10 março 2011

Do terror à comédia ou, o que estão fazendo com o evangelismo?

theatre-mask1 As Escrituras falam de forma inequívoca sobre a tarefa de evangelização da igreja. É sua missão fazer discípulos de todas as nações, ensinando-os a guardar todas as coisas que o Senhor Jesus ordenou (cf. Mt 28.18-20). Para cumpri-la os discípulos foram ordenados a ser testemunhas em Jerusalém, Judeia, Samaria e até os confins da terra (At 1.8).

Observando o livro de Atos percebe-se rapidamente que já em seu início a igreja começou cumprindo muito bem o seu papel. Só para exemplificar temos, no capítulo 2, Pedro pregando um sermão extraordinário que leva a multidão a perguntar o que fazer para receber a salvação. A resposta é imediata: “arrependei-vos [...] para a remissão dos vossos pecados” (At 2.38). No capítulo 8 vemos também Filipe, diácono da igreja, sendo enviado ao deserto e encontrando ali um eunuco que lia o profeta Isaías. Ele se aproxima do carro e tem a oportunidade de anunciar o evangelho. Chama a atenção o registro de Lucas dizendo que Filipe “começando por esta passagem da Escritura, anunciou-lhe a Jesus” (At 8.26-40).

Meu ponto aqui é destacar que o anúncio do evangelho deve levar em conta toda a Escritura. Aqueles que ouvem a mensagem da salvação devem entender que todos os homens caíram em Adão estando, por isso, separados de Deus e sob sua justa e santa ira. Devem ser comunicados de que o salário do pecado é a morte, mas que Deus, em sua infinita misericórdia, puniu seu próprio Filho que tomou sobre si os pecados do seu povo na cruz do Calvário a fim de que, pela fé nessa obra redentora, o pecador arrependido seja reconciliado com Deus.

A Bíblia é bem clara ao enfatizar que o homem natural, morto em seus delitos e pecados é incapaz de compreender essa mensagem (1Co 2.14; Ef 2.1), por isso mesmo, cabe ao Espírito do Senhor convencer o homem do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.8) e lhe conceder a fé salvadora, pela graça de Deus (Ef 2.8). A evangelização, nesses moldes, tem o Senhor como centro e o glorifica do início ao fim.

Sendo assim, o papel da igreja na evangelização deveria ser o de fidelidade à mensagem bíblica anunciando a miséria em que o pecador se encontra, demonstrando que, por isso, ele está perdido e apontando para o amor de Deus evidenciado na cruz do Calvário, na esperança de que o Senhor salvará a quem quiser pela loucura da pregação (1Co 1.21).

A despeito disso, a evangelização teocêntrica que acontecia de forma natural na igreja primitiva foi perdendo espaço. A proclamação que era feita primeiramente para a glória de Deus, começou a ser feita porque o homem precisa ser salvo. Veja bem, não estou nem de longe dizendo que ao evangelizar não devemos ter expectativas de que o Senhor salvará pecadores, mas que o alvo principal da evangelização não pode ser esse e sim a glória de Deus. Parece uma besteira o que estou afirmado, mas pense nas implicações:

Quando se evangeliza teocentricamente, isto é, pensando primeiramente na glória de Deus, não há porque negociar a mensagem por mais dura que possa parecer. Tem-se a certeza de que, pela exposição fiel da Escritura, Deus chamará pecadores ao arrependimento.

Quando, porém, a evangelização é antropocêntrica, pensando primeiramente em salvar o pecador, a mensagem acaba por ser deturpada, pois o objetivo é convencer, a qualquer custo, o homem de que ele deve se voltar para Deus. Daí acontecem as distorções, das quais destacarei somente duas que tenho percebido desde minha conversão.

A evangelização do terror

Eu ainda era neófito quando assisti na igreja que frequentava uma peça intitulada “A última trombeta”. O teatro, de orientação pré-milenista dispensacionalista, era baseado numa pretensa revelação dada pelo Senhor em 1952 e mostrava os horrores que acontecerão por ocasião do arrebatamento: famílias desesperadas pelo sumiço dos parentes e amigos e grande desespero de muitos que entenderam que Jesus havia buscado os seus e eles, que não tinham subido no arrebatamento, teriam de enfrentar a grande tribulação.

Quando a peça terminou e houve o apelo, quase me converti novamente, de tão amedrontado que fiquei. O medo ainda me impeliu a querer ser mais santo, não para que Deus fosse glorificado nisso, mas para não correr o risco de acabar parando no inferno. Muitos naquele dia também “creram”, mas simplesmente por causa do medo e não por amor ao Redentor que morreu a nossa morte a fim de termos vida.

A tendência ao terror também era frequente na boca dos pregadores. Ouvi certa vez, já na época do seminário, uma excelente exposição de um pastor sobre Paulo no Areópago, mas no fim ele conseguiu estragar tudo. Ao fazer o apelo, contou a história do voo da TAM que havia partido de São Paulo em direção ao Rio de Janeiro, mas que não chegou ao destino porque o avião caiu e todos morreram. Logo veio a pergunta: “E se você estivesse naquele voo?” e emendou: “Creia antes que seja tarde”. Novamente pessoas “se decidiram” por Jesus, mas, no fim das contas, ao invés de louvar o Salvador por sua obra bendita na cruz para nos libertar do pecado e nos reconciliar com Deus, pareciam mais estar assinando uma espécie de seguro de vida gospel, só para garantir, caso acontecesse alguma coisa ao sair da igreja.

