Parei para ouvir uma live em que os participantes se propunham a falar se a psicologia é de Deus ou do diabo. Não, não é sobre isso que quero falar nestas poucas linhas, mas da caricatura que foi feita de Jay Adams e do chamado aconselhamento noutético durante a live.
Primeiro, veja esses dois trechos de um dos participantes:
“Qual é o problema do Jay Adams? É que ele possui um reducionismo teórico sobre a verdade”.
“Quando eu pego a palavra noutético no grego, a ideia de admoestação, exortação, confrontação, existe um texto em 1Ts 5.14 que usa essa palavra. E lá diz assim: admoeste e encoraje. Então quando a gente tá lidando com pessoas, se você fica só noutético, você não está cumprindo o mandamento bíblico, porque existe a parte do encorajamento. Mas o que é encorajamento? Aí é que tá. A Bíblia não define para nós o que é encorajamento. Encorajamento é muito contextual da pessoa. E a quantidade de coisas que precisa estar envolvidas no encorajamento, porque, por exemplo, às vezes eu dizer “ei, vâmo ali comigo” é um encorajamento para um, mas não é para outro. “Ei, vâmo comer alguma coisa junto?”, é para um e não é para outro. Ou seja, vai envolver muito o contexto comportamental da pessoa esse encorajar. E aí, esse ato de aconselhamento que só fica batendo, batendo, onde todos os problemas da pessoa é pecado, ele perde esse ponto, porque às vezes, a gente procura direção para muitas decisões que estão certas. Ele só está procurando um esclarecimento melhor da mente, aliviar mais a mente para poder ser mais humano na hora de tomar aquela decisão, etc. Então, eu acho que é um reducionismo teórico e um reducionismo de método, onde a pessoa é transformada numa máquina de pecar e não pecar e acaba esquecendo a pessoa, etc.”
Penso que quem nunca leu Jay Adams e ouve o que foi dito acima, fica com a impressão de que para ele o aconselhamento tem a ver somente com “caçar” o pecado dos crentes, o que coloca ainda mais culpa sobre aqueles que estão sofrendo. Soma-se a isto a afirmação de outro dos participantes da live que disse em outro vídeo que em Jay Adams você tem apenas um behaviorista, ou seja, ele só estava focado na mudança externa de comportamento, utilizando-se de Skinner enquanto o criticava.
Muitos já disseram que entender o pensamento de Jay Adams considerando apenas suas obras traduzidas para o português é algo bastante desonesto. Concordo, mas vou além, se os críticos lessem somente as obras traduzidas, o espantalho que criaram há muito já teria sido lançado ao fogo.
Quero começar com a afirmação de que quando um conselheiro está lidando com pessoas e fica “só no noutético”, sem encorajar, está pecando. Vou considerar acertada a fala. Não se deve mesmo só confrontar, mas encorajar. Meu ponto é: Quem disse que não tem que encorajar?
Em “Conselheiro capaz”, livro que lança fundamentos do modelo de aconselhamento noutético, ao definir os três elementos da confrontação noutética, Adams escreve:
“O segundo elemento inerente ao conceito de confrontação noutética é que os problemas são resolvidos nouteticamente por meios verbais. Diz Trench:
‘É o treinamento mediante a Palavra – mediante a palavra de encorajamento, quando isso basta, mas também pela palavra de admoestação, de reprovação, de censura, quando estas se fazem necessárias’”[1].
Comentando sobre a importância dos nomes com que Deus se revela na Escritura e o uso no aconselhamento, Adams escreve:
“É extremamente importante compreender que estes nomes também são uma revelação de Deus – dada mediata, não imediatamente – mas, no entanto, nomes que Deus destina a serem reveladores de si mesmo. Foi ele, pelo Espírito, que supervisionou o relato desses nomes para o nosso encorajamento. Portanto, eles devem ser usados por conselheiros”[2].
Interessante é notar que Adams não ignora que “encorajamento é muito contextual da pessoa”, como dito na live. Pelo contrário, ele diz que
“Sendo cada consulente diferente dos demais – e especialmente porque alguns necessitam de grande encorajamento (‘consolai os desanimados...’ – 1Ts 514b)”[3].
