20 junho 2017

Deus cuida de nós enquanto cuidamos de outros – ou – Lições aprendidas ao aconselhar minha filha

eunandaelipe

Filhos são herança do Senhor. Deus nos concede a bênção de ter filhos e, juntamente com isso, o privilégio e responsabilidade de instruí-los no caminho da justiça. De acordo com o texto de Deuteronômio esta instrução não deve acontecer somente em momentos específicos e/ou pontuais, mas as palavras ordenadas por Deus devem estar no coração dos pais para que “inculquem” e falem delas aos filhos “assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te” (6.7), ou seja, em todo o tempo.

Pais devem estar atentos a todas as oportunidades concedidas pelo Senhor para pastorear e ministrar ao coração dos filhos e hoje tive um desses momentos. Tenho dois lindos filhos, herança preciosa do Senhor, mas, como puxaram os pais, pecadores. Triste sorte, não fosse a esperança que há no evangelho do Redentor Jesus Cristo. Pela manhã um episódio simples serviu para eu ver como o Senhor Deus opera graciosamente em seus filhos.

Eu tinha pegado em uma lanchonete fast-food alguns gorros dos Smurfs de papelão, para montar, e Fernanda, minha filha mais velha, montou para ela e para Filipe, meu mais novo. Ele reclamou que o dele tinha rasgado e eu fui ver. Constatamos (eu e Fernanda) que não havia rasgado e que somente havia desencaixado uma parte da outra. Eu, entretanto, verifiquei também que Fernanda tinha encaixado da forma errada e disse isso a ela que prontamente respondeu: “Está certo, eu li as instruções”. “-Minha filha, está errado”. “-Não está não!”, falou ela já em tom choroso.

Como recentemente havia acontecido outros episódios em que ela não se deixava instruir, demonstrando todo o seu orgulho, eu lhe disse: “-Tá bom sabichona, você está certa”. Isso a deixou inquieta: “-Não sou sabichona”. “-É claro que é minha filha, você sabe mais que seu pai”, dizia eu enquanto ela me ignorava. Esta última atitude me fez falar de forma mais dura com ela que ouviu um pouco mais sobre o quanto estava sendo orgulhosa, sobre o não querer aprender e me viu ir para o quarto ajudar Filipe com outra coisa.

Não passou muito tempo, vem ela, chorosa, pedindo perdão. Perguntei a respeito da razão para o pedido e ela disse que era por ter me ignorado e ter sido orgulhosa. Como conselheiro bíblico que sou, vi então a oportunidade de ministrar ao coração da minha primogênita, afinal, conheço bem Deuteronômio 6! Falei que ela ainda estava em fase de aprendizado e que, por mais que já soubesse algumas coisas, ainda não sabia mais que o seu pai. Disse que o orgulho leva as pessoas a não aprenderem, pois se já entendem que sabem tudo, nunca irão querer aprender com outros. Disse ainda que Deus não se agrada de soberbos (Tg 4.6) e que o Senhor Jesus, a pessoa mais sábia que existe, era humilde, então, precisamos olhar para ele e buscar nele o desejo de ser semelhante ele é e que somente nele temos a ajuda para tudo isso.

Instruí que ela orasse pedindo perdão também a Deus por seu orgulho e para que ele a concedesse coração mais humilde, o que ela fez prontamente. Meu trabalho como pai e como conselheiro estava feito!

O que eu não esperava

Após a oração, Fernanda começou a chorar novamente. Pensei “com meus botões” que havia mais a ser tratado com ela e perguntei a razão do choro. Ela respondeu: “-O sr. debochou de mim, falou que não ia mais me chamar de sabichona e debochou de mim de novo”. Pensei, então, na minha falta!

Ela estava coberta de razão. Dias antes, por conta de seus episódios de orgulho em que achava saber mais do que eu, teimando a respeito das coisas mais bobas (por exemplo, sobre quem teria sido o descobridor do Brasil, ela insistia em D. Pedro I, confundindo as histórias) eu, que sou bastante cínico (um pecado contra o qual tenho de lutar e vigiar constantemente) comecei a chama-la de sabichona, com um tom de voz que ela entendeu acertadamente não se tratar exatamente de um elogio. Ela se ofendeu, disse que era pecado o que eu estava fazendo e que eu havia dito a ela que não faria mais isso, o que não cumpri no episódio que estou narrando aqui.

Agora pense comigo. O que seria o meu cinismo senão, também, uma demonstração de orgulho? Diante de uma criança que não se dobra à minha sabedoria, o deboche não seria uma tentativa de impor, pelo constrangimento, o que eu estava ensinando? Aqui ficou constado que ela tem o meu DNA, e ambos temos o dos nossos primeiros pais que, orgulhosos, deixaram de lado a instrução de Deus seguindo o caminho proposto pela serpente na ânsia de serem como o Senhor.

Confesso que na hora pensei em não admitir meu erro. Mesmo trabalhando com aconselhamento a tanto tempo sei que é bem fácil esquecer a primeira parte de Gálatas 6.1: “Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma fata, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura”. Ainda que eu estivesse falando com “brandura”, minha atitude foi parecida com a de um instrutor “calejado” ensinando a um aluno que ainda não sabia como agir. Pior ainda, isso revelou que não atentei para a segunda parte do versículo: “e guarda-te para que não sejas também tentado”. Minha filha confrontou em mim o mesmo pecado que eu estava percebendo nela e, pela graça de Deus, ouvi o que ela disse, afirmei que ela estava correta no que estava me cobrando, pedi perdão a ela e orei, junto com ela, pedindo perdão ao Senhor.

Conselheiros não devem olhar para os seus aconselhados como se fossem pessoas que já chegaram à perfeição e que agora podem ajudar aqueles que ainda não chegaram lá. É preciso lembrar que nossa realidade é a mesma do apóstolo Paulo que dizia: “Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus” (Fp 3.12). Como diz o título do excelente livro de Paul Tripp, somos apenas “Instrumentos nas mãos do Redentor – pessoas que precisam ser transformadas ajudando pessoas que precisam de transformação”.

Com esta experiência pude trazer à memória que ambos, eu e minha filha, precisamos a cada dia de um Redentor amoroso que não se cansa de formar em nós o seu próprio caráter (Gl 4.19), pois para isso o Pai nos escolheu, para sermos conformes a imagem de seu Filho (Rm 8.29). Em um momento que para mim seria apenas de instrução para minha filha acabamos, eu e ela, experimentando o amor gracioso do Salvador e Redentor de nossas vidas, que é o único que é perfeito e que, por isso, pode aperfeiçoar aqueles que estão a seus pés, Jesus Cristo, o Senhor!