11 agosto 2023

E as decisões “nulas de pleno direito”?

manual

Não sou, nem de longe, um especialista em CI/IPB, mas me atrevo a escrever algumas linhas acerca de um assunto que há tempos me incomoda.

O artigo 145 da CI/IPB estabelece que “são nulas de pleno direito quaisquer disposições que, no todo ou em parte, implícita ou expressamente, contrariem ou firam a Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil”.

Ao longo dos anos tenho visto muitos evocarem este artigo a fim de justificar a sua desobediência a alguma determinada decisão de um Concílio que, conforme suas interpretações particulares, são contrárias à CI/IPB.

Ao falar em “intepretação particular” não estou entrando (ainda) no mérito de ela estar certa ou errada. Denomino de particular a interpretação que contraria à da maioria do Concílio que votou determinada matéria. É uma questão óbvia! Se em determinada interpretação de um artigo constitucional eu fui voto vencido, está claro que a maioria interpreta diferente de mim.

A IPB, como sabemos, “é uma federação de igrejas locais, que adota como única regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamento e como sistema expositivo de doutrina e prática a sua Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve; rege-se pela presente Constituição [CI/IPB];”.

O governo da Igreja acontece por meio de seus concílios. A Confissão de Fé de Westminster ensina que “para melhor governo e maior edificação da Igreja, deverá haver as assembleias comumente chamadas sínodos ou concílios. Em virtude do seu cargo e do poder que Cristo lhes deu para a edificação e não para a destruição, pertence aos pastores e aos outros presbíteros das igrejas particulares criar tais assembleias e reunir-se nelas quantas vezes julgarem útil para o bem da Igreja” (XXXI.I).

Um concílio assim é visto em Atos 15. A partir de uma controvérsia doutrinária surgida em Antioquia, primeiramente combatida por Paulo e Barnabé que ali serviam, o assunto foi parar naquele que conhecemos como o Concílio de Jerusalém. Reuniram-se os apóstolos e presbíteros para discutir a questão e, após debate, uma carta foi enviada à igreja com a decisão a ser cumprida pela igreja.

Na IPB os concílios “em ordem ascendente são: a) O Conselho, que exerce jurisdição sobre a Igreja Local; b) o Presbitério, que exerce jurisdição sobre os ministros e conselhos de determinada região; c) o Sínodo, que exerce jurisdição sobre três ou mais Presbitérios; d) o Supremo Concílio, que exerce jurisdição sobre todos os concílios” (CI/IPB – Art. 62).

No Art. 70, que trata do que compete aos Concílios, destaco duas alíneas: “d) velar pelo fiel cumprimento da presente Constituição; e) cumprir e fazer cumprir com zelo e eficiência as suas determinações, bem como as ordens e resoluções dos Concílios superiores”.

A questão é aparentemente bem simples. Quando um Concílio superior decide algo, os inferiores precisam cumprir. Entretanto, é preciso lembrar aqui do que estabelece a Confissão de Fé em seu capítulo XXXI.III: “Todos os sínodos e concílios, desde os tempos dos apóstolos, quer gerais quer particulares, podem errar, e muitos têm errado; eles, portanto, não devem constituir regra de fé e prática, mas podem ser usados como auxílio em uma e outra coisa”.

Esta verdade não passa despercebida na CI/IPB. Tanto é assim que o artigo 64 declara que “de qualquer ato de um Concílio, caberá recurso para o imediatamente superior, dentro do prazo de noventa dias a contar da ciência do ato impugnado”, estabelecendo, porém, em seu parágrafo único que “este recurso não tem efeito suspensivo”.

Reza ainda a CI/IPB que “se qualquer membro de um concílio discordar de resolução deste, sem contudo, desejar recorrer, poderá expressar sua opinião contrária pelo: a) dissentimento; b) protesto” (Art. 65). Repare os parágrafos que explicam tais votos: “§1º - Dissentimento é o direito que tem qualquer membro de um Concílio de manifestar opinião contrária à da maioria. § 2º - Protesto é a declaração formal e enfática por um ou mais membros de um Concílio, contra o julgamento ou deliberação da maioria, considerada errada ou injusta”.

Não há problema, portanto, em alguém discordar de alguma resolução conciliar. É um direito que não pode ser retirado de ninguém. Esta discordância pode ficar apenas no âmbito dos votos de dissentimento e protesto ou pode transformar-se em um documento a ser julgada pelo concílio. Faz parte do sistema conciliar, ou seja, está dentro da regra do jogo!

Mas aí é que entra, então, o meu incômodo. Em vez de tomar o caminho constitucional, muitos simplesmente assumem e passam a declarar que a maioria votou contra a Constituição da Igreja, razão de não serem obrigados a cumprir esta ou aquela decisão, afinal, ela é “nula de pleno direito”. Mesmo o Supremo Concílio não pode legislar contra a Constituição da Igreja, a não ser que haja emenda ou reforma, dizem eles, e de forma acertada!

