19 maio 2020

Não se perca entre narrativas, fique firmado na verdade

Dia desses vi um meme que expressa bem o meu sentimento nesses últimos tempos. Dizia: “quem não está confuso não está bem informado”. Parece que esta é mesmo a realidade de muitos, dentre os quais me incluo. Todos os dias somos bombardeados com notícias conflitantes sobre a origem do vírus, as intenções de governos, tanto mundiais quanto os de nossa nação, diversas teorias que conflitam entre si. Há uma guerra de narrativas em curso.

Se não é difícil perceber que há uma guerra de narrativas, não é tão fácil perceber quais as narrativas que estão em acordo com a verdade. Vou exemplificar com o que vi hoje no Twitter. Alguém postou uma série de prints, de várias pessoas diferentes, com exatamente o mesmo texto, sem tirar nem pôr uma vírgula sequer, sobre o benefício da cloroquina no tratamento do coronavírus. As pessoas que compartilharam tinham a mesma história, uma filha e um genro contaminados que tratados logo no início com a cloroquina foram curados rapidamente.

A intenção de quem compartilhou os prints era provar que os que são pró-Bolsonaro estão criando uma narrativa para que o público se convença de algo que de fato não é verdade. Em princípio talvez você pense: Há alguma dúvida sobre isso? Está muito clara a tentativa de manipular a opinião pública por meio de contas falsas. Mas pense um pouco mais...

Alguém comentou que o que está acontecendo, na realidade, é que aqueles que são contra Bolsonaro estão se passando por apoiadores da cloroquina e espalhando a mesma história na rede a fim de acusar o governo de criar uma fake news. Confuso, não?

Semanas atrás algo parecido ocorreu. Antes da saída do ministro da justiça, jornais afirmavam que ele logo estaria fora do governo. Diante da notícia, os apoiadores do governo diziam que aquilo era uma tentativa da imprensa de desestabilizar o governo, enquanto os contrários ao governo diziam que mais uma vez o presidente estava deixando “vazar” uma notícia falsa para a imprensa noticiar e, depois, não acontecendo o que se havia noticiado, a imprensa ficasse envergonhada.

Não pense que meu ponto neste texto é discutir sobre as narrativas. Minha preocupação é outra. Creio firmemente que tudo aquilo que assentimos como sendo verdade passa pela interpretação do nosso coração, pautado naquilo que ele almeja. Você percebe isto claramente ao observar o que Paulo escreve a Timóteo: “Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentido coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos, segundo os seus próprios desejos. Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos” (2Tm 4.3-4).

Mudando o que deve ser mudado, já que o texto trata da recusa de ouvir a sã doutrina e da busca de algo que vá ao encontro dos anseios daquele que recusa a verdade, o princípio permanece para tudo aquilo que o homem deseja. Você precisa atentar àquilo que o seu coração anseia, pois ouvirá as notícias a partir desta perspectiva. Desta forma, os desejos do seu coração podem direcioná-lo a assumir como verdade somente aquilo que está de acordo com o que você tanto anseia, ainda que possa ser falso, fazendo-o cair numa grande armadilha.

Quando eu proponho no texto que você não se perca entre as narrativas e fique firmado na verdade, não estou querendo dizer que é para ficar firme na verdade de uma das narrativas. Por mais que uma delas, provavelmente, esteja mais correta que a outra, não é o que elas afirmam que trará segurança ao seu coração. É preciso ser claro aqui. Muitos estão acatando certa narrativa por colocarem a sua esperança no atual governo, enquanto outros estão aderindo à outra narrativa, por colocar a esperança em qualquer outro que não seja o atual presidente. Ambas as expectativas são idólatras e, por isso, em algum momento, trarão frustração.

A única narrativa que traz verdadeira paz ao coração é a que foi revelada pelo Senhor nas Sagradas Escrituras. Aquilo que o Senhor revelou é a verdade que liberta. Por isso Jesus afirmou: “Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.31).

Se você está em Cristo, poderá viver firmado na verdade da Escritura e saberá que:

1. Deus é soberano – Nada que aconteceu, está acontecendo ou virá a acontecer, fugiu, foge ou fugirá ao seu controle. “Dele é a sabedoria e o poder; é ele quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis” (Dn 2.20,21).