Ironicamente Adams está comentando exatamente o texto de 1Tessalonicenses que foi citado pelo participante da live para criticar o seu método. Em seu modelo de aconselhamento, há sim lugar para o encorajamento.
Entretanto, há uma diferença gritante entre Adams e seu crítico. O exemplo de encorajamento dado pelo crítico na live foi uma palavra do tipo “ei, vâmo ali comigo” ou “ei, vâmo comer alguma coisa junto” que, segundo ele, funciona para um e não para outro, dadas as peculiaridades de cada pessoa.
O encorajamento, para Adams, parte da Escritura, como visto aqui:
“Se o médico afirma que uma operação é necessária, anima-nos sobremodo saber que outros se submetem com sucesso a semelhante operação. Os clientes precisam desse encorajamento na hora da provação. Por isso é que Paulo declara que nenhum teste é único. Mas esse encorajamento também remove qualquer possibilidade de a pessoa desculpar-se, baseada em que ‘o meu caso é uma exceção à regra’. O trecho de 1Coríntios 10.13 não dá lugar a exceções que tais”[4].
Um grande equívoco deste crítico de Adams é dizer que “a Bíblia não define o que é encorajamento”. Ora, ele mesmo citou o termo “encorajamento” que se encontra em 1Tessalonicensses 5.14. Se você abrir sua Bíblia, notará que em vez de “encorajamento” a palavra é traduzida por “consolo” (consoleis os desanimados).
Apesar das cinco versões que consultei trazerem como tradução “consolo” em vez de “encorajamento”, este é sim um dos sentidos da palavra παραμυθέομαι que aparece 4 vezes no Novo Testamento, sempre traduzido na ARA por “consolo” (Jo 11.19; Jo 11.31; 1Ts 2.12; 1Ts 5.14).
Pois bem, se voltasse apenas alguns capítulos, o crítico de Adams notaria que Paulo usou esta mesma palavra ao lembrar os tessalonicenses: “E sabeis, ainda, de que maneira, como pai a seus filhos, a cada um de vós, exortamos, consolamos [encorajamos] e admoestamos, para viverdes por modo digno de Deus, que vos chama para o seu reino e glória” (1Ts 2.11-12).
Você imagina Paulo tendo em vista o simples convite para ir ao Tessalonica´s Burger a fim de encorajar ou animar alguém? Se o encorajamento é para que o desanimado viva de modo digno do reino de Deus é claro que envolve as promessas bíblicas de alegria, paz, segurança, consolo, etc que se tem somente em Jesus Cristo.
Pedro estava convicto de que todas as coisas suficientes para a vida e piedade foram dadas aos crentes por meio do conhecimento de Cristo (2Pe 1.3) e Paulo afirmou que toda a Escritura, que é inspirada por Deus, é útil para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra (2Tm 3.16-17).
Outros textos em que os crentes são chamados a andar de modo digno estão num contexto de viver o ensino apostólico (Ef 4.1; Fl 1.27; Cl 1.10). Logo, biblicamente, o encorajamento bíblico tem por base a Escritura e não o “contexto comportamental” da pessoa.
Sobre a acusação de behaviorismo, focado apenas na mudança de comportamento, é preciso dizer que para Adams a mudança de comportamento só é possível por causa da obra de Cristo. É quando o homem deixa de servir a ídolos e serve ao Senhor. O homem que está em Cristo tem uma nova motivação para fazer o que faz:
“Que não nos escape o quão claramente Paulo fala de muito mais do que da mera cessação de atos condenáveis; pois ele requer mudança na própria ‘maneira de viver’ (Cf. Ef 4.22). Paulo apela para que haja mudança genuína; mudança no próprio indivíduo. Não meramente em seus atos. Há esperança quanto a isso – Deus espera que seus filhos mudem. Nesse caso, tal mudança deve ser possível; e, assim sendo, aquele que assim ordenou também deve ter providenciado modos e meios.
[...]
O novo estilo de vida, próprio do discípulo de Cristo, é adquirido mediante a morte para o próprio ‘eu’ (entregando-se à morte, na cruz) e mediante o viver para Deus (o seguir a Cristo). Tudo tem início quando alguém abandona os ídolos e então se volve para o Deus vivo e verdadeiro (1Ts 1.9). A santificação tem prosseguimento no mesmo ritmo em que, diariamente, o crente abandona o pecado e se volta para a retidão.
