28 março 2013

Cristo, nosso cordeiro pascal

481188_470386183034855_116619882_n

Ano após ano a história se repete. Por ocasião da semana chamada “santa” há uma enxurrada de filmes na TV relatando a última semana de vida do Senhor Jesus. Também nas igrejas existe toda uma expectativa em torno das “encenações de Páscoa” e em muitos lugares isso já se tornou mesmo um grande espetáculo.

Entretanto, me chama a atenção, tanto nas produções “seculares” quanto nas religiosas, a grande ênfase no sofrimento físico do Senhor. Geralmente essa é a parte em que o “público” mais se emociona. Não são poucos os que saem da frente da TV, da sessão de cinema ou de uma cantata totalmente impactados e emocionados, por verem que Jesus apanhou tanto e sofreu tantas humilhações por eles.

Conquanto todo esse sofrimento tenha sido, de fato, verdadeiro, terá sido ele a razão da grande angústia do Senhor, quando orou ao Pai pedindo que, se possível, passasse dele esse cálice (Mt 26.39)? Deve ser simplesmente esse sofrimento a razão de os cristãos estimarem o Senhor?

É claro que não quero minimizar o sofrimento físico e humilhações sofridas pelo meu Senhor. Mas temos de ser honestos. Durante a história da humanidade houve vários casos de pessoas que, fisicamente, sofreram da mesma forma ou até mais que o Senhor. Nas Escrituras, vemos, por exemplo, Eliseu chorando por saber o que seria o sofrimento do povo de Israel sob Hazael que iria deitar fogo às fortalezas, matar à espada os jovens, esmagar os pequeninos e rasgar o ventre das mulheres grávidas (cf. 2Re 8.12). O escritor de Hebreus afirma que muitos santos do passado “passaram pela prova de escárnios e açoites, sim, até de algemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada [...], afligidos, maltratados” (Hb 11.36,37). A história dos primeiros mártires cristãos está também repleta de exemplos de sofrimentos impensáveis.

Se o sofrimento de Cristo consistisse “apenas” no castigo físico ele seria, no máximo, mais um mártir na história da igreja.

Bem-aventurados os que não viram e creram

Essas foram as palavras de repreensão que Tomé ouviu de Cristo Jesus e que foram precedidas de: “Porque me viste, creste?”. Ele havia duvidado quando ouviu que o Senhor havia ressuscitado e afirmou que só acreditaria vendo (cf. Jo 20.24-29).

Estou lembrando esse episódio, pois tenho para mim que a ênfase no castigo físico de Cristo nas encenações seja por uma razão óbvia: O maior sofrimento que o Senhor experimentou não pode ser encenado, ele deve ser entendido e crido. É triste perceber que muitos cristãos, ao lerem o evangelho, não demonstram a mesma emoção que têm nas encenações.

Sabemos, pela Escritura, que desde que o homem pecou ele está sob a ira de Deus. Adão foi advertido de que no dia em que pecasse ele certamente morreria e, claro, isso não se restringiria à morte física (Gn 2.17; Ap 20.14; 21.8). Paulo afirma que essa morte passou a todos os homens, porque todos pecaram (Rm 5.12). Em Apocalipse lemos, finalmente, que o homem que não se rende ao Senhor “beberá do vinho da cólera de Deus, preparado, sem mistura, do cálice da sua ira, e será atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro” (14.10).

No evangelho, João é enfático ao afirmar que aqueles que não creem em Cristo já estão julgados. Porém, de igual modo, ele afirma que quem nele crê não é julgado (cf. Jo 3.18). Mas qual a razão destes que creem não serem condenados, se também são pecadores?

A razão é exatamente o fato de Cristo Jesus ter assumido a nossa dívida e tomado o cálice da ira de Deus em lugar do seu povo. Essa foi também a razão de sua angústia no Getsêmani. Por amor do seu povo, ele experimentaria um sofrimento incomparavelmente maior que o físico, a quebra da comunhão perfeita com o Pai e a sua ira. Foi isso que o levou a bradar na cruz: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste” (Mt 27.46).

Isaías, bem antes de isso acontecer na história, havia profetizado: “Ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. [...] ao Senhor agradou moê-lo, fazendo- enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias [...] (ele) levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu” (Leia todo capítulo 53 de Isaías).

