24 agosto 2023

Elogie em público, corrija em particular

publico-privado

A primeira vez que ouvi esta bobagem foi em um vídeo curto do Mário Sérgio Cortella. Ao falar a respeito de um episódio em que iria corrigir um aluno ele diz que o fez no fim da aula apresentando a seguinte razão: “Você elogia em público, o elogio tem que ser público, mas a correção tem que ser no privado. Porque senão você humilha a pessoa, não corrige. Você não produz nela arrependimento, você produz raiva”.

Afirmo categoricamente que é uma bobagem, pois qualquer leitor que conhece as Escrituras pode facilmente se lembrar do episódio a seguir: “Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe face a face, porque se tornara repreensível. Com efeito, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, comia com os gentios; quando, porém, chegaram, afastou-se e, por fim, veio a apartar-se, temendo os da circuncisão. E também os demais judeus dissimularam com ele, a ponto de o próprio Barnabé ter-se deixado levar pela dissimulação deles. Quando, porém, vi que não procediam corretamente segundo a verdade do evangelho, disse a Cefas, na presença de todos: se, sendo tu judeu, vives como gentio e não como judeu, porque obrigas os gentios a viverem como judeus?” (Gl 2.11-14).

Perceba algo importante! Além de ter repreendido a Pedro na presença de muitas pessoas em Antioquia, Paulo escreveu o fato em uma carta que foi enviada à Igreja dos gálatas. Ou seja, além dos que estavam presentes no momento, irmãos que viviam a cerca de 600 km do local em que houve a repreensão ficaram sabendo do ocorrido. Eu e você, distantes tanto geográfica quanto temporalmente, também sabemos da história.

Assumir como verdade a definição de Cortella implica que Paulo não foi um bom amigo e pode ser até que alguém diga mesmo que a ação de Paulo foi errada. Por isso é importante saber que esta não foi a única vez. Na carta escrita a fim de ser lida na Igreja de Filipos há algo parecido. Imagine a cena! Os irmãos estão reunidos e a carta começa a ser lida. Em certo ponto é dito: “O que eu rogo a Evódia e também a Síntique é que vivam em harmonia no Senhor” (Fp 4.2)

Apesar de não estar presente fisicamente, Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, expõe diante de toda a congregação o pecado destas irmãs, rogando a outro membro da igreja, que ele trata como “fiel companheiro de jugo”, que auxiliasse a reconciliação (Fp 4.3).

Contrariando o que diz Cortella, que chamar a atenção de alguém em público em vez de arrependimento produz raiva, lembro o elogio feito por Pedro, em sua segunda carta, àquele que o repreendeu em público: “e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada” (2Pe 3.15).

Isto mostra o quão real é o que está registrado em Provérbios: “Quem repreende o próximo obterá por fim mais favor do que aquele que só sabe bajular” (Pv 28.23 – NVI) e ainda, “melhor é a repreensão feita abertamente do que o amor oculto. Quem fere por amor mostra lealdade, mas o inimigo multiplica beijos” (Pv 27.5-6 – NVI).

O ensino bíblico, portanto, é diametralmente oposto ao que disse Cortella, mas, infelizmente, já o vi sendo repetido de púlpito por mais de um pregador. Isto mostra que, muitas vezes, a pretensa sabedoria deste mundo tem sido assimilada por cristãos sem o devido cuidado de conferir se há eco na Escritura.

Minha suspeita é que o ensino de Cortella seja acolhido tão prontamente porque ele visa proteger algo que, para o homem, é muito caro: sua reputação. Ser repreendido ou corrigido publicamente, de fato, pode levar à vergonha. É preciso saber, entretanto, que o desejo por uma boa reputação não pode ser maior que o amor à verdade. Erros e faltas públicas podem levar outros ao engano e se a correção ficar apenas no âmbito particular, o faltoso poderá ser edificado (caso dê ouvidos), mas seus ouvintes permanecerão no erro.

Aos leitores presbiterianos eu lembro que este é exatamente o entendimento que temos em nosso código de disciplina (CD/IPB). Nele lemos que “as faltas são de ação ou de omissão, isto é, a prática de atos pecaminosos ou a abstenção de deveres cristãos; ou, ainda, a situação ilícita” (Art. 6º). No parágrafo único deste artigo é dito que “as faltas são pessoais se atingem a indivíduos; gerais, se atingem a coletividade; públicas, se se fazem notórias; veladas, quando desconhecidas da comunidade”.

Caso haja condenação em um processo disciplinar “os concílios devem dar ciência aos culpados das penas impostas: a) por faltas veladas, perante o tribunal ou em particular; b) por faltas públicas, casos em que, além da ciência pessoal, dar-se-á conhecimento à igreja” (Art. 14).

Não caia, portanto, no erro de achar que o elogio é sempre público enquanto a correção é sempre em particular. Há momentos em que admoestações precisarão ser feitas em público por amor ao Senhor, ao faltoso e aos que estão presenciando a falta. Por isso, lembre-se também que o mesmo apóstolo que repreendeu a Pedro publicamente ensinou: “seguindo [lit.: falando] a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo. Dele todo o corpo, ajustado e unido pelo auxílio de todas as juntas, cresce e edifica-se a si mesmo em amor, na medida em que cada parte realiza a sua função” (Ef 4.15-16).

2 comentários:

Anônimo disse...

Palavra maravilhosa, Deus abençoe Pastor.

Anônimo disse...

Quantas falsas compreensões tem aquele que vive a parte da palavra de Deus, dando ouvido apenas a “gurus espirituais”!
Muito boa reflexão pastor!, orientada pela palavra única e verdadeira!