21 fevereiro 2018

Basta fazer com excelência? - Breve análise da afirmação de Tim Keller sobre a adoração

Resultado de imagem para louvor tim kellerEsta semana, lendo um livro do Pr. Tim Keller (pastor presbiteriano nos Estados Unidos com vários livros traduzidos para o português) em parceria com mais três autores (Carson, Hughes e Ashton), deparei-me com a seguinte informação:

“Muitas vezes incluímos músicos não cristãos em nossos cultos que têm dons e talentos maravilhosos. Não os usamos como solistas, mas os incorporamos aos nossos conjuntos. Acreditamos que isso se encaixa em uma ‘visão de mundo e vida’ reformada. A visão dualista em muitas igrejas evangélicas é que um cristão piedoso e sincero que seja um músico mediano será mais agradável a Deus do que um músico profissional não cristão”[1].

A pressuposição de Keller, que recentemente pode ser notada também em muitos cristãos, é de que a “graça comum de Deus”, responsável pelos dons que são dados indistintamente a cristãos e não cristãos, habilita um não cristão (até mesmo um ateu) a tomar parte ativa no culto e, ainda mais, que a música executada por esse não cristão, se feita com excelência, é mais agradável a Deus que a música de um músico cristão mediano. Afinal, se quem deu o dom ao não cristão foi Deus, a execução do dom é adoração ao Senhor, quer queira quem o executa, quer não.

Analisando pelo ensino confessional presbiteriano

Há problemas realmente sérios nesta visão do Keller. O primeiro, mas não o principal, é uma extrapolação daquilo que é entendido como “graça comum”. Conquanto seja verdadeiro que não haja dom que não proceda de Deus (Tg 1.17), isso não pode ser critério para a participação no culto cristão. Se pode, o que impede de termos um ateu, excelente em retórica, sendo bem pago para pregar o sermão preparado por um pastor piedoso, mas que não é tão excelente assim em retórica? Isso beira ao ridículo, eu sei.

Mas há outras questões sérias a se pensar. Esta visão de Keller faz da “excelência na execução” da música a mediadora para que Deus aceite a adoração, retirando o papel exclusivo de mediação que pertence ao Senhor Jesus Cristo.

Como presbiteriano que sou, creio no que está expresso nos documentos de Westminster. Na resposta à pergunta 42 do Catecismo Maior, lemos que em seu papel de Mediador Jesus exerce “as funções de profeta, sacerdote e rei da sua Igreja”. Como sacerdote Cristo ofereceu “a si mesmo uma vez em sacrifício, sem mácula, a Deus, para ser a reconciliação pelos pecados do seu povo, e fazendo contínua intercessão por ele” (resposta à pergunta 44 do CMW – grifos meus).

Esta percepção do ofício sacerdotal de Cristo é importante para entender o seu papel em nossas “boas obras”. Como se pode ler, ainda no Catecismo Maior, nossa santificação, nesta vida é imperfeita por causa dos restos dos pecados que permanecem nos crentes. Em virtude disso, “suas melhores obras são imperfeitas e manchadas diante de Deus” (P. 78).

É por causa disso que lemos no Cap. XVI da CFW, “Das boas obras”, que

“não obstante, as pessoas dos crentes, sendo aceitas por meio de Cristo, suas obras são também aceitas por ele, não como se fossem, nesta vida, inteiramente puras e irrepreensíveis à vista de Deus, mas porque Deus, considerando-as em seu Filho, é servido aceitar e recompensar aquilo que é sincero, embora seja acompanhado de muitas fraquezas e imperfeições” (Seção VI - Grifos meus).

Aquilo que fazemos no culto, na adoração do nome do Senhor, é aceito inteiramente por Deus por causa do nosso Redentor e não por causa de nós mesmos. Mas a CFW, no capítulo XVI, seção VII fala ainda dos não crentes:

As obras feitas pelos não-regenerados, embora sejam, quanto à matéria, coisas que Deus ordena, e úteis tano a si mesmos como aos outros, contudo, porque procedem de coração não purificado pela fé, não são feitas devidamente – segundo a Palavra; nem para um fim justo - a glória de Deus; são pecaminosas e não podem agradar a Deus, nem preparar o homem para receber a graça de Deus;” (Grifos meus).