Jesus não levou simplesmente uma surra em seu lugar, mas recebeu sobre si a ira do Deus Todo-Poderoso que deveria cair sobre você.

Como nos lembramos disso?

Durante toda a história da redenção podemos ver Deus ordenando a seu povo a lembrança de alguns eventos. Foi assim com a Páscoa. Deus iria derramar sua ira sobre o Egito, matando todos os primogênitos, mas faria distinção não matando os primogênitos do seu povo. Ele ordenou então que se tomasse um cordeiro, colocasse o seu sangue na verga das portas e o comessem assado. Quando o Senhor começasse a ferir o Egito ele “passaria” as casas com sangue. Páscoa significa exatamente isso, passagem, e os israelitas deveriam celebrá-la todos os anos para lembrar que o Senhor os havia libertado do Egito e os livrado também da sua ira. O cordeiro foi morto em lugar dos filhos de Israel.

No Novo Testamento percebemos que foi exatamente na Páscoa que Cristo Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1.29), instituiu a Ceia, como uma lembrança de sua obra (Mt 26.18-30). A Ceia seria em memória daquele que deu o seu corpo e o seu sangue, “o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” (Mt 26.28).

A Ceia representa para o cristão aquilo que a Páscoa representa para o judeu. É interessante notar que, após a morte do Senhor, não há mais menção às comemorações da Páscoa pela igreja, mas às celebrações da Ceia do Senhor.

Diante da Ceia nos examinamos para comer do pão e beber do cálice (1Co 11.28), entendendo que não podemos permanecer em nosso pecado diante da lembrança do sacrifício do Cordeiro de Deus. Na carta aos Coríntios, Paulo afirmou que eles não poderiam se orgulhar do pecado exatamente porque “Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós” (1Co 5.7).

A Páscoa cristã é a Ceia do Senhor. Entendendo-a, você poderá expressar diante dela toda a emoção por ter Cristo Jesus recebido a ira de Deus em seu lugar. Porém, se a Ceia não encena isso, nenhuma outra encenação o fará.

21 março 2013

Enterre, também, seus ídolos

enterrando ídolos

“Levanta-te, sobe a Betel e habita ali; faze um altar ao Deus que te apareceu quando fugias da presença de Esaú, teu irmão” (Gn 35.1). A ordem foi dada pelo Senhor a Jacó num momento em que o seu coração estava cheio de temor. Ele estava com medo de ser destruído, juntamente com sua família, pelos cananeus e ferezeus, após seus filhos Simeão e Levi cometerem uma chacina matando todos os homens da cidade de Siquém.

Siquém havia violentado e levado cativa Diná, filha de Lia, portanto, irmã “plena” de Simeão e Levi. Jacó foi negligente não dando importância ao ocorrido e ainda consentindo com o casamento misto proposto por Hamor, pai de Siquém. Simeão e Levi entenderam corretamente a gravidade da situação, mas tomaram uma atitude errada. Pensando somente na vingança, profanaram a circuncisão, sinal da Santa Aliança. Dolosamente eles afirmaram que só permitiriam o casamento caso os homens da cidade se submetessem à circuncisão, o que eles fizeram. Porém, a trama era se aproveitar da fragilidade dos homens após esse ato e assassinar a todos, o que, de fato, fizeram.

Diante disso, Jacó repreendeu seus filhos, mas não foi pelas razões corretas. Ele não estava preocupado com o fato de os filhos terem feito uma guerra sem a chancela de Deus. Também não se preocupou com a profanação do sinal da Aliança e com o esvaziamento do seu significado numa empreitada de vingança. Não! Jacó repreendeu seus filhos porque entendeu que a atitude deles o havia tornado odioso entre os moradores daquela terra e ele corria o risco de ser destruído. Sua razão para repreender os filhos, além de egoísta, revelava falta de confiança no Deus que lhe havia feito promessas e mudado o seu nome para Israel (= “Deus prevalece”).

O temor invade o coração de Jacó quando a sua confiança deixa de ser no Deus que prevalece e passa a ser no seu “bom relacionamento” com os moradores da terra (confira no capítulo 34 de Gênesis).