Não nego a verdade bíblica que o Senhor virá com sua ira sobre todos aqueles que não se renderem a ele, mas quando a evangelização pesa muito mais para essa parte da história, deixa-se de falar da provisão de Deus para que o homem tenha redenção. A lógica parece ser a de que, mesmo que seja por medo, o importante é o homem “aceitar a Jesus”.

A evangelização da comédia

Nos últimos tempos, porém, uma nova tendência assola a igreja, a de fazer graça com o Evangelho. A ideia é tirar o peso e a seriedade da mensagem, deixando-a mais light, para que os homens não a vejam com tanta antipatia.

Os discursos para validar a prática são os mais variados e vão desde a afirmação de que “Deus é humor” até uma que li dia desses que dizia que o humor das parábolas de Jesus pode ser a chave hermenêutica para a compreensão de suas histórias.

Conquanto eu entenda que Jesus usa da ironia por várias vezes em seus ensinos, isso não justifica alguém vestir-se de palhaço para tornar o evangelho mais palatável. Um amigo falou esses dias que, do jeito que as coisas vão, daqui a pouco teremos um “stand-up preach”, numa alusão à bola da vez no mundo do humor, a stand-up comedy.

Não estou levantando a bandeira do “pastor carrancudo”. Não creio que precisemos ser assim para comunicar o evangelho, mas o outro extremo é também pernicioso. Hermisten Maia, em seu excelente texto (O palhaço e o profeta: uma indefinição de nossos dias), cita acertadamente uma crítica de Albert Martin: “O esforço desnatural de certos pregadores para serem ‘contadores de piadas’, entre a nossa gente, constitui uma tendência que precisa acabar. A transição de um palhaço para um profeta, é uma metamorfose extremamente difícil”[1]. No mesmo texto ele escreve:

Imaginem um jovem entre centenas de outros, ansiosamente procurando seu nome nas listas afixadas nas paredes na universidade a fim de saber se foi aprovado ou não no vestibular. De repente surge um amigo com um sorriso largo e com os braços abertos, dizendo: “parabéns, você foi aprovado”. O jovem dá-lhe um abraço apertado, pula, grita, ri, chora, comemora... Depois de alguns minutos de euforia, aquele “amigo” diz: “É brincadeira; seu nome não consta entre os aprovados”. Se você fosse aquele vestibulando, como reagiria? Pense nisto: Se você corretamente não admite brincadeiras com coisas sérias, o Evangelho, que envolve vida e morte eternas, seria passível de brincadeiras, de gracejos? A pregação é assunto para profetas, não para palhaços. Pensemos nisso[2] (grifo meu).

Voltando ao padrão

Quando a salvação do homem é a primeira e principal razão para a pregação do Evangelho muda-se a mensagem a fim de que por medo, ou por divertimento, os homens se acheguem a Cristo.

Quando, porém, a preocupação primeira é a glória de Deus, a igreja pode pregar com fidelidade e com toda a seriedade devida, sabendo que o Senhor cumprirá os seus planos e salvará o seu povo.

Como afirmei no princípio, é tarefa da igreja evangelizar. Entretanto, sendo Deus o autor da salvação e sendo a sua glória a razão primeira para a proclamação devemos, mais do que nunca, voltar ao padrão estabelecido na Palavra. O Deus que ordenou a evangelização estabeleceu também o modo como a igreja deve lidar com sua Palavra.

Que o Senhor nos ajude a ter o foco correto na evangelização e que, pela pregação fiel da Escritura, aqueles que são dele sejam alcançados pela graça bendita de Cristo Jesus, nosso Redentor.

Milton Jr.


[1] Albert N. Martin. O que há de errado com a pregação de hoje?, São Paulo, Fiel, p. 23, citado por Hermisten M. P. Costa. O Palhaço e o profeta: uma indefinição de nossos dias. Fonte: www.seminariojmc.br

[2] Hermisten M. P. Costa. O Palhaço e o profeta: uma indefinição de nossos dias. Fonte: www.seminariojmc.br

5 comentários:

Jean Carlos Serra Freitas disse...

caro Milton...
Seu texto é confrontador. Uma pena constatar as verdades apresentadas. Uma verdadeira degradação da forma de apresentar o evangelho.
Parabéns pelo texto e que Deus o ilumine a cada dia.

Rev. Ricardo Rios Melo disse...

Caro Milton,

Excelente! Gostei do equilíbrio reformado em sua apresentação. Como diria um amigo meu: "estamos no bico do urubu" rsrsrs... divididos entre os comediantes disfarçados de pastores e os "terroristas" de terno e gravata.

abs,
Ricardo Rios

Rev. Ricardo Rios Melo disse...

Esqueci de avisar..vou colocar no boletim...rsrs
Ricardo Rios

Milton Jr. disse...

Jean, valeu pela força.

Milton Jr. disse...

Ricardo, para mim é uma honra que o texto sirva para a IP Memorial da Barra que tem um grande pastor... e não estou falando do peso.. rs;
Grande abraço.