26 fevereiro 2015

Convicção, alegria e esperança

Ainda me recordo bem do dia em que conheci Marília (nome fictício, porém, história real). Ela veio à igreja numa quarta-feira, dia de estudo bíblico, e assentou-se mais atrás. Após o estudo perguntou se poderia conversar um pouco comigo e fomos até o gabinete pastoral.

Sua história era triste. Apesar de frequentar uma igreja evangélica durante bastante tempo, chegou completamente cética, triste e sem esperança. A razão? Marília havia sido diagnosticada com câncer há um tempo e iniciado o tratamento, mas o interrompeu por acreditar que havia sido curada. É claro que ela não chegou a essa convicção sozinha. Um dos pastores da igreja em que era membro havia orado por ela e declarado que o Senhor havia retirado a terrível doença. Com isso ela ficou muito alegre e grata a Deus e, pela fé, interrompeu a medicação.

O problema é que, após um tempo, os sintomas persistiam. Ela voltou então à sua médica que fez novos exames e a mostrou que a doença permanecia. Marília não podia acreditar. Como Deus poderia ter feito isso com ela? Essa situação fez com que ela começasse a questionar a existência de Deus e, sem esperança, vivia triste.

Essa história é mais comum do que se imagina. Diariamente muitas pessoas são levadas a acreditar, diferente do que a Bíblia ensina, que crentes nunca vão sofrer com as intempéries da vida. A “teologia” da prosperidade, também chamada de confissão positiva, ensina que aqueles que creem em Jesus terão prosperidade financeira e cura, bastando para isso ter fé. Marília havia aprendido isso e, agora, estava decepcionada com Deus, pois mesmo tendo fé não havia sido curada.

Quando alguém chega com essa convicção, a primeira coisa que deve ser feita é demonstrar que esse não é o Deus da Bíblia. Caminhamos então, em algumas sessões de aconselhamento, olhando para as Escrituras a fim de que ela compreendesse que o deus em que ela estava confiando não passava de um ídolo, ainda que tivesse sido apresentado como o Deus verdadeiro. Sim! O Senhor Jesus foi enfático: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva” (Jo 7.36). A crença em um Jesus diferente do que a Bíblia ensina, não passa de uma crença em um falso deus. Marília não poderia estar decepcionada com o Deus verdadeiro pelo simples fato de que, a despeito de a Bíblia relatar que o Senhor curou várias pessoas, não há uma promessa sequer de que isso se daria com todos os crentes (Lc 4.27; Gl 4.13; 1Tm 5.23; 2Tm 4.20).

Apesar de entender que Deus não era o responsável pelo falso anúncio de sua cura e que, de fato, estava crendo em Deus de forma errada, permanecia a tristeza e a falta de esperança. A doença estava ali, tomando pouco a pouco seus órgãos e não havia perspectiva de um “final feliz”, pelo menos por parte da medicina.

Um pequeno parêntese: Até mesmo cristãos que não creem na “teologia” da prosperidade acabam, muitas vezes, oferecendo falsa esperança em casos como esse, limitando-se, ao aconselhar ou visitar o enfermo, a dizer “vai dar tudo certo”. Aos ouvidos do enfermo isso geralmente soa como: “Você vai sair dessa”, o que não é sempre verdadeiro.

É claro que crentes conservadores continuam crendo que Deus pode curar (ou pelo menos deveriam crer), mas é preciso lidar de forma bíblica com a realidade da morte, pois esse é, em muitos casos, o caminho natural.

No caso de Marília essa era uma realidade. Como, então, cultivar esperança em um coração aflito pela realidade da morte? Foi preciso olhar novamente para as Escrituras e aprender que o Senhor, o nosso Pastor, não prometeu nos livrar do vale da sombra da morte, mas que estaria conosco ali (Sl 23.4). O Senhor Jesus reafirmou a realidade de sua presença quando disse que estaria conosco todos os dias, até a consumação dos séculos (Mt 28.20). Vimos também como o apóstolo Paulo ansiava em estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor (Fl 1.23).

Olhamos ainda para 1Tessalonicenses 4.13-18. Que texto maravilhoso! Paulo começa falando que não podemos ser ignorantes (sem conhecimento) com respeito aos mortos, exatamente para não nos entristecermos como os demais, que não têm esperança. E, após isso, Paulo não diz que eles não morreriam, mas que da mesma forma que o Senhor ressuscitou, aqueles que creem também ressuscitarão no último dia. A morte não é o destino final. Ou seja, as palavras de consolo de uns aos outros, ordenadas pelo apóstolo, não são: “Deus vai nos livrar da morte”, mas “ressuscitaremos com Cristo e viveremos para sempre com ele”.

Foram alguns encontros que tivemos, estudando a respeito da esperança bíblica. A cada encontro, Marília estava mais debilitada. Seu corpo já cheirava mal, corroído pela terrível doença, mas a cada visita que eu fazia para estudar a Palavra, ao chegar, a encontrava cantando louvores a Deus e com um sorriso no rosto! A tristeza que havia em seu coração foi substituída pela alegria de pertencer a Cristo e de estar segura nele.

O último texto que estudei com ela foi o da segunda epístola a Timóteo 4.7-8: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda” (2Tm 4.7-8). Confesso que ao abrir a Bíblia para ler, estava temeroso pela reação de Marília, contudo, o que ouvi ao final do texto foi: “eu creio nisso, pastor”.

Quando Marília faleceu eu estava viajando e não pude ir ao seu sepultamento, mas antes disso ela já havia se tornado membro da igreja e estava convicta, alegre e cheia de esperança, apesar das circunstâncias, pois aprendeu que “se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co 15.19).

Louvo a Deus por me ter feito conhecer a Marília e, mesmo imperfeito que sou, ter sido usado como instrumento de edificação em sua vida. Agradeço também por meu crescimento, pois a cada visita que fazia eu saia de sua casa ainda mais convicto a respeito da benevolência do Salvador, da certeza de que ele certamente completa a boa obra que começa em seus filhos, aperfeiçoando-os a cada dia, da autoridade e da suficiência das Escrituras, que são a única fonte para o conhecimento completo de Cristo, que nos doa tudo aquilo que é suficiente para a vida e para a piedade (2Pe 1.3).

Oro para que o Senhor abençoe a cada um de nós, que fazemos parte do seu povo, mantendo-nos também convictos, alegres e esperançosos, sabendo que um dia estaremos todos juntos com o Senhor que “enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Ap 21.4).

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