Uma extraordinária lembrança

No início do capítulo 35, Deus então ordena que Jacó vá para Betel (35.1). A ordem é para que ele habitasse em Betel e ali fizesse um altar. É importante notar que, neste momento, Deus está trazendo algo à lembrança de Jacó. O altar seria feito “ao Deus que te apareceu [a Jacó] quando fugias da presença de Esaú”.

O fato de o Senhor enfatizar isso é extraordinário. Jacó estava com medo dos cananeus e ferezeus, temendo que eles o destruíssem juntamente com sua casa e Deus está lembrando que, em outra ocasião de temor, quando estava sob o risco de perecer sob a ira do seu irmão Esaú (a quem tinha enganado), o Senhor o havia guardado. É como se Deus estivesse dizendo: “Jacó, lembre-se de que eu sou o Deus que te apareceu em Betel e fiz promessas. Lembre-se de que eu já te livrei de morrer e minhas promessas permanecem de pé”.

Jacó entendeu o recado. Ele convoca sua caravana e diz: “Subamos a Betel. Farei ali um altar ao Deus que me respondeu no dia da angústia e me acompanhou no caminho por onde andei (35.3). Ele relembra, então, que Deus tem estado ao seu lado, o tem amparado e tem cumprido suas promessas e afirma que faria, em Betel, um altar a esse Deus.

Ao chegar a Betel e edificar o altar, a lembrança permanece em sua mente. Ele chama o lugar de “El-Betel; porque ali Deus se revelou quando fugia da presença de seu irmão” (35.7).

Em um momento de angústia e temor, Jacó foi lembrado a respeito da fidelidade e da segurança que tinha no Senhor.

Livrando-se dos ídolos

Essa lembrança produziu um resultado piedoso. Assim que ouviu o Senhor mencionar o momento em que tinha aparecido a Jacó pela primeira vez, ele ordenou à sua família e toda a caravana que lançassem fora os deuses estranhos.

É necessário lembrar que toda idolatria iconográfica é o resultado final da idolatria do coração. Aqueles que chegam a esculpir ou desenhar seus deuses simplesmente revelam aquilo em que o seu coração confia.

É preciso lembrar também que na saída da casa de Labão, seu sogro, Raquel havia roubado de seu pai os ídolos do lar, mas ainda que não houvesse a presença física dos ídolos, tanto ela quanto Jacó e sua irmã Lia revelaram um coração bastante idólatra, tempos atrás. Jacó tinha na beleza a sua razão de viver, tanto que, ao ser enganado por Labão e ter se casado com Lia, dispôs-se a trabalhar mais sete anos em favor daquela que “era formosa de porte e de semblante” (Gn 29.17), estabelecendo assim um casamento bígamo. Lia tinha no amor de Jacó a sua razão de viver e usava seus filhos para tentar conseguir esse amor (Gn 29.31-34; 30.20). Raquel, por sua vez, tinha na maternidade a sua razão de viver chegando a se irar com Jacó e declarar toda a sua idolatria ao afirmar: “Dá-me filhos, senão morrerei” (30.1). A idolatria era tamanha que ao conceber, de forma milagrosa, pela primeira vez, em vez de louvar a Deus disse: “quero ainda outro”, chamando-o de José.

Perceba que nenhum desses desejos é pecaminoso em si. Querer uma esposa bonita, o amor do marido ou a bênção de ter filhos eram desejos lícitos que se tornaram pecaminosos a partir do momento em que cada um desses personagens pecou para consegui-los ou pecou por não ter o que queria.

Voltando então ao ponto, convocar a família e o povo a lançar fora os deuses estranhos significava que somente no Senhor deveria estar a confiança, a alegria, a segurança e tudo mais que buscavam.

Jacó ordena ainda que eles se purifiquem e mudem de vestes, gesto que simbolizava purificação da contaminação dos ídolos para a pureza diante de Deus. Eles deveriam trilhar um novo e purificado caminho de vida (35.2).

A caravana atendeu a Jacó (35.4) e cada um entregou os deuses e as argolas que usavam nas orelhas como uma espécie de amuleto. Jacó pegou tudo aquilo, todos os amuletos e todos os deuses estranhos, e os enterrou debaixo de um carvalho, em Siquém.