Fica claro, diante do ensino confessional presbiteriano, quão descabida é a afirmação de Keller. Não há dúvidas de que um músico mediano, mas piedoso e sincero, é mais agradável a Deus que um músico profissional não cristão, pois o mérito ou demérito não estão neles e naquilo que fazem, o mérito é somente de Cristo Jesus, o único que ouviu “este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17), por meio de quem o Senhor também tem prazer e se agrada de nós, seus filhos. Não é a excelência, mas o Redentor, que torna o homem agradável diante do Santo Deus. Isso não é dualismo, como afirma Keller, mas nosso entendimento bíblico-confessional.

Analisando pela evidência bíblica

Vejamos, então, as evidências bíblicas do ensino confessional. Ao conversar com a mulher samaritana Jesus afirmou que “vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, porque são estes que o Pai procura para seus adoradores”. O Pai não procura adoradores que sejam excelentes, mas que adorem em espírito e em verdade, o que só pode acontecer por meio de Cristo. Isto está restrito a crentes, aquilo (a excelência) pode ser realidade na vida de ambos e “independe” de Cristo.

Com isso não quero insinuar que os músicos cristãos podem ser desleixados e fazer o seu trabalho de qualquer forma. Não! Para a glória de Cristo eles precisam ser excelentes, não para ser mais aceitos diante de Deus (isso é assunto para outro texto).

Agora repare, se é verdade que “o que desvia os ouvidos de ouvir a lei, até a sua oração será abominável” (Pv 28.9), indubitavelmente essa é uma realidade também para aquele que toca uma música de louvor no culto, por mais impecável que seja em sua execução: Se ele não dá ouvidos à lei, seu “louvor” é abominável.

Você pode pensar nesse assunto também por outro prisma. Deus rejeitou o louvor do seu próprio povo, quando seu coração estava distante dele. Isso é claramente visto na história de Israel. Por meio de Isaías o Senhor afirmou que estava “farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais cevados e não me agrado do sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de bodes” – dizendo ainda – “Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os meus átrios?”.

A razão da rejeição, aqui nesse texto, não foi a execução mediana da cerimônia de sacrifício, mas “porque as vossas [dos israelitas] mãos estão cheias de sangue”, daí o convite ao arrependimento para, somente depois, comparecer perante o Senhor (Is 1.1-16).

Foi por meio do mesmo Isaías que o Senhor disse a Israel uma palavra dura, que foi repetida por Jesus aos fariseus de sua época: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram [...]” (Mt 15.8-9).

Isto quer dizer que, mais do que a atitude, o Senhor vê o coração do adorador. No sermão do monte isso fica evidente quando Jesus afirma a seus discípulos que a justiça deles deveria exceder em muito à dos escribas e fariseus, mostrando que os fariseus oravam, jejuavam e davam esmolas pensando em sua própria glória, enquanto os discípulos deveriam orar, jejuar e dar esmolas, para a glória de Deus. Não era uma ação diferente, mas uma disposição do coração diferente, que seria aceita diante de Deus (Mt 5.20; 6.2-8; 16-18).

O ensino bíblico, então, é que não crentes podem até cantar com excelência músicas que exaltam a Deus, mas isso nunca lhe será agradável. Da mesma forma, crentes podem cantar com excelência, mas se não partir de uma motivação correta, também não estarão honrando ao Senhor.

Pra terminar....

Para que o Senhor receba o louvor e a adoração como algo agradável diante dele é necessário que ele seja mediado por Cristo e com uma motivação correta. O escritor aos Hebreus escreveu: “Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é fruto de lábios que confessam o seu nome” (Hb 13.15).

A adoração é privilégio e prerrogativa daqueles que podem ter “intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus” – podem se aproximar – “com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura” (Hb 10.19-22).

O ensino de Keller, a respeito desse tema[2], se recebido como correto, provocará grandes problemas a longo prazo. Veremos igrejas preocupadas com a execução profissional das músicas, sob o pretexto de se fazer o melhor para Deus, a despeito da impiedade dos corações dos “adoradores profissionais”.

Deus nos livre disso!


[1] KELLER, Thimoty et al. Louvor. Thomas Nelson: 2017, Rio de Janeiro. Arquivo Kindle. Posição 5259 de 5969

[2] Aprecio o Keller em outros pontos, mas a despeito disso, vejo com muita preocupação este ensino a respeito da adoração, por isso esta breve análise.

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