[...]
Toda a ênfase que a Bíblia empresta ao esforço humano não deve ser distorcida em nosso entendimento; estamos falando sobre o esforço motivado pela graça divina, e não acerca das obras da carne. Não é o esforço envidado independente do Espírito Santo que irá produzir a piedade. Antes, é através do poder do Espírito Santo, com exclusividade, que uma pessoa pode perseverar no seu intento. Por seus próprios esforços, um homem pode persistir no aprendizado da patinação sobre o gelo, mas não conseguirá perseverar na busca pela piedade. O crente pratica boas obra porque o Espírito Santo, antes de tudo, opera nele.”[5]
Ainda uma última questão, para aqueles que mentem ao dizer que para ele é tudo problema de pecados pessoais:
“A noção largamente difundida (algumas vezes até por aqueles que deveriam saber mais), de que o aconselhamento noutético considera todos os problemas humanos como resultado direto de pecados particulares dos consulentes, é um erro crasso, uma lamentável representação dos fatos. Desde o início (cf. Competent to Counsel, 1970, p. 108.109) tenho declarado claramente que nem todos os problemas dos consulentes tem como origem seus pecados particulares. Na obra Competent to Counsel cito os casos de Jó e do homem cego de nascença (Jó 9). Os que persistem em atribuir a mim certas opiniões das quais não compartilham tem certa culpa nisso. Tanto devem se informar melhor antes de falar e escrever (há material disponível para leitura – o aconselhamento noutético não é feito à toa!), ou deveriam investigar algumas de suas próprias convicções, geralmente aceitas como fatos (quando na verdade não passam de meras opiniões)"
"Embora toda a miséria humana - incapacidades, doenças, etc. - remonte ao pecado de Adão (e sou firme ao declarar esta verdade bíblica), não se pode dizer que haja uma relação quid pro quo entre todas as misérias dos consulentes e seus pecados individuais. Isto eu nego prontamente"[6].
A versão em português do livro que ele cita acima diz o seguinte:
“É evidente que as Escrituras nunca apresentam todas as doenças como decorrência de pecado imediato ou sequer de pecaminosos modos de viver. O livro de Jó protesta contra toda e qualquer noção dessa espécie. Contudo, a Bíblia ensina que a existência de toda enfermidade liga-se ao pecado de Adão, e, nesse sentido, pode-se dizer que toda doença decorre do pecado; só nesse sentido, porém. Não obstante, em muitos casos a Bíblia vê uma relação imediata entre pecado e doença"[7].
Jay Adams era (e suas obras ainda são) bem grandinho para se defender por conta própria, e respondeu em muitos momentos a seus críticos. Além dos livros, é possível acessar seus escritos em seu site, que continua no ar (clique aqui).
Muito poderia ser dito do que se falou na live, mas meu intuito com esse texto é somente tentar mostrar àqueles que nunca leram Adams, mas que estão certos de que ele está ultrapassado (só pelo que ouviram de algum crítico na tal live) que vale à pena conferir suas obras. Você encontrará piedade, erudição e um imenso amor à Deus e à sua igreja. Desde que li pela primeira vez o Conselheiro Capaz, no meu segundo ano de seminário (2000) tenho sido grandemente edificado por este servo a quem Deus agraciou e usou de maneira maravilhosa para a redescoberta da suficiência da Escritura para os males da alma.
Note que não coloquei os números de páginas das citações. Se o texto serviu para aguçar sua curiosidade, confira não apenas as citações, mas as obras completas, ao menos as que estão em português. Espero que muito de Adams ainda seja publicado para nós, leitores tupiniquins.
[1] Jay Adams. Conselheiro capaz.
[2] Jay Adams. Teologia do aconselhamento cristão
[3] Jay Adams. Teologia do aconselhamento cristão
[4] Jay Adams. Conselheiro Capaz
[5] Jay Adams. Manual do Conselheiro Cristão
[6] Jay Adams. Manual do Aconselhamento Cristão
[7] Jay Adams. Conselheiro capaz
1 comentários:
Certamente, Jay Adams é um dos autores mais difamados no meio Cristão. Suas obras também muito me edificam. Continuemos trabalhando para o nosso Redentor.
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