Experimentando alívio

Quando eles partiram, após entenderem que o Senhor era fiel e que deviam temer a ele e não aos ídolos (no momento, as nações eram também ídolos, pois eram vistas como maiores que Deus), eles experimentam algo maravilhoso.

Eles viram aqueles que eram o motivo de seu temor, temendo o “Deus que prevalece” quando “o terror de Deus invadiu as cidades circunvizinhas” (35.5) e, consequentemente, não perseguiram os filhos de Jacó. O temeroso Jacó teve mais uma prova de que o Deus da Aliança estava cumprindo fielmente o plano de fazer dele uma nação. Não havia, então, o que temer.

Ele termina, como já foi visto, levantando um altar e adorando ao Senhor.

Enterre os seus ídolos aos pés da cruz

Quais são os temores que tomam conta do seu coração? Em que ou em quem você tem depositado a sua confiança? Quais desejos o têm levado a pecar contra o Senhor?

As razões que podem tirar o seu sossego, trazer angústia, tristeza e deixá-lo ansioso podem ser variadas, mas uma coisa é certa: sempre que você procurar conforto, segurança, alegria, satisfação fora do Senhor, estará levantando um falso deus diante de si e incorrendo, assim, em idolatria. Os falsos deuses podem até prometer alegria, mas eles não são capazes de cumprir suas promessas.

Quais são os falsos deuses que você precisar enterrar hoje, não debaixo do carvalho como fez Jacó, mas aos pés da cruz de Jesus Cristo? Faça uma análise de sua vida e verifique se você não tem buscado alegria no dinheiro, em pessoas, status, comida, bebida, prazeres dessa vida, etc. Se a fonte do seu prazer está em coisas ou pessoas em vez de estar somente em Cristo, confesse ao Senhor esse pecado.

Ao enterrar seus ídolos aos pés da cruz você, certamente, experimentará a paz de Cristo que excede todo entendimento (Fp 4.7). Você estará seguro e louvará a Deus a despeito das circunstâncias (Fp 4.10-13). Tendo o Senhor como único Deus você poderá usufruir tudo aquilo que ele nos concede sem se deixar dominar por nenhum deles (1Co 6.12), fazendo tudo para a glória dele (1Co 10.31).

Em seus momentos de dificuldade obedeça então à ordem do apóstolo Pedro e lance sobre Cristo Jesus toda a sua ansiedade, sabendo que ele cuida dos seus (1Pe 5.7). Lembre-se também das palavras do Senhor, que prometeu: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mt 11.28-30).

08 março 2013

Tudo ou nada? – Refletindo sobre a liberdade cristã

liberto2“Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas” (1Co 6.12).

Seria bom se não fosse preciso, mas tenho de começar afirmando que o texto acima não está ensinando que podemos fazer qualquer coisa que der na cabeça.

Infelizmente a liberdade cristã parece não ser bem compreendida por muitos, que acabam pensando somente em termos de extremos. Em meu primeiro ano de ministério tive como ovelha um adolescente que me perguntou se era pecado ouvir “música mundana”. Comecei a responder dizendo que essencialmente não e antes de eu concluir o pensamento dizendo que seria pecado se fosse uma música que afrontasse o Senhor e a fé cristã, ele voltou a perguntar: “Então eu posso ouvir funk?” Ele se referia àquelas músicas que tratavam a mulher como objeto e com várias (ou quase todas) palavras de baixo calão. Em resumo, o que aquele adolescente pensava era: “ou tudo, ou nada”.

É bem verdade que, em Cristo Jesus, somos verdadeiramente livres (Jo 8.36), mas importa sabermos como lidar como essa bendita liberdade. Nesse sentido, creio que o texto de Paulo aos Gálatas (5.13-15) nos traz uma ótima orientação.

O pano de fundo é a tensão no relacionamento entre alguns judeus e gentios que haviam se convertido, que acabou por ser tratada no primeiro concílio da igreja (At 15). Por um lado, os judeus ensinavam que, mesmo crendo em Cristo, era necessária a circuncisão, segundo o costume de Moisés. Por outro, as práticas dietéticas dos gentios causavam escândalo aos judeus convertidos. A resolução do concílio foi para que não se perturbassem mais os gentios com essas questões e para que os gentios se abstivessem das contaminações dos ídolos (comida sacrificada), das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue (At 15.20,29).

