22 maio 2013

Aconselhamento: o que tem a ver comigo?

Pontos-de-interrogação

Uma situação cotidiana

Depois do futebol, numa roda de amigos, um deles acaba “soltando” que está prestes a se divorciar e fala de suas razões para isso. Rapidamente surgem várias opiniões, totalmente distintas umas das outras, apoiando ou reprovando a ideia. Isso é aconselhamento.

Na escola, um rapaz queixa-se com uma colega sobre a atitude de seus pais em proibi-lo de ir a um show e que isso o tinha deixado furioso. A colega, depois de ouvir, passa a falar sobre como ele deveria agir em relação a seus pais. Eis aqui novamente o conselho!

Duas amigas se encontram no supermercado. Durante a rápida conversa uma menciona os problemas que está enfrentando com o comportamento do filho. A outra, tentando ajudar, dá algumas dicas de educação de filhos. Isso também é aconselhar.

Há um ditado que diz que “se conselho fosse bom não se dava, vendia-se”, porém, os exemplos mencionados acima servem para demonstrar que, quer queiramos, quer não, estamos diariamente envolvidos com aconselhamento, seja na condição de conselheiros ou de aconselhados. Ainda que nem todos desenvolvam um ministério “oficial” de aconselhamento, a verdade é que aconselhamos a todo o tempo.

A diferença de uma para outra pessoa que aconselha é a base que usam para isso e aí está o principal dos problemas. Como vivemos em uma sociedade psicologizada, conceitos como “autoestima”, “necessidades sentidas” e mais outros tantos focados sempre no ego humano já fazem parte da visão de mundo de muitos crentes que, ao invés de recorrer à infalível Palavra de Deus, dão conselhos baseados em uma visão secular da vida.

Não ande no conselho dos ímpios

Sendo o aconselhamento algo tão presente na vida do ser humano, percebemos que não é sem razão a advertência da Palavra de Deus: “Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores” (Sl 1.1).

Aqueles que não temem a Deus não se preocupam com a sua glória, portanto ao aconselhar não levarão em conta as ordenanças e os princípios bíblicos.

Como exemplo, pense em um dos casos citados no início, mas agora com mais informações. Depois do futebol, um grupo de amigos se senta para beliscar uns petiscos e conversar um pouco. Um deles, o Luís, professor de escola dominical em sua igreja local, afirma que ultimamente tem percebido que não ama mais a esposa como no início do casamento, que o relacionamento esfriou e que eles têm travado grandes discussões. Ele confessa estar muito triste com tudo isso e que tem pensado seriamente no divórcio.

Seu amigo Fábio, que não é crente, querendo ajudar, pondera que sem amor é impossível sustentar o casamento e que se ele não “sentia” mais nada pela esposa, o melhor mesmo era separar, afinal de contas, o importante mesmo é ser feliz.

Qual o problema com esse conselho? Justamente por não levar em conta o Senhor e a sua Palavra, o “conselheiro” focou apenas o resultado que traria “alívio” ao Luís. Para ele não importa qual a visão bíblica sobre o casamento, quais circunstâncias permitem o divórcio, ele também não entende que amor, nas Escrituras, é bem mais que um sentimento, mas uma atitude ordenada pelo Senhor. A única coisa que importa para Fábio é “resolver” o problema do seu amigo e, se Luís der ouvidos ao conselho, estará somente complicando ainda mais a sua vida, por quebrar o padrão estabelecido pelo seu Deus, pois, como afirmou Salomão, “os pensamentos do justo são retos, mas os conselhos do perverso, engano” (Pv 12.5).

Cuide para não dar conselhos ímpios

Outro problema que acontece corriqueiramente diz respeito a crentes dando conselhos ímpios. É bem verdade que todo cristão que se preza não hesita em afirmar que a Bíblia é a sua única regra de fé e de prática, mas, na prática, muitos demonstram não estar muito preocupados com o que foi estabelecido pelo Senhor.

Um episódio bíblico exemplifica perfeitamente essa questão. Abrão foi chamado por Deus para sair da sua terra e ir para uma terra que o Senhor iria mostrar. Deus ainda prometeu que faria dele uma grande nação (cf. Gn 12.1-2). Abrão era casado com Sarai, que era estéril, mas, a despeito disso, o Senhor prometeu que lhe daria um filho. Como se passaram 10 anos e Sarai ainda não tinha engravidado, ela resolveu dar um jeito na situação, tomou sua serva Agar, deu a Abrão para que se deitasse com ela e Sarai se edificasse com filhos por meio dela (cf. Gn 16.2).

O texto afirma que “Abrão anuiu ao conselho de Sarai”. Mesmo sendo uma serva do Senhor, Sarai dá um conselho ímpio e, ao acatar o conselho, Abrão fez de seu lar uma grande confusão, além do fato de ter colocado em dúvida a Palavra do Senhor.

Como servos de Deus, devemos estar bem vigilantes para não cair na cilada de aconselhar de forma ímpia, na expectativa de solucionar os problemas de forma rápida. Não são poucas as vezes que cristãos, sem ter o devido cuidado em avaliar biblicamente as situações, têm servido de instrumento de destruição e não de edificação na vida do próximo.

É necessário agir como se segue.

Aconselhe a Palavra de Deus

Cristianismo e aconselhamento são duas coisas que estão intrinsicamente ligadas. Os membros do corpo de Cristo são chamados a aconselhar, admoestar, repreender, instruir, corrigir, e consolar uns aos outros (Rm 14.4; Cl 3.16; Gl 6.1; 1Ts 5.14).

