26 abril 2008

Trazendo a Arca? O processo de “judiação” da igreja


Não bastasse o aventureiro Indiana Jones ter descoberto a Arca da Aliança no filme de Steven Spielberg, em 1981, agora os levitas de plantão resolveram trazê-la de volta para a igreja.

Alguns desavisados poderiam logo ligar minhas palavras ao retorno triunfal da Arca para Israel por intermédio do rei Davi, depois de ter vencido os filisteus na história registrada em 2 Samuel 6, mas não é disso que estou tratando.

Vou explicar: já faz um tempo que decidi parar de acompanhar o mercado de música gospel. No início da minha conversão, nos idos de 1993, era um ávido “fã” de tudo o que era lançado no mercado. Acompanhava cada novo “ministério” que surgia até que percebi que a motivação da maioria deles não era piedosa, mas financeira. Essa minha percepção aumentou quando trabalhei em uma rádio gospel.

De lá para cá, o que conheço de canções novas, são as que ouvia na igreja e, do final de 2002 para cá, depois da ordenação ao ministério pastoral, as que os músicos da igreja me passam para que eu avalie a letra e aprove ou não a inclusão na lista de cânticos que entoamos nos cultos.

Ultimamente, porém, um grupo me chamou a atenção. Não conheci primeiramente o grupo, mas uma de suas músicas em um culto de que participei. Gostei do começo da letra, mas quando chegou o refrão escutei: “No santo dos santos, a fumaça me esconde, só teus olhos me vêem.” Fiquei a pensar na ginástica que foi feita na interpretação bíblica para poder cantar algo assim. Eu sei que o escritor de Hebreus insta a que, com intrepidez, entremos no Santo dos Santos, mas ele diz que é pelo novo e vivo caminho, por meio de Cristo Jesus.

Se é assim, o que seria a tal fumaça que esconde o autor da música? Seria a fumaça do holocausto? Não pode ser, pois o sangue era levado para dentro do Santo dos Santos mas o animal era queimado fora do acampamento (Hb 13.11), porém, se foi isso que o autor pensou, ele está invalidando o sacrifício vicário de Cristo, realizado de uma vez por todas na cruz do Calvário. Seria então a fumaça do incenso (1Cr 23.13)? Seria a “fumaça” da glória do Senhor (se bem que a Bíblia usa a palavra nuvem)? Confesso que até agora não consegui chegar a uma conclusão.

Fui pesquisar para saber quem cantava a tal música e, para minha surpresa, o nome do grupo é “Trazendo a Arca”. Vejo que o processo de judaização da igreja (ou seria melhor judiação da igreja?) continua. Já foram trazidos de volta os levitas, já estão tocando no altar, trouxeram o menoráh e o shofar, estão celebrando a festa do tabernáculo, e, agora essa, estão trazendo de volta a Arca.

Uma das melhores explicações sobre a Arca que já li é a de James Boice no livro O Evangelho da Graça. Ele entende que a Arca é uma das mais belas figuras de Cristo no Antigo Testamento. Sabemos que a Arca media cerca de 90 centímetros, era coberta de ouro e foi feita para conter as tábuas da Lei, a vara de Arão e o maná. Sua tampa era chamada propiciatório e em cima havia dois Querubins, um de frente para o outro.

Boice diz que é como se Deus olhasse de cima para a Arca e, entre os Querubins, visse a Lei que foi quebrada por cada homem. Esta visão só traz condenação ao homem. Porém, uma vez por ano, no dia da expiação, era feito o sacrifício de um animal e o sangue era aspergido sobre o propiciatório. Agora, quando o Senhor olha par a Arca não vê mais a Lei, mas o sangue da vítima inocente que foi derramado. A propiciação foi feita e Deus salvaria todos aqueles que fossem a ele pela fé naquele sacrifício.

Por mais bela que seja essa descrição, esse tempo se passou. O escritor de Hebreus afirma que tudo isso era figura e sombra das coisas celestes (Hb 8.5). Ele mostra nos capítulos 9 e 10 que Cristo cumpriu plenamente o que era figura e agora temos o que é real. O apóstolo João corrobora este pensamento quando afirma que “ele é a propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 2.2).