Veja que interessante, ainda que Jesus tenha considerado puros todos os alimentos (Mc 7.19), por amor ao judeu os gentios deveriam se abster da comida que era lícita. Paulo desenvolve o tema da liberdade cristã no texto de Gálatas, como veremos agora:

1) A liberdade cristã não é uma licença para pecar“Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne” (Gl 5.13a).

Paulo havia ensinado que os gálatas não poderiam se deixar circuncidar, pois seria como se estivessem se desligando de Cristo e procurando justificação pelas obras da lei (2-5). Para os judaizantes, ao ordenar que não se obedecesse à lei cerimonial (que havia se cumprido em Cristo), seria como se Paulo estivesse propondo certa “liberdade para pecar”. Para aqueles que queriam pecar, as palavras do apóstolo poderiam soar como uma autorização para tal.

Ele então se apressa: “Fostes chamados à liberdade, porém...”. Paulo afirma que eles não poderiam fazer da liberdade uma “base de operações” para o pecado. É esse um dos sentidos da palavra traduzida no texto por ocasião.

Quando escreveu aos Romanos, Paulo explicou que eles eram, outrora, escravos do pecado, mas libertados do pecado foram feitos servos (escravos) da justiça. Eles eram, então, livres para “obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes [foram] entregues” (6.17-18).

Todas as coisas que são lícitas são aquelas permitidas pela vontade de Deus, revelada nas Escrituras.

2) A liberdade cristã é limitada pelo amor ao próximo“sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor. Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gl 5.13b,14).

Agora Paulo enfatiza que, apesar de termos liberdade para fazer o que é lícito (permitido pela Palavra), em vez de dar ocasião à carne podemos e devemos nos abster de fazer algo lícito, em favor do próximo. Ou seja, podemos usar da liberdade, desde que não venhamos a ferir o próximo a quem devemos servir em amor.

O que é belo aqui é que não somos escravos daquilo que podemos fazer. Creio que este é o princípio que está por trás da afirmação de Paulo: “todas as coisas me são lícitas, mas não me deixarei dominar por nenhuma delas” (1Co 6.12). Há muito crente que acaba se tornando escravo da sua liberdade e, antes que alguém ache confuso, eu já explico: podemos fazer muitas coisas, mas isso não significa que somos obrigados a fazê-las. Alguns se apegam tanto aos seus direitos que ficam escravos deles. Temos plena liberdade para abrir mão desses “direitos” em favor do próximo. Paulo afirmou aos coríntios que deixaria de comer carne por causa da fraqueza dos irmãos que se escandalizariam com ele (1Co 8.13).

Se nos agarramos à liberdade de fazer o que é lícito a ponto de não nos importarmos com os irmãos, temos de admitir que somos dominados por nossos desejos e não por Cristo, que afirmou: “Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” e exortou: “Ninguém pode servir a dois senhores...” (Mt 6.21,24).

3) A liberdade cristã nos preserva da destruição“Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede que não sejais mutuamente destruídos” (Gl 5.15).

Se os gálatas não entendessem que a liberdade não é uma licença para pecar e que é limitada pelo amor ao próximo, acabariam por ser destruídos, pois se morderiam e se devorariam. O ponto aqui é óbvio. Se eu só penso em meu direito e não abro mão em favor do próximo, fatalmente vou brigar por ele.

Se o meu coração é servo de Cristo eu posso “dar a outra face”, “deixar também a capa” e “andar a segunda milha” (cf. Mt 5.38-41), considerando o meu próximo superior a mim mesmo (Fp 2.3). Porém, se o meu coração é servo dos meus desejos, se alguém me bater vai levar de volta, vou brigar pela túnica e em hipótese alguma andarei 1 metro, quanto mais 1.500 metros (1 milha romana).

Como podemos notar, a liberdade cristã é mais uma questão de senhorio (a quem eu sirvo?) do que uma questão de direitos. Como servo dos prazeres você fatalmente estará pecando, mesmo ao fazer coisas lícitas. Entretanto, servindo a Cristo estará livre para servir a Deus, servir ao próximo e não se deixar dominar por nada, além do Redentor.