Para isso, o cristão deve crer que na Escritura Sagrada temos tudo aquilo que é necessário para nossa vida e para a nossa piedade (cf. 2Pe 1.3). O apóstolo Paulo, escrevendo ao jovem pastor Timóteo, afirmou que “toda a Escritura é inspirada por Deus” – e por isso – “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16). Diante disso, o resultado do uso das Escrituras no aconselhamento não poderia ser outro, senão o que Paulo afirma no versículo seguinte: “A fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.17).

Deus nos escolheu antes da fundação do mundo, a fim de sermos conformes à imagem de seu Filho, nosso Redentor, Cristo Jesus (cf. Rm 8.29). Dia após dia ele nos aperfeiçoará, santificando as nossas vidas e o meio que ele usará para isso será sempre a sua Palavra. Ao orar pelos seus discípulos, foi isso que o Senhor Jesus pediu ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17).

Se queremos, portanto, ser eficazes ao cumprir a ordenança de aconselhar uns aos outros, precisamos:

a) Conhecer a Escritura – O apóstolo Paulo exortou Timóteo a que procurasse se apresentar diante de Deus como um obreiro aprovado e que maneja bem a palavra da verdade (cf. 2Tm 2.15). Devemos investir tempo na leitura da Bíblia Sagrada, não simplesmente fazendo uma leitura superficial, mas procurando entender os textos dentro de seus devidos contextos a fim de poder aplicá-los de forma correta às situações que sobrevêm em nossa vida cotidiana.

Foi por entender a importância do conhecimento da Palavra de Deus que o salmista afirmou que o homem bem-aventurado é aquele que o seu prazer “está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite” (Sl 1.2).

b) Praticar a Escritura – Não basta conhecer a Palavra de Deus, é necessário colocá-la em prática. Jesus afirma que aqueles que ouvem a Palavra e não a praticam são insensatos (cf. Mt 7.26). Seu irmão, Tiago, ensina que aqueles que somente ouvem a Palavra e não a praticam enganam a si mesmos (cf. Tg 1.22). Entretanto, continua Tiago: “Aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar” (Tg 1.25).

Podemos e devemos colocar em prática a Lei do Senhor, não por causa da nossa própria capacidade, mas porque contamos com o auxílio daquele que opera em nós o querer e o realizar, conforme a sua boa vontade e, por isso mesmo, nos ordena a desenvolver a nossa salvação (cf. Fp 2.12-13).

A razão de buscar o conhecimento da Palavra (“Guardo no coração as tuas palavras” – Sl 119.11a) não pode ser outra, senão o desejo de honrar o Senhor ao praticá-la (“para não pecar contra ti” – Sl 119.11b).

Devemos ser como Esdras, que dispôs “o coração para buscar a Lei do Senhor, e para a cumprir, e para ensinar em Israel os seus estatutos e juízos” (Ed 7.10). A última das atitudes de Esdras é a que veremos a seguir e que precisamos também fazer.

c) Aconselhar com a Escritura – Vivemos em meio a uma sociedade em que várias vozes querem se fazer ouvir, e dizem saber como entender o homem, resolver seus conflitos interiores e modificar o seu comportamento.

Como afirmou Paulo, devemos ter todo o cuidado para não ser enredados com filosofias e vãs sutilezas que são conforme a tradição dos homens e os rudimentos do mundo e não segundo Cristo (cf. Cl 2.8).

No tempo do profeta Jeremias, falsos profetas confundiam o povo de Israel, “instruindo” o povo conforme os sonhos que diziam ter. O Senhor, por meio de Jeremias, então afirmou: “O profeta que tem sonho conte-o como apenas sonho; mas aquele em quem está a minha palavra, fale a minha palavra com verdade” (Jr 23.28).

Guardadas as devidas proporções, devemos entender que as teorias seculares que tentam explicar o homem e a forma como ele se comporta também acabam instruindo de forma errada. Nessas teorias, o pecado passa a ser visto como doença (ou transtorno) e a responsabilidade pessoal é deixada de lado, pois o problema geralmente está no meio em que se vive ou naquilo que outros fizeram contra nós. O homem, na maioria das vezes, é visto como “vítima”.

É dever da igreja do Senhor fazer ecoar a voz daquele que entende perfeitamente o homem e sabe exatamente qual é a razão de todos os seus problemas. Devemos proclamar a voz do Criador e único capaz de redimir o homem.

Sendo a Escritura suficiente para a vida e para a piedade (cf. 2Pe 1.3), devemos ter a mesma convicção de Davi: “A Lei do Senhor é perfeita e restaura a alma” (Sl 19.7a). O que ele afirma aqui, literalmente, é que a Lei do Senhor traz a alma de volta para Deus.

É por tudo isso que devemos ser diligentes em nossa tarefa de aconselhar uns aos outros, instruindo-nos mutuamente pela Palavra de Deus. A Bíblia deve ser o nosso livro texto para avaliar os problemas e trazer a solução.

Que “habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” (Cl 3.16).

Isso será trabalhoso? Certamente! Mas permaneça firme e inabalável, sendo abundante na obra do Senhor, sabendo que nele o nosso trabalho não é vão (cf. 1Co 15.58).

Artigo escrito para a Revista “Proposta”, da União de Homens Presbiterianos (UPH), publicada pela Editora Cultura Cristã (2º Trimestre de 2013)

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