31 março 2020

Saudades do culto solene

“Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita. Apegue-se-me a língua ao paladar, se não lembrar de ti, se não preferir eu Jerusalém à minha maior alegria”.

Salmo 137.5-6

O contexto do texto acima, claro, é diferente do nosso. Levado ao cativeiro, o povo de Deus ouvia os deboches dos seus opressores. Conforme Joel Beeke, os cânticos que eles pediam que fossem entoados, “segundo a definição mais aceita, são os salmos que começam com a palavra ‘Aleluia’. Eles falam da grandeza de Jerusalém, de Sião, do templo ou da proteção que o povo de Deus encontrava nele”[1]. Agora, os mesmos que arrasaram a Sião pediam ao povo que cantasse a respeito da grandeza da cidade e do seu Deus, certamente um grande escárnio.

É preciso saber disso a fim de compreender as duras palavras de imprecação, proferidas no final do salmo, que pediam a Deus que desse o pago aos inimigos pelo mal que haviam feito a eles. A oração é um clamor pela justiça de Deus, pois o que estava em jogo era o povo de Deus que, se exterminado, não veria cumprida a promessa de redenção, da parte do Senhor.

Mas meu ponto hoje diz respeito ao ajuntamento solene do povo de Deus. É bem verdade que estamos distantes desse contexto de guerra e perseguição que vivia o povo de Deus na antiga aliança, entretanto, certamente estamos junto deles no sentido de que também nos encontramos privados do culto solene, em decorrência da pandemia que assola o mundo.

Pense você o que quiser pensar a respeito da verdade ou não da epidemia, se o vírus é ou não tudo isso que dizem, se ela é ou não orquestrada por interesses político-econômicos, se a mídia está ou não em campanha para provocar a histeria, a verdade é que tudo isso está debaixo do governo de Deus, que soberanamente usa todos os atos bons ou maus, dos homens bons ou maus, para providencialmente cumprir a sua vontade.

Diante disso, a pergunta é: como você se sente ao estar sem o culto solene do Dia do Senhor? Atente bem à expressão do salmista: “Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita. Apegue-se-me a língua ao paladar, se não me lembrar de ti, se não preferir eu Jerusalém à minha maior alegria”. É preciso lembrar o que o templo que estava em Jerusalém significava para o povo de Deus. Ali estava o símbolo da presença de Deus no meio do povo.

É por causa disso que temos expressões como “uma coisa peço ao Senhor, e a buscarei: que eu possa morar na Casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do Senhor e meditar no seu templo” (Sl 27.4), ou “eu amo, Senhor, a habitação da tua casa e o lugar onde tua glória assiste” (Sl 26.80), ou ainda, “quão amáveis são os teus tabernáculos, Senhor dos Exércitos! A minha alma suspira e desfalece pelos átrios do Senhor; o eu coração e a minha carne exultam pelo Deus vivo!” (Sl 84.1-2).

Alguns podem objetar neste ponto, dizendo que os textos se referem ao templo e que hoje não temos mais necessidade dele, pois insistir com a figura do templo seria voltar às sombras. É claro que concordo que não temos mais o templo e que o espaço que a igreja usa para adoração, chamada por muitos de templo, não tem a mesma característica do Templo no Antigo Testamento, pois o culto ao Senhor não está restrito a um lugar, como afirmou Jesus à mulher samaritana (Jo 4).

Estou em acordo com Bannerman que escreveu:

Sem dúvida nenhuma é verdade que o Espírito de Deus habita em cada crente de forma individual, fazendo da alma e corpo deles o seu templo, e glorificando o lugar da sua presença com todas as graças celestiais e santas. Mas, acima e além disso, num sentido mais elevado que não se pode aplicar a nenhum crente de forma individual, o Espírito de Deus faz a sua habitação na igreja, enriquecendo-a com toda a plenitude de vida e poder e privilégio que nenhum crente pode receber ou conter individualmente[2] (grifos meus).

Sobre esta igreja Bannerman diz ainda que

as Escrituras nos asseguram que há uma igreja que é a santa Noiva de Cristo, unida a ele por um pacto eterno — uma associação que ele chama de seu corpo espiritual, do qual ele é o Cabeça exaltado — uma comunidade descrita como “templo do Espírito Santo”, cujos membros são “pedras vivas e espirituais” usadas na sua construção[3].

Ou seja, onde está o povo de Deus reunido em obediência à santa convocação para o culto do Dia do Senhor, ali está o Templo de Deus! Logo, você precisa olhar para todos os textos do Antigo Testamento em que o povo ansiava pelo templo, ou pela Casa do Senhor, entendendo que o princípio permanece: O ajuntamento para a adoração ao nome do Senhor é algo pelo que os cristãos precisam ansiar!

Em tempos de isolamento, os cristãos devem clamar ao Senhor que muito em breve conceda a bênção do retorno àquilo que lhes deveria ser mais caro, o ajuntamento do povo de Deus a fim de prestar culto ao seu nome!

O lamento do salmo 137 ecoa o de Jeremias, que escreveu: “Os caminhos de Sião estão de luto, porque não há quem venha à reunião solene (Lm 1.4). A Igreja do Antigo Testamento sabia e a Igreja neotestamentária tem de ter esta mesma convicção de “como é bom e agradável viverem unidos os irmãos”, pois, “ali [no ajuntamento] ordena o Senhor a sua bênção e a vida para sempre” (Sl 133).

Louvemos a Deus pelos recursos tecnológicos que temos hoje, que têm permitido que a Palavra de Deus chegue aos lares dos crentes que podem cultuar de forma doméstica neste tempo em que as autoridades orientam a evitar as aglomerações, mas não pensemos que o culto doméstico se equipara ao culto solene ordenado pelo Senhor, quando a Igreja, composta de várias famílias redimidas por Jesus Cristo, bendizem juntas o seu Salvador, compartilham dons e participam dos sacramentos.

Sobre isto, atentemos ao que ensina a Confissão de Fé de Westminster, padrão de fé para os presbiterianos:

Agora, sob o Evangelho, nem a oração, nem qualquer outro ato do culto religioso é restrito a um certo lugar, nem se torna mais aceitável por causa do lugar em que se ofereça ou para o qual se dirija, mas Deus deve ser adorado em todo lugar, em espírito e em verdade, tanto em família, diariamente, e em secreto, estando cada um sozinho, como também, mais solenemente, em assembleias públicas, que não devem ser descuidadas, nem voluntariamente desprezadas nem abandonadas, sempre que Deus, pela sua providência, proporcione ocasião. (CFW XXI.VI).

Minha oração é para que o povo de Deus aprenda a valorizar cada vez mais o ajuntamento solene, não o deixando por quaisquer descuidos. Que o Senhor, muito em breve, permita que a sua Igreja possa voltar a se reunir, para a sua própria glória e louvor!


[1] Bíblia de estudo Herança Reformada

[2] Bannerman, James. A Igreja de Cristo. Os Puritanos. Ed. Kindle

[3] [3] Bannerman, James. A Igreja de Cristo. Os Puritanos. Ed. Kindle

1 comentários:

Fátima Barros disse...

Que Deus aviva em nós o desejo de estar mais na Sua presença.