Sendo assim, o coronavírus é algo estabelecido por ele, independente de como surgiu, fabricado em laboratório ou naturalmente. O atual governo é estabelecido por ele, o que é verdade também em relação aos governos anteriores e àqueles que virão no futuro.

2. É sua obrigação orar e confiar no Senhor – Os filhos de Deus têm o privilégio de poder colocar diante dele as suas petições, sabendo que ele responderá às orações conforme a sua boa vontade. Peça ao Senhor pelo fim da pandemia, interceda pelas autoridades. Goste você ou não do atual Presidente, como cristão é seu dever interceder por ele (1Tm 2.2). Neste sentido, é triste constatar que muitos que têm enfatizado o dever de orar pelo Presidente Bolsonaro não fizeram o mesmo por presidentes anteriores, que mesmo sendo de esquerda também foram levantados pelo Senhor. Não é a sua concordância com o governo o que deve movê-lo a orar, mas o atendimento à ordenança do Senhor.

3. As circunstâncias não devem definir como você se porta – Diante da falta de certezas em relação ao futuro, muitos cristãos estão desanimados, ansiosos ou ainda irados.

Pensar que o atual Presidente permanecerá no cargo e poderá ser reeleito, ou temer que os contrários consigam o impedimento do seu mandato tem levado crentes pró e contra o governo a estarem furiosos, agredindo os seus irmãos e quaisquer outros que se opuserem às suas ideias. Por não saber quando ou se a situação da pandemia irá passar, muitos estão aflitos. Por causa de incertezas em relação à vida financeira outros beiram ao desespero.

É preciso lembrar que o Soberano Deus está no controle. É preciso lembrar que ele deu solução ao pior dos problemas do homem ao enviar seu Filho a fim de morrer pelos pecados de seu povo (Mt 1.21; Jo 3.16). É preciso lembrar que em Cristo o Senhor nos concede tudo o que é necessário para a vida e para a piedade (2Pe 1.3).

Firmado nestas verdades, faça como o salmista e pergunte a si mesmo: “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim?” – crendo de todo o coração no que vem a seguir – “Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu” (Sl 42.5). Ao proceder desta forma você poderá fazer coro com Paulo que diz: “aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11-13).

A alegria de Paulo não dependia de circunstâncias, mas de estar em Cristo. Em Cristo você também encontrará alegria com ou sem o presidente que você almeja, com ou sem a pandemia e em quaisquer circunstâncias que venham pela frente, na certeza de que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28).

Continue tentando se informar e cuide para que o seu coração não o leve a escolher “a verdade” que mais se adeque aos seus anseios. Para isso, firme-se na verdade de Deus, estabelecida em sua Bendita Palavra!

12 maio 2020

Bendita certeza!

“Ao Senhor pertence a salvação!” (Jn 2.9). Esta bela declaração do livro de Jonas deveria levar todos os cristãos a uma confiança inabalável na obra de Cristo em seu favor. Entretanto, esta não é a realidade. Em muitos arraiais evangélicos, ao tratar da certeza da salvação, muitos titubeiam e afirmam que não se pode ter tal certeza, tachando de arrogantes aqueles que têm esta convicção.

Será que é de fato arrogante alguém que crê em Jesus afirmar que está plenamente convicto de que a sua salvação está garantida? Olhando para a Escritura temos abundantes exemplos de que a resposta é um sonoro não!

Pense, por exemplo, na afirmação de Paulo aos filipenses: “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). As palavras do apóstolo deixam bem claro que ele não tinha dúvidas a respeito da permanência dos crentes na fé. Paulo entendia, como pode ser visto na epístola aos Romanos, que nada pode separar os crentes “do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.39).

Esta convicção está baseada nos méritos de Cristo. É por causa de sua obra que os crentes podem descansar seguros em seu Redentor. No evangelho de João temos afirmações de Cristo que corroboram esta verdade. Jesus afirma que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, par que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3.16). A palavra eterna indica que esta vida dada àquele que crê não tem fim. Esta nova vida tem início quando o coração é regenerado e permanecerá para sempre. Como explica Hendriksen, “a vida que pertence à era futura, ao domínio da glória, torna-se possessão do crente aqui e agora; ou seja, em princípio.[1]

Ainda no evangelho de João o Senhor Jesus afirma que a vontade de Deus é que todo aquele que crer no Filho tenha a vida eterna, e que seria ressuscitado por ele no último dia (Jo 6.40). Afirmar que a salvação pode ser perdida implica, então, na crença de que o Senhor é incapaz de cumprir a sua vontade. Entretanto, o Senhor declara de forma inequívoca, por meio de Isaías: “O meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.10). Até mesmo o ímpio Nabucodonosor declarou que “não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35).