Não temo em afirmar que, quando a igreja, mesmo sem pensar nas implicações, assimila as idéias descritas acima, está pecando contra o Senhor. Afinal de contas, não era isso que estava acontecendo na igreja dos gálatas? Eles não estavam sendo influenciados para voltar aos rudimentos da lei, cumprindo as ordenanças cerimoniais? Os judaizantes não estavam fazendo pressão para que os irmãos se submetessem novamente àquilo que era sombra? Não foi esse o motivo de Paulo ter resistido a Pedro face a face?

O apóstolo Paulo foi então categórico ao afirmar que, se eles mesmos ou ainda um anjo do céu pregasse um evangelho que fosse além daquele que os gálatas haviam recebido, fosse considerado maldito (Gl 1.6-9).

Por mais impressionantes, por mais belos, por mais pirotécnicos que sejam esses movimentos, a igreja de Cristo deve rejeitar tais idéias e quaisquer outras que queiram “roubar” a glória da cruz e a simplicidade do evangelho do nosso Senhor Jesus Cristo.

Roguemos a Deus que nos dê discernimento para julgar todas as coisas, à luz da Escritura.

14 comentários:

Anônimo disse...

Rev. Milton Jr., mais uma vez o parabenizo, não só pelo artigo postado, mas também pela coragem de expor o que muitos "guardiões" da doutrina deveriam defender e não o fazem.
Vivemos em meio a um grande incêndio que tem atingido em cheio as sãs doutrinas, e elas foram atingidas porque foram esquecidas. É tempo de ensinar ao povo Deus, para que ele não aceite todo e qualquer vento de doutrina espalhado por falsos mestres; e com isso ir de encontro à Palavra de Deus.
Parabéns Rev. Milton Jr., continue firme nesse propósito de servir a Deus informando e ensinando o povo de Deus.
Estamos lhe aguardando aqui na IP F. Noronha, para o seminário sobre doutrina reformada.

Fraternalmente,

Rev. Raimundo Soares
IP Fernando de Noronha

Anônimo disse...

Milton, obrigado por seu artigo. Demonstra sua correta preocupação com o momento cristão atual do nosso país, onde muitos se arrogam autoridade na igreja mas sem a profundidade ou conhecimento devidos da base e verdadeira autoridade, a Palavra, que é a fonte de fé. Obrigado também porque o artigo nos dá acesso a informações oportunas acerca desta Palavra. Deus continue a abençoá-lo e a usá-lo. Grande abraço, Dráusio.

Anônimo disse...

Rev. Milton,

"matou a pau" neste artigo. Pelo menos esse grande equívoco eles estão cometendo, isto é, talvez eles não meçam tudo o que eles estão evocando: a "maldição da lei". Pois uma vez que eles recuperam um ou outro preceitos da lei já abolido em Cristo, terão que, por coerência, assumir tudo o que ela implica e voltar a todas às suas práticas antigas. O que eles fazem certamente não se enquadra no que conhecemos por "teonomismo".

Abraços,
Mauro F.F.

Milton Jr. disse...

Revs Raimundo, Dráusio e Mauro,

Obrigado pelos comentários. De fato estamos vivendo em meio a uma confusão muito grande, por conta dos tais "levitas" e de suas tentativas de ser "bíblicos", mas sem avaliar com cuidado os textos bíblicos a que fazem referência.
É triste também notar que muitos compram essas idéias sem uma reflexão sobre aquilo que está sendo ensinado.
grande abraço e obrigado e, mais uma vez, obrigado pela visita.

André Scordamaglio disse...

Rapaz,

E não é que eu sou tachado de chato quando leio uma letra e reprovo cantarmos na equipe de louvor?

Porque será que a maioria dos protestante-reformados brasileiros tem uma vontade absurda de cantar coisas teológicamente ruins?

E essa fumaça aí da música é porque o autor sim é um "fumaça"... =P

Abraços Reformados

Ashbel Simonton Vasconcelos disse...