Contudo, pense bem no que está posto. Se nem o plenário do Supremo Concílio pode passar por cima da Constituição da Igreja, por que um ou alguns membros que decidem passar por cima das decisões conciliares poderiam fazê-lo?

Mas são coisas diferentes, alguém dirá! Uma coisa é ir contra a constituição, outra completamente diferente é ir contra uma decisão do plenário. A isso eu respondo que é aí que está o engano, pois, o que está em jogo, de fato, é: quem interpretou corretamente a Constituição? O plenário, que aprovou determinada matéria, ou um membro ou grupo menor da igreja que alega a tal inconstitucionalidade?

Ironicamente, um membro da Igreja Presbiteriana, seja ele oficial ou não, que decide pela desobediência, por considerar nula de pleno direito uma determinada decisão, se comporta, na prática, como um episcopal. Não só isso. Ele é, na verdade, a maior autoridade dentro do seu sistema episcopal “particular”, pois sua interpretação deve ser acatada pela maioria do concílio. Ele é maior que o Concílio!

Tenho minhas suspeitas sobre o que leva pessoas a agir assim: Um coração orgulhoso, que se vê acima dos ignorantes que não entendem a Constituição, somado ao temor de terminar envergonhado ou contrariado ao tentar o caminho do recurso. Desta forma, não é preciso esforço para convencer o concílio, uma vez que a consciência estará aliviada ao pensar que não há desobediência, afinal, o que não está sendo cumprido é “nulo de pleno direito”. Como eu disse, são suspeitas, mas pode haver outras razões e estou pronto a considerá-las, quando apresentado a elas.

Agora imagine se cada membro, igreja local ou presbitério começar a entender, sem precisar convencer a mais ninguém, que as decisões que ele, ou eles, não estão de acordo são nulas de pleno direito. Será o fim do sistema conciliar, federativo e a legislação perderá o seu sentido. Estaremos como no tempo dos juízes, cada um fazendo o que acha mais reto (Jz 17.6; 21.25).

Com isso não quero dar a entender que é preciso acatar decisões inconstitucionais e, principalmente, antibíblicas. Já afirmei acima que a discordância é permitida, mas há meios de lidar com aquilo que se acha errado e o caminho não é a simples rebelião. Concílios erram e continuarão errando. Neste caso, como proceder?

1. A depender do tipo de decisão, considere se vale à pena o desgaste (pessoal, familiar e eclesiástico). Se concluir que sim, aja pelos trâmites corretos; se não, acate, pelo bem da igreja. O caminho do puro descumprimento constitui-se quebra do quinto e nono mandamentos;

2. Se a decisão diz respeito a algo que o coloca em um problema de consciência diante de Deus, recorra. Peça ao Senhor graça a fim de provar seu ponto, se estiver com a razão e humildade para ser convencido do contrário, caso você esteja errado (Pv 18.17);

3. Se não estiver satisfeito com os rumos que a denominação, a seu ver, está tomando, e não tiver disposição para lutar por sua pureza, procure uma denominação que você considera mais pura. É um caminho difícil, mas é melhor do que viver em rebelião (1Sm 15.23).

Uma decisão conciliar pode mesmo ser inconstitucional e nula de pleno direito, mas não são indivíduos que declaram a nulidade. No máximo eles apontam e tentam convencer o concílio do seu erro.

O caminho da simples “desobediência travestida de amparo constitucional” pode até parecer mais fácil, mas acabará levando os desobedientes aos tribunais eclesiásticos. Ali a condenação é quase certa, uma vez que o parâmetro usado para o julgamento será exatamente a decisão que está sendo considerada nula pelo desobediente, mas que continuará valendo como regra enquanto ninguém se dispuser a entrar com um recurso provando a alegada nulidade.

2 comentários:

Unknown disse...

Ótimo artigo. É nom lembrar que somente o próprio concílio ou o concílio superior pode valer-se do art. 145 da CI/IPB para anular, cassar ou tornar sem efeito uma decisào do concílio. Nem mesmo a CE desse concílio pode fazê-lo. A propósito: SC - 2022 - DOC.XIV: O SC/IPB - 2022 Resolve: Declarar que a CE-SC/IPB não tem competência
constitucional para tornar sem efeito (anular, invalidar ou cancelar) resolução do SC/IPB."

Unknown disse...

Só para ratificar esse entendimento: SC - 2022 - DOC.XIV: O SC/IPB - 2022 Resolve: Declarar que a CE-SC/IPB não tem competência
constitucional para tornar sem efeito (anular, invalidar ou cancelar) resolução do SC/IPB.
Só o próprio concílio ou os concílios superiores podem declarar a nulidade que leva à cassação de uma decisão.