Todo aquele, portanto, que crê em Jesus Cristo pode tomar por certa a sua promessa: “eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que o Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar” (Jo 10.28,29).

Por qual razão, então, muitos não conseguem ter segurança da salvação? Pelo simples fato de não crerem nas palavras de Cristo e de acharem que a salvação, de algum modo, depende de seus próprios esforços. Falta-lhes o entendimento da verdade afirmada por Paulo de que “pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9).

Diante disso, afirmar que se tem certeza da salvação por confiar nos méritos de Cristo não é arrogância. Arrogante é a pseudo-humildade de dizer que não tem certeza, mas que está se esforçando para ser salvo, pois ignora que quando a Escritura afirma que a salvação é pela graça, mediante a fé, significa que não é possível por esforço próprio, mas única e exclusivamente pela fé na obra do Redentor, Cristo Jesus.

Entretanto, é preciso dizer um pouco mais. Os teólogos de Westminster afirmaram acertadamente que “essa segurança infalível [da salvação] não pertence de tal modo à essência da fé que um verdadeiro crente, antes de possuí-la, não tenha de esperar muito e lutar com muitas dificuldades; contudo, sendo pelo Espírito habilitado a conhecer as coisas que lhe são livremente dadas por Deus, ele pode alcança-la sem revelação extraordinária, no devido uso dos meios ordinários” (CFW XVIII.III). Eles afirmaram ainda que “por diversos modos, podem os crentes ter a sua segurança da salvação abalada, diminuída e interrompida” (CFW XVIII.IV).

É claro que o fato de um crente ter a sua segurança da salvação interrompida não significa que ele perdeu a salvação. Você já passou pela experiência de procurar por algo que estava em seu poder? Por diversas vezes isto aconteceu comigo. Já revirei a casa procurando pela carteira que estava em meu bolso. Mudando o que deve ser mudado, é desta forma que vejo os crentes que perderam a segurança da salvação. Em algum momento eles perceberão, pela graça de Deus, que a salvação que julgavam não mais ter estava o tempo todo com eles, pois o Senhor Jesus não perde aqueles que são dele.

Não se apresse, então, em declarar que aqueles que não têm certeza da salvação não estão salvos. Voltando mais uma vez à Confissão de Fé de Westminster vemos que “por diversos modos, podem os crentes ter a sua segurança de salvação abalada, diminuída e interrompida – negligenciando a conservação dela, caindo em algum pecado especial que fira a consciência e entristeça o Espírito Santo, cedendo a forte e repentinas tentações, retirando Deus a luz de seu rosto e permitindo que andem em trevas e não tenham luz mesmo os que o temem; contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de Deus e da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade de coração e consciência do dever; dessas bênçãos, a certeza de salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito, e por meio delas eles são, no entanto, suportados para não caírem no desespero absoluto” (CFW XVIII.IV).

Se você está firme na fé, louve a Deus pela bendita certeza da vida eterna. Mais ainda, no poder do Espírito Santo, busque desenvolver a sua salvação com temor e tremor, na certeza de que o Senhor tem efetuado em você o querer e o realizar, segundo a sua boa vontade (Fp 2.12,13) e, como ordenou Pedro, “procurem, com empenho cada vez maior, confirmar a vocação e a eleição de vocês; porque, fazendo assim, vocês jamais tropeçarão. Pois desta maneira é que lhes será amplamente suprida a entrada no Reino eterno do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 1.10,11).

Que esta convicção o leve a cantar com alegria: “Não sei se ainda longe está, ou muito perto vem, a hora em que Jesus virá na glória que ele tem. Mas eu sei em quem tenho crido e estou bem certo que é poderoso, guardará, pois, o meu tesouro, até o dia final.” (HNC – 105).


[1] William Hendriksen. Comentário de João. p. 166