Os cristãos, geralmente, não têm problema em afirmar a suficiência da Bíblia para a salvação. Porém, no que diz respeito às emoções, pensamentos, atitudes e comportamento, não são poucos os que negam a suficiência da Palavra. Prova disso é que a literatura de autoajuda é abundantemente consumida, inclusive entre crentes.
Isso é um claro contrassenso. Se a Escritura é suficiente para “nos tornar sábios para a salvação em Cristo Jesus” (2Tm 3.15) ela tem de ser também suficiente para tratar das nossas emoções e atitudes.
Conceitos e explicações seculares têm tomado cada dia mais espaço dentro da igreja e teorias têm ganhado o “status” de verdades absolutas. Tem sido ensinado de muitos púlpitos, por exemplo, que a maioria dos problemas dos crentes é causada pela falta de amor-próprio, o que é uma ideia totalmente antibíblica. A Escritura nunca ensinou que devemos nos amar, mas, sim, que devemos amar o próximo como já nos amamos (Mt 22.39; Ef 5.29).
Mais ainda, ansiedade virou doença, orgulho, egoísmo e soberba receberam o pomposo nome de “transtorno de personalidade narcisista”, e a cada ano surgem novas síndromes e transtornos que tentam “patologizar” o que a Bíblia chama de pecado. Terapeutas têm tentado ajudar seus pacientes a “viver melhor” ao fazê-los crer que eles não são culpados pelos seus atos, antes, a culpa está na forma como foram criados ou no meio em que vivem.
Cada vez menos os crentes recorrem às Escrituras e aos gabinetes pastorais para aconselhamento bíblico a fim de entender seus sentimentos e comportamento, pois, em seu entendimento, isso não é trabalho pastoral, requer ajuda de um profissional qualificado. David Powlison mostra em um artigo que não é à toa que a igreja tenha sido criticada por dois psicólogos seculares, O. Hobart Mower e Karl Manninger. “Mower perguntou: ‘Será que a religião evangélica vendeu seu direito de primogenitura pela panela de cozido da psicologia?’ Menninger escreveu um livro cujo título soa provocador: Whatever Hapenned of Sin? (O que aconteceu com o pecado?)”[1].
Um caminho melhor
Na contramão de tudo isso, o apóstolo Pedro afirma categoricamente que pelo divino poder de Deus “nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3). Para Pedro, se o homem conhece ao Senhor, ele tem tudo aquilo de que necessita para a vida e piedade. Observe bem, Pedro não diz algumas coisas, mas tudo o que é necessário.
A igreja deve urgentemente voltar os olhos para a Palavra de Deus, que é a maneira que temos de guardar puro o nosso caminho (Sl 119.9). Precisamos crer no que Paulo escreveu à Timóteo, que a Palavra de Deus “é útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e educação na justiça a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16,17). Uma possível tradução para a palavra perfeito é “completo”, ou seja, a Palavra é útil para que o homem seja completo.
O escritor da epístola aos Hebreus demonstra a eficácia da Palavra de Deus ao ensinar: “Porque a Palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração” (Hb 4.12). Perceba que o escritor afirma que a Palavra sonda o mais profundo do nosso ser e revela as intenções do nosso coração.
A Bíblia ensina que o coração é o centro de controle do homem. É em virtude disso que o livro de Provérbios ensina que devemos guardar, sobretudo, o coração, porque dele procedem as fontes da vida (Pv 4.23). É por isso também que o Senhor Jesus, confrontando os fariseus, afirmou que a boca fala do que está cheio o coração (Mt 12.34) e ensinando os discípulos disse que do coração é que procedem os maus desígnios (Mt15.19).
O rei Davi, no Salmo 139, faz um pedido que deve nos servir de exemplo: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno” (Sl 139.24). Ele faz o pedido certo para a pessoa certa. Só Deus pode esquadrinhar o coração (Jr 17.10); e, como vimos, ele o faz por meio da Palavra (Hb 4.12).
Sendo o coração o que controla o homem e sabendo que é a Palavra de Deus que penetra o coração, devemos recorrer a ela, encher o coração dela, ser santificados por meio dela (Jo 17.17). Ela é suficiente para nossa vida e piedade.
Usando a Bíblia corretamente
Quando falamos da suficiência das Escrituras para a vida e piedade é necessário deixar claro que isso implica uma fiel exposição da Palavra.
Ao recorrer à Bíblia para buscar orientação não devemos procurar simplesmente versículos isolados que validem ou invalidem uma determinada prática, mas estudar com seriedade, buscando um entendimento correto do texto dentro de seus contextos. Fazendo assim, teremos mandamentos e princípios que orientarão com precisão a nossa vida.
A falta de um entendimento correto da Palavra de Deus tem levado muitos a duvidar de que ela é capaz de orientar o homem quanto às suas emoções e comportamento, porém, como afirma Mark Dever: “A Palavra de Deus sempre foi o instrumento que Ele escolheu para criar, convencer, converter e conformar o seu povo. desde o primeiro anúncio do evangelho em Gênesis 3.15 até à promessa inicial feita à Abraão, em Gênesis 12.13, bem como até à regulação dessa promessa, por meio de sua Palavra, nos Dez Mandamentos (Êxodo 20), Deus outorgou vida, saúde e santidade ao seu povo por intermédio de sua Palavra.”[2]
Isso torna indispensável ao crente o debruçar-se sobre a Palavra e a busca da iluminação do Espírito a fim de ter um conhecimento correto da Escritura e aplicá-la em todas as áreas da vida.
Conscientes de que vivemos numa sociedade que busca explicar o comportamento humano usando princípios antibíblicos, tenhamos, de fato, a Bíblia como nossa regra de fé e prática e que ao invés de recorrer à sabedoria deste mundo, busquemos o conhecimento da Palavra de Deus enchendo o coração dela.
Certamente o Senhor se agradará e derramará sobre nós suas bênçãos.
[1] David Powlison. Integração ou inundação? In: Religião de Poder. São Paulo: Cultura Cristã, 1998, pp. 166,167
[2] Mark Dever & Paul Alexander. Deliberadamente Igreja. São Paulo: Fiel, 2005, pp. 41,42
1 comentários:
Muito bom texto. Se observamos mais as Escrituras tudo seria diferente com certeza.
Simonton
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