O tema da idolatria é visto de forma abundante nas Escrituras. Quando Deus criou o homem, o fez um servo. Como servo ele deveria obedecer, temer, adorar, buscar satisfação, alegria, segurança, identidade, etc., no Senhor. Creio que isso foi bem colocado pelos teólogos de Westminster no Breve Catecismo, quando perguntaram: “Qual é o fim principal do homem?” e responderam: “O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre” (pergunta 1).
Ocorre que o homem foi posto à prova a fim de testar seu amor a Deus. O Senhor concedeu a ele tudo, menos provar da árvore do conhecimento do bem e do mal sob pena de morrer caso desobedecesse (Gn 2.16,17). O fim da história todos sabemos, o homem pecou e foi expulso do jardim do Éden.
Quando observamos a tentação percebemos a sutileza da serpente. Depois de questionar a bondade de Deus insinuando que ele não dava o que eles mereciam (“É assim que Deus disse: não comereis de toda árvore do jardim?” – Gn 3.1) e ouvir da mulher que Deus os tinha privado apenas da árvore do conhecimento do bem e do mal, a serpente afirmou que era certo que não morreriam. A razão da proibição, disse ela, é que Deus não queria “concorrência”, pois se provassem do fruto eles seriam como Deus, conhecedores do bem e do mal. O que estava em jogo aqui era a autonomia que teriam. Não seria mais preciso servir ao Senhor e buscar nele satisfação, alegria, segurança, identidade, etc., pois eles mesmos seriam deuses.
A idolatria se caracteriza em buscar em coisas, pessoas ou em si mesmo aquilo que só pode ser encontrado no Senhor. É idolatria, portanto, fazer nossa vontade em vez da do Senhor e buscar o nosso reino em vem do Reino de Deus, daí o Senhor ordenar aos que queriam segui-lo que negassem a si mesmos (Mt 16.24).
Muitos acham que a idolatria está restrita ao fazer imagens de escultura e prestar culto a elas, como está ordenado no segundo mandamento (Êx 20.4-6) e nisso já vemos o caráter astuto da idolatria. O pensamento é: “Se não me dobro diante de imagens, não sou um idólatra”. Porém, estes esquecem que antes disso o Senhor também ordenou: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3). Ou seja, a idolatria “escultural” ou “iconográfica” é somente o desdobramento da idolatria que acontece no coração.
Isso se comprova quando vemos o Senhor reprovando, por meio do profeta Ezequiel, os homens que levantavam ídolos em seu coração (Cf. Ez 14.4-11) e quando João termina sua primeira epístola exortando: “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos” (1Jo 5.19), mesmo não tendo falado uma vez sequer em “imagens de escultura”, mas falando abundantemente sobre amar a Deus e não ao mundo e sobre cumprir os mandamentos do Senhor.
Diante disso, alguns podem pensar: “Então basta cumprirmos os mandamentos que estaremos livres da idolatria”. Eu diria talvez, e isso também por causa do caráter astuto da idolatria. Se cumprimos os mandamentos como expressão de amor e submissão a Deus, estamos agindo corretamente, mas infelizmente a idolatria pode transformar ações que seriam corretas em pecado.
Pense como muitas vezes nos enganamos! Quando conhecemos alguém que não contribui financeiramente com a igreja, entregando seus dízimos e ofertas, pensamos rapidamente que se trata de um sovina, de alguém que ama demais o dinheiro. Por outro lado, quando conhecemos um dizimista fiel e pontual em sua oferta, pensamos logo que se trata de um irmão fiel, que ama a Cristo. O problema é que ambos podem amar mesmo é o dinheiro, somente agem de forma distinta. O primeiro ama tanto que não se importa com a ordenança bíblica para as contribuições, já o segundo ama tanto que tem medo de que Deus o amaldiçoe tirando os outros 90% e essa é a única razão para a contribuição.
Pense ainda em alguém que é ultrajado e não se vinga. Esse poderia ser um exemplo de alguém que cumpre o mandamento de não se vingar (Rm 10.18), exceto pelo fato de sua motivação não ser dar lugar à ira de Deus, como ordenado no versículo 19, mas demonstrar como ele é superior ao outro, não se rebaixando ao fazer o mesmo. Nos dois casos a idolatria se caracteriza pelo amor ao dinheiro, ao ego ou à reputação, mais que a Deus.
Pensando em exemplos bíblicos poderíamos citar o desejo de Raquel por um filho. Esse desejo, que em si mesmo não seria pecaminoso, tornou-se um ídolo quando ela achou que dependia disso para ser realizada, ao dizer a Jacó: “Dá-me filhos, senão morrerei” (Gn 30.1), ou Moisés, que diante da possibilidade de ser visto como um líder negligente pelo povo, pediu a Deus: “Se é assim que me tratas, mata-me de uma vez, eu te peço, se tenho achado favor aos teus olhos; e não me deixes ver a minha miséria” (Nm 11.15), demonstrando que amava mesmo era a sua reputação, ou ainda o fariseu da parábola contada em Lucas 18.9-14, que cumpria a lei confiando em sua própria justiça diante de Deus e se achando mais digno que o publicano.
Temos de concordar com Calvino. O coração do homem é, de fato, uma fábrica de ídolos. Tendo a idolatria esse caráter astuto, devemos rogar ao Senhor que guarde nossos corações e mentes em Cristo Jesus enquanto vigiamos e, pela Palavra de Deus, sondamos nosso coração a fim de verificar se aquilo que fazemos tem mesmo por fim a glória de Deus.
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