maior que afirma: “O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e alegrar-se nele para sempre”.
Perceba algo importante. O Catecismo ensina corretamente que junto com a ação de glorificar a Deus, obedecendo os seus mandamentos, está a alegria nele. Logo, alguém que diz glorificar ao Senhor, mas que não está experimentando a alegria, ainda não entendeu o que é a verdadeira alegria.
Na prática, o que ocorre com as pessoas que estão tristes, ou mesmo infelizes, por entender que têm de se submeter ao Senhor de qualquer forma, é a negação do que ensina João: “Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; ora, os seus mandamentos não são penosos” (1Jo 5.3). A palavra “penoso” que aparece neste texto tem o sentido de “muito pesado” ou “duro de carregar” (Léxico de Strong).
A perspectiva bíblica é tanto de obediência quanto de alegria. Como ordenado nos Salmos, “servi ao Senhor com temor e alegrai-vos nele com temor” (Sl 2.11), ou ainda, “servi ao Senhor com alegria, apresentai-vos diante dele com cântico” (Sl 100.2). Não poderia ser diferente disso, pois “os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração” (Sl 19.8).
Veja por exemplo como Deus quer que povo se porte diante da ordenança de guardar o Dia do Senhor. Muitos crentes a ignoram, outros até tentam guardar, mas com o coração pesado, pensando no que estão “perdendo” e que poderia ser aproveitado para si mesmo com lazer neste dia. Mas não é desta forma que o Senhor quer que aconteça. Por meio de Isaías ele diz: “Se você vigiar seus pés para não profanar o sábado e para não fazer o que bem quiser em meu santo dia; se você chamar delícia o sábado e honroso o santo dia do Senhor, e se honrá-lo, deixando de seguir seu próprio caminho, de fazer o que bem quiser e de falar futilidades, então você terá no Senhor a sua alegria” (Is 53.13,14a).
No Novo Testamento Paulo escreve aos filipenses e os exorta a “desenvolver a salvação com temor e tremor” fazendo tudo “sem murmurações” (Fp 2.12,14). Ele diz ainda que mesmo que viesse a morrer por conta do seu trabalho para o Senhor ele estaria alegre (2.17) esperando que os filipenses se alegrassem com ele (2.18). No capítulo 3 ele trata das dificuldades da igreja envolvendo os falsos mestres, mas antes ordena: “alegrai-vos no Senhor” (Fp 3.1). O apóstolo ordena a alegria, enquanto os irmãos de Filipos obedecem às ordenanças e enfrentem provações.
Em um artigo sobre o sofrimento, Piper, pontua:
“Por que Paulo coloca tanta ênfase em alegria no Senhor, alegria na esperança da glória de Deus, alegria que vem do Espírito Santo, e tudo isso em meio ao sofrimento? A razão é esta: o alvo de todo ministério é a glória de Deus mediante Jesus Cristo. Deus é glorificado em nós principalmente quando encontramos nossa satisfação maior nEle. O sofrimento é uma grande ameaça à nossa satisfação em Deus. Somos tentados a murmurar, queixarmo-nos, culpar e até mesmo amaldiçoar e desistir do ministério. Portanto, a alegria em Deus em meio aos sofrimentos faz com que a excelência de Deus – a glória de Deus que satisfaz completamente – brilhe ainda mais do que brilharia em qualquer outro momento de alegria. A alegria, quando o sol brilha, destaca o valor do brilho do sol. Mas a alegria em meio ao sofrimento destaca o valor de Deus. O sofrimento e as adversidades aceitos com alegria enquanto trilhamos a senda da obediência a Cristo, mostram a supremacia de Cristo muito mais do que a nossa fidelidade nos dias tranquilos” (John Piper. Quando conselheiros e aconselhados se defrontam com o sofrimento).
Isto é verdade para os que estão no ministério, mas é verdadeiro também para todos os cristãos em suas mais variadas vocações. A vida cristã é uma vida de glória a Deus e alegria nele para sempre. É desta forma que cristãos não desanimarão ou desistirão de viver. Portanto, rejeite a ideia de que não importa que você esteja triste conquanto esteja obedecendo, ou, afirmações semelhantes.
Aprenda a se alegrar em Cristo, pois se não está alegre em obedecer àquele que se entregou na cruz em seu favor, você ainda não aprendeu corretamente sobre como convém obedecer. Ao falar a seus discípulos sobre sua morte, Jesus afirmou que eles estariam tristes. Entretanto, após sua ressurreição, ele estaria com eles novamente e “outra vez vos verei; o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém poderá tirar” (Jo 16.22).
Jesus, o Deus Vivo, está com você. Esta convicção muda tudo, pois como disse João, “a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Estas coisas, pois, vos escrevemos para que a nossa alegria seja completa”.