Rev Milton, depois de muito "navegar por oceanos", "fazer chover", "mergulhar no rio" e coisas desse tipo, o modelo está ficando velho e surrado, o jeito é partir pra coisas ´mais profundas´ e a bola da vez é o judaísmo como vc muito bem colocou. É o evangelicalismo da euforia fruto de um oceano de decibéis e ritmos e letras que nada dizem (quando não dizem heresias), mas isentos de uma pregação que confronta pecados e aponta para Jesus pelo caminho das lágrimas do arrependimento (Mt 4.17, 3.2, At 17.30). Dessa forma cativa-se facilmente multidõe$$$$, e dizem que os números representam a aprovação de Deus. Deveriam ler Mat 7.22.
Parabéns pelo blog e pela sua reeleição na Ig Presb de Praia do Canto.
Ab
Pb Simonton

Gilmar Araújo disse...

Valeu, Miltinho, ótimas observações. A Praia do Canto será abençoada pelo seu ministério de atalaia.

Que o ETERNO o mantenha cativo à Palavra e sua correta interpretação.

Bem perspicaz o trocadilho 'judiação' (rsrsrsrs)

Abraços,


Gilmar

Milton Jr. disse...

André,
É salutar essa sua preocupação com o que cantamos. Parece que o que importa para muitos não é tanto o conteúdo, mas a melodia das músicas. Continue firme no seu posicionamento.

Simonton,
Creio que não existe solução para o mercado gospel. O que podemos e devemos fazer é ensinar, pelo menos nas igrejas locais, a fim de habilitar os irmãos a serem mais criteriosos com o que ouvem e cantam.

Gilmar,
Essa é mesmo a minha percepção. É uma judiação o que se tem feito com a igreja de Cristo. Meu consolo é que, mesmo com tudo isso, o Senhor continuará santificando os seus e guiando a toda a verdade.

grande abraço a todos.

vrocha disse...

Rev. Milton,
Eu ainda não tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, mas quero lhe parabenizar pelo conteúdo do texto postado. Há muito tempo que tenho me preocupado com a motivação e o rumo que a música "evangélica" tem tomado. Precisamos mesmo instruir nossas igrejas para que tenham o discernimento correto nesta área.
Abs,
Presb. Bel. Valmir Rocha

Milton Jr. disse...

Valmir,
Obrigado pela visita. O trabalho de instrução das igreja nesta área é demorado, e, em muitos casos, bastante desgastante, mas creio que não há outro meio de conseguir êxito. Continuemos a ensinar e a rogar para que o Espírito do Senhor guie-nos sempre à toda a verdade.
Grande abraço.

Jônatas Abdias de Macedo disse...

Meu caro Milton, A fumaça a que o autor se referia é a fumaça exalada do "picar do fumo". Outra explicação não há se não a triste constatação que enfumaçar a verdade seja o objetivo final de músicas malfadas como a que estás a critcar (que, pela graça de Deus fui poupado de ouvir).
Parabéns pelas perspicazes comparações e tiradas; realmente belos insights!
É como eu sempre digo: a confuzão é tamanha que ora quase queimam de tanto fogo, ora se afogam nos rios que saem dos mais diferente afluentes... E agora, trazendo a arca, já estivem em Barretos... Trouxeram a arca, mas não era a da aliança...
abcs fraternos

Anônimo disse...

Pastor Milton, quero parabenizá-lo pela iniciativa do blog,isso é pra mentes brilhantes como o senhor.
E com respeito ao artigo da arca, você tem toda razão, precisamos pessoas assim a frente de nossa igreja, centrados na palavra.
Forte abraço.
Helinho IPB Vila Cléo

Ewerton B. Tokashiki disse...

Parabéns pelo artigo.

um abraço,
Pr Ewerton B. Tokashiki

Weverson disse...

Rev. Milton,
Infelizmente no contexto da igreja atualmente, muitos desvios doutrinários surgem constantemente,
devido a falta de conhecimento da Palavra de Deus. Isso tem destruído o povo de Deus, que tem se deixado levar por tantos modismos neopentecostais e deturpações do Evangelho da Graça de Cristo.
Mas graças a Deus que Ele sempre preserva remanescentes ,fiéis e comprometidos com sã doutrina que foi entregue aos santos.
Sola Scripturae !!!