19 fevereiro 2015

Sobre guerra e paz

Reinos são estabelecidos por meio da guerra. Referindo-se à sua morte, o Senhor Jesus afirmou: “Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso (Jo 12.31). O Senhor Jesus colocou fim à guerra ao esmagar a cabeça da Serpente, vencer o pecado, matar a morte e estabelecer a paz entre Deus e todo aquele que crê e é recebido como súdito em seu reino.

O problema é que, mesmo após sermos recebidos no reino de Deus, muitas vezes paramos de trabalhar para este reino e tentamos edificar o nosso próprio reino. A consequência é que, inevitavelmente, estaremos em guerra com todos aqueles que se opuserem a nós, pois, como já foi dito, reinos são estabelecidos por meio da guerra.

Assim, não é difícil entender porque diversas vezes estamos em guerra com o cônjuge, com os filhos, com os pais, com o vizinho, com o companheiro de trabalho, etc. Sempre que estamos em conflito é porque entendemos que nosso reino está em perigo. Ou “nossos direitos” estão sendo negados ou “nossas leis” estão sendo descumpridas, então, partimos para o ataque.

Nunca vi ninguém brigar em benefício do outro que está envolvido na discussão. Há poucos anos recebemos em casa a visita de um pastor amigo juntamente com sua esposa e duas filhas. Minha filha Fernanda ficou muito feliz com duas amiguinhas em casa. A mais velha se chama Alana e a mais nova, da idade de minha filha, Riane. É claro que, vez por outra, elas brigavam por alguma coisa e uma das brigas da mais nova com a minha filha envolvia o ciúme pela irmã mais velha. Riane olhou para Fernanda e disse brava: “A Alana é minha irmã!”. Minha filha, para não ficar para trás, respondeu no mesmo tom: “Não! Ela é SUA irmã!”, e ficaram as duas reafirmando, cada vez mais bravas, a mesma coisa.

Aparentemente essa história demonstraria o oposto do que estou afirmando, e que minha filha brigava “em benefício” da Riane, visto que ela estava afirmando exatamente o que foi alegado primeiramente pela amiguinha, mas é bom pensar no que estava acontecendo, de fato, ali. Enquanto eu via a cena, que mais parecia conversa de doido, e achava graça da briga sem sentido, fiquei a pensar em quão orgulhosos somos e o quanto estamos dispostos a lutar pelo nosso reino. Em seu orgulho, cada uma delas defendia com afinco o seu “ponto de vista” e, por mais que estivessem dizendo a mesma coisa, brigavam para ter a palavra final na discussão. Em meu reino, a palavra final é sempre minha!

Tiago, em dos textos mais bélicos que temos na Escritura, definiu bem essa questão. Ele começa perguntando: “De onde vêm as guerras e contendas que há entre vocês?” – e logo responde – “Não vêm das paixões que guerreiam dentro de vocês? Vocês cobiçam coisas, e não as têm; matam e invejam, mas não conseguem obter o que desejam. Vocês vivem a lutar e a fazer guerras. Não têm porque não pedem. Quando pedem, não recebem, pois pedem por motivos errados, para gastar em seus prazeres. Adúlteros, vocês não sabem que a amizade com o mundo é inimizade com Deus? Quem quer ser amigo do mundo faz-se inimigo de Deus (Tg 4.1-4 – NVI).

Perceba que é muita guerra num texto só! Em suma, o que Tiago está ensinando é que quando amamos o mundo nos fazemos inimigos de Deus. Daí o que determina nossas ações não é mais Deus e seu reino, mas os nossos próprios desejos. Logo, em nome de nossos desejos (paixões) estabelecemos a guerra, cobiçamos, matamos, invejamos, vivemos a lutar. Estamos tão preocupados em edificar nosso reino, segundo nossa vontade, que sequer pedimos a Deus e, quando pedimos, não recebemos exatamente por estarmos com o foco no reino errado.

Se vivermos como súditos do reino de Deus faremos o possível, no que depender de nós, para estabelecer a paz (Rm 12.18). Se vivermos como soberanos do nosso reino, facilmente declararemos guerra. Assim, se alguém vive como súdito do reino de Deus e é ofendido pelo vizinho, dará a outra face (Mt 5.39); se vive para si mesmo, revidará a ofensa. Se um marido que está com o foco no reino de Deus se vê privado pela esposa de algo que ele entende ser seu direito, deixará também a capa (Mt 5.40); se o foco for seu reino, lutará por seus direitos. Se uma mãe comprometida com o reino de Deus tiver que instruir pela milésima vez a um filho desobediente, andará a segunda milha (Mt 5.41); se estiver comprometida apenas com seu reino, ou o deixará de lado ou o castigará com ira pecaminosa.

Nesse ponto você pode dizer, “mas é muito difícil viver assim!”, e a única coisa que posso honestamente responder é que você está com toda a razão. É de fato difícil, ou mesmo impossível, se você tentar lutar com suas forças. Contudo, a graça de Deus que é sempre abundante sobre todos aqueles que estão incluídos no corpo de Cristo, nos capacita a viver da forma como o Senhor ordenou. Em Cristo temos tudo o que necessitamos para a vida e para a piedade (2Pe 1.3).

O chamado cristão, em certo sentido, é sim para a guerra, entretanto, a guerra é contra a nossa própria vontade, nossa carne. O Senhor Jesus afirmou que os que o seguem devem negar a si mesmos (Lc 9.23) e Paulo ordenou aos colossenses que fizessem morrer (isso é guerra!) a sua natureza terrena (Cl 3.5). Devemos e podemos fazer isso, pois não lutamos sozinhos. Paulo afirmou aos romanos que, “se, pelo Espírito” eles mortificassem os feitos do corpo, viveriam (Rm 8.13).

“Ele morreu por todos, para os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2Co 5.15), escreveu o apóstolo aos coríntios, e à medida em que vivemos cada vez mais para ele e não para nós mesmos conseguiremos seguir “a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14).

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