19 maio 2012

Geração de adoradores ou de soberbos?

qual o peso maiorUma das marcas que deve estar presente no cristão é a humildade. Porém, a luta para não pensarmos de nós além do que convém (Rm 12.3) é sempre grande. Como exemplo disso, basta lembrar que vez por outra os discípulos discutiam sobre qual deles seria o maior no reino de Deus (Mt 18.1-5; Mc 9.33,34; Mc 10.35-45; Lc 22.24).

Mas graças a Deus que na Bíblia temos também exemplos maravilhosos de humildade. O Senhor Jesus continua sendo o modelo a ser seguido. O apóstolo Paulo, após exortar os filipenses a terem o mesmo sentimento que houve nele, afirmou que “ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, [...] a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”.

“Para Jesus era mais fácil, pois ele é Deus”, diriam alguns, e para demonstrar que é possível que um pecador cultive a humildade cito o exemplo de João Batista. Quando seus discípulos foram ter com ele, após discutirem com um judeu com relação à purificação, dizendo que Jesus, que havia sido batizado por João, estava também batizando e muitos iam a seu encontro, ouviram de João: “Convém que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.25-30).

A concepção teológica da igreja de Cristo pode ser notada por meio daquilo que é cantado. As músicas entoadas pelos crentes refletem o entendimento (ou a falta dele) que eles têm acerca do evangelho.

Repare nestas duas letras, uma mais antiga e uma mais contemporânea:

“Com tua mão segura bem a minha, pois eu tão frágil sou, ó Salvador, que não me atrevo a dar jamais um passo sem teu amparo, Cristo, meu Senhor!”

Amparo Divino – Hino 153 do Hinário Novo Cântico

“Pois se por pouco, um momento só, deixasses de olhar para mim, me guardar, eu estaria caído ao pó. Mal sei cuidar de mim... só se o Senhor cuidar”.

Graça – Jorge Camargo

O que elas têm em comum? O reconhecimento humilde da nossa condição diante do Senhor. Somos tão falhos e pecadores que dependemos totalmente dele e de sua graça. As letras glorificam ao Senhor e exaltam a quem de direito.

Ultimamente, porém, temos testemunhado dentro do evangelicalismo brasileiro uma mudança catastrófica de concepção que tenho chamado de “ufanismo gospel”. Leia a letra a seguir (vou enumerar as linhas para comentar depois):

1. “Que não passe de nós o teu espírito, que tudo o que foi dito a nós venha se cumprir.

2. Que não seja preciso que se levante outra geração que vá avante. Venha sobre nós e realize o seu querer.

3. Geração de adoradores queremos ser, sacerdócio santo para oferecer o perfeito louvor e em nossas vidas fluir o teu querer.”

Geração de adoradores – Igreja Nova Vida de Alcântara

Embora a última linha diga que a tal geração de adoradores quer ser um sacerdócio santo para oferecer a Deus o perfeito louvor, a letra revela outras coisas:

1. Até hoje não se levantou nenhuma geração que adora “perfeitamente”, tem que ser a nossa;

2. Essa frase expressa que gerações anteriores à nossa não deixaram Deus realizar o seu querer e o anseio é de que Deus não precise esperar por outra geração após a nossa para poder cumprir seu propósito (no caso, levantar uma geração que adora perfeitamente);

3. Por último, o falso entendimento de que podemos oferecer a Deus uma adoração perfeita.

“Ufanismo”, conforme os dicionários, é a “atitude de quem se vangloria exageradamente de alguma coisa”. E não é exatamente isso que está refletido na música? Quem a escreveu simplesmente ignorou que não há adoração perfeita. O Senhor só recebe a nossa adoração por causa da mediação de Cristo Jesus. Não há adoração perfeita, mas um perfeito Mediador.

Foi ignorada também toda a história da igreja que mostra homens que morreram e foram perseguidos por causa do amor a Deus e à sua Palavra, colocando a tal “geração de adoradores” como a melhor que se levantou até hoje.

Mas, convenhamos, deve ser mesmo difícil dizer que somos “A” geração de adoradores que tem a adoração como estilo de vida em um país em que há liberdade religiosa, não é mesmo? Fácil era adorar a Deus no passado, como retrata o escritor aos Hebreus:

“Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate, para obterem superior ressurreição; outros, por sua vez, passaram pela prova de escárnios e açoites, sim, até de algemas e prisões. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos, maltratados (homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, pelos montes, pelas covas, pelos antros da terra” (Hb 11.35-38).

Podemos lembrar ainda como foi tranquila a vida da igreja primitiva sob o Império Romano, que atirava para os leões aqueles que professavam a Cristo, a facilidade que era para John Huss cantar os Salmos enquanto queimava na fogueira ou como era pacífico o governo que cortava a língua dos huguenotes para que não testemunhassem da sua fé.

De fato, diante de gerações tão apáticas e tão sem amor ao Senhor como foram essas, precisamos de que ele levante uma geração que o leve mais a sério e clamar para que não seja preciso que se levante outra geração além da nossa, que prestará o louvor perfeito.

O “ufanismo gospel” tem levado cristãos a pensarem de si além do que convém, contrariando assim a Palavra de Deus. Temos de clamar ao Senhor que opere mesmo uma mudança em nossa geração, mas não para sermos “A” geração de adoradores, antes, para sermos humildes em reconhecer que o Deus que sustentou nossos irmãos que o adoraram no passado é o mesmo que nos sustenta hoje e que aceita nosso imperfeito louvor pelos méritos do seu Filho, nosso perfeito Mediador.

